Diário dos Açores

Declarações que nos envergonham

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Ouvi as declarações do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e não queria acreditar. Por momentos, duvidei que tivesse mesmo ouvido bem. Fui fazer qualquer coisa e voltei à televisão. Outra estação. O mesmo protagonista. E, infelizmente, a mesma declaração. O Presidente tinha dito mesmo aquilo que ouvi. Obviamente, não tardou muito a ganhar a dimensão que seria expectável. E não é para menos. Marcelo disse o que ninguém podia dizer. Marcelo, com a inteligência que todos lhe reconhecemos e com a experiencia de décadas de falar para um microfone, cometeu um erro terrível. As suas palavras causaram indignação (quase) generalizada. Marcelo sempre falou demasiado. Marcelo nunca deixou de ser o comentador que, por dizer tudo e o seu contrário, acabou em Belém. As horas intermináveis em prime time até permitiram que dispensasse as campanhas tradicionais. O caminho até Belém foi um passeio. Mas a estadia por lá tem deixado muito a desejar. Isto, claro, tendo particularmente em atenção a imagem e percurso dos últimos tempos. O tema “abusos sexuais na Igreja Católica” vinha sendo gerido pessimamente pelo Presidente da República. Em julho passado, aquando das noticias de um alegado encobrimento efetuado por D. Manuel Clemente, cardeal patriarca de Lisboa, e por D. José Policarpo, veio Marcelo a público disser que “pessoalmente não via razoes para que tivesses querido ocultar da justiça crimes” e escusou-se a fazer “juízos específicos”. Mais recentemente, já neste mês, ficámos a saber que Marcelo telefonou ao bispo D. José Ornelas a dar conhecimento que tinha remetido para a Procuradoria Geral da República uma denúncia sobre este recebida em Belém. Em reação, Marcelo veio reiterar que o seu “telefonema não terá consequências na investigação.” Toda esta atuação, profundamente errática e condenável, já merecia crítica severa. Mas, infelizmente, o caso ganhou outros contornos. Confrontado com as 432 queixas recebidas pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja, Marcelo respondeu da seguinte forma: “não é um número particularmente elevado”. Esta afirmação, mesmo que inserida numa tentativa absurda de comparação com outros países, seria monstruosa e ignóbil se proferida por qualquer cidadão anónimo. Tendo sido proferida pelo mais alto magistrado da nação é um verdadeiro atentado. Às vitimas e suas famílias. À justiça. A todos os portugueses. E também aos valores e princípios de qualquer sociedade democrática. Marcelo não podia, em circunstância alguma, ter dito o que disse. Foi indigno do cargo que temporariamente ocupa! O tardio pedido de desculpas não muda a minha opinião.


*Jurista

Hernani Bettencourt*

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