Diário dos Açores

Contas certas ou certas contas?

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Atestada que já foi até à exaustão a real perda do valor das reformas e pensões, prevista na proposta do OGE para 2023, a política das “contas certas”, segundo o 1º ministro e agora no respeitante aos salários, obriga a que estes na função pública não possam subir em média senão até cerca de 5% (entre 8 e 2%), em 2023. Na privada, excetuando o salário mínimo, os salários só subirão ainda assim se os patrões considerarem as reivindicações dos trabalhadores. Desta forma, com os atuais 7,4% de inflação a somar à inflação de 2023, no valor que entretanto se apurar mas nunca inferior a 5%, a grande maioria dos salários, tal como as pensões, também irão realmente descer no próximo ano, porque os trabalhadores e a generalidade da população, mesmo nos casos em que entrem em casa uma ou duas notas a mais ao fim do mês, irão garantidamente passar mais necessidades do que as que passaram em 2022.
Ripostará o governo português que, apesar disso, para os trabalhadores com menores rendimentos, o salário mínimo vai ter um dos maiores aumentos de sempre, mais 55€ , passando de 705 para 760€ (ou de 740,25 para 798 € nos Açores, dado o acréscimo regional em vigor de 5% sobre o SMN). Puro engano, nem neste caso o governo fugiu às suas “contas certas” pois ainda esta semana foi amplamente divulgado pela comunicação social que até ao momento a subida da inflação em 2022 já roubou 66 € ao salário mínimo.
É caso para dizer: os 125 € extra do mês de outubro, tal como o adiantamento da meia pensão, o mais tardar a partir de janeiro (já que permanece a salvo o subsídio de Natal), de muito pouco servirão para compensar ou sequer mitigar o que quer que seja…
Mas as “contas certas” do governo afinal não se aplicam para tudo. Não se aplicam, por exemplo, ao apoio militar à Ucrânia, pelo menos ao que se sabe, às 170 toneladas de material de guerra já enviado, às fardas já negociadas, aos 5 helicópteros Kamov para combate aos incêndios, ou agora à deliberada participação portuguesa numa missão na Polónia de formação militar de apoio ao exército ucraniano.
As “contas certas” afinal não se aplicam também noutras circunstâncias. Por exemplo, quando se trata de, supostamente para travar os preços da energia, recompensar precisamente os grupos económicos responsáveis pela especulação e subida desses preços, disponibilizando três mil milhões de euros às empresas adquirentes, ou seja, financiando os seus lucros com muito dinheiro público, ademais sem nenhuma garantia que tal se venha a refletir na baixa efetiva desses preços para os cidadãos. Tudo isto feito, em lugar de, numa efetiva lógica de contas certas, controlar as margens dos lucros, tabelar preços, ou taxar os ganhos especulativos e lucros extraordinários daqueles grupos económicos, generalizando além disso para 6% o IVA da eletricidade.
Mesmo quando o governo procede com maior acerto, ao limitar a 2% o aumento das rendas de habitação para 2023, também aqui não se aplicam as suas “contas certas” já que os senhorios receberão compensações pela limitação, abaixo da inflação, dos aumentos das rendas. Para isso, o governo disponibilizou-lhes45 milhões de euros em benefícios fiscais no IRS e IRC...
Estes exemplos confirmam então que estamos numa história de “contas certas” muito mal contada. No final das contas a invocação das “contas certas” para fundamentar perdas de rendimento em 2023, de acordo com o estafado cardápio neoliberal, aplica-se apenas às “contas” dos salários e das pensões.


Mário Abrantes *

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