Diário dos Açores

Educação e Ser Professor Verdade, Referências e Linguagem

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Um Verdadeiro Universitário faz-se na sua Singularidade e Autonomia e respeita os seus colegas, como sempre doutrinou, - e deu exemplo - entre outros, o Professor A.B. Machado Pires, de Saudosa Memória. Nessa Grande plêiade de Professores, temos sempre de tornar Presente Figuras Primeiras e Primordiais, de Referência Maior, também de Saudosa Memória, como é o caso o Professor José Enes e o Professor Gustavo de Fraga. Foram Grandes porque Humildes e Sábios. Só a luz do Futuro trará essas Figuras como Orientação imprescindível. Uma instituição degenera quando está abaixo da sua função essencial. Essa Ideia fundamental, entre muitas outras, está presente na Obra “Fidelidade e Alienação”, de Gustavo de Fraga, Obra citada por outras Figuras Maiores da Universidade e da Sociedade.  
Quem faz falta nos vários níveis de ensino são os professores de Vocação. Os outros podem até ocupar cargos, mas, também por essa via, degeneram o sistema, porque não são pessoas fiáveis nem credíveis. É preciso estar atentos em todos os setores e agir em conformidade. O importante é que a Sociedade já tomou conhecimento e consciência disso. O sistema e as instituições apodrecem com falta de Professores bem formados, em termos pessoais e profissionais, com caráter. Um professor mercantil ou de sofística barata é, já, um fator de crise conjuntural e estrutural, muito grave na Educação. Na Educação deviam estar os melhores, sujeitos a provas para entrada na profissão. Soluções à pressa não são solução. O estado a que chegou a Educação e a Formação não era inevitável. A história vai-se contando e à luz do dia o Futuro tudo vai esclarecer. “A Verdade é filha do tempo”.
Aprendi e aprendo com muitos Professores que tive, alguns excelentes e excecionais, nas várias dimensões. Mas destaco dois ainda maiores, dois Professores Geniais que tive: José Enes e Gustavo de Fraga sobre quem já foram realizados Colóquios e cujas Figuras e Obras continuarão a inspirar para mais Colóquios, mais estudos e investigações.
É urgente ir às Origens e às Fontes, que dão alimento, iluminam e abrem caminhos de Sentido, de que estamos carentes.
Estamos numa época sem espírito. Afirma Cristo: “deixa os mortos sepultarem os seus mortos”. (Mt. 8, 21). Este é um tempo em que os vivos estão cada vez mais mortos e os mortos cada vez mais vivos.
Este é um Tempo que carece de muitas Referências. Há instituições que estão na penúria do pensamento. O Pensamento não é gerado nem desenvolvido em “manada”, para usar uma expressão de Vergílio Ferreira, que defendera o regresso ao indivíduo-sujeito, superando o “neo-realismo”.  Diria, a Pessoa. Precisamos de um humanismo cristão. Aliás, historicamente deve-se ao cristianismo a afirmação do conceito e do Sentido de Pessoa, da Pessoa Humana.
No sentido do que tenho escrito sobre a importância dos Grandes Professores – e também há muitos que o foram e são, num aparente anonimato - neste texto quero fazer Referência, mais ampla, ao Professor Vitor Aguiar e Silva que é -era, e é – (1939-2022) - uma Figura que há muito estudo, a sua “Teoria da Literatura” (1967) e outros ensaios. Deixou-nos recentemente. Foi um Professor com quem nunca falei, diretamente, mas há muito tempo sigo através de colóquios e livros, o que cria, também, uma familiaridade quando há cumplicidade e quando se trata de uma pessoa de caráter.
O penúltimo Jornal de Letras (Ano XLII. Número 1356, de 21 de setembro a 4 de outubro de 2022) traz uma Justa evocação, desde logo do seu “dileto discípulo”, José Carlos Seabra Pereira, que o substituiu na Cátedra, na Universidade de Coimbra, quando o Mestre rumou à Cidade dos Arcebispos, para a Universidade de Braga. E os testemunhos são inequívocos sobre o Mestre no que diz respeito ao seu caráter, ao ensino, à investigação e a tanto mais. Escreve o Discípulo sobre o Mestre: “O seu magistério ímpar, ao longo de meio século, e o desdobramento da excelência docente nas páginas de livros, ensaios e artigos, em conferências, comunicações e palestras, constituíram um caudal inigualável de criação fecunda e transmissão convincente de conhecimento literário” (p. 7). Afirma ainda o mesmo Professor: “A singularidade do seu perfil foi-se dando a conhecer também através dos seus espaçados trechos de autobiografia intelectual” (p. 7). É dito de modo magistral que a “excelência docente” se avalia, com fundamento, “nas páginas de livros, ensaios e artigos, em conferências, comunicações e palestras, constituíram um caudal inigualável”. Só um Professor inautêntico e sem crédito não se dá a ver no que escreve. Só avalia quem sabe, quem tem a autoridade moral e científica, que prestigia a pessoa e a instituição, seja ela qual for.
E porque nos debruçamos sobre linguagem e Formação de Professores, em que Vitor Aguiar e Silva se empenhou, mas como quem sabe, é de dar relevo, também, a estas afirmações do Professor José Carlos Seabra Pereira: “Compreende-se que na perceção pública do seu perfil haja prevalecido a imagem do autor da seminal e sempre refundida Teoria da Literatura e do Pontifexmaximus dos Estudos Camonianos, como diria Vasco Graça Moura. Mas não foi menor o brilho e a irradiação dos seus “trabalhos graves” noutros domínios: amou e defendeu a Língua pátria e pensou e interveio na política da língua, pensou a Educação e interveio na política da Educação, cultivou o Humanismo e interveio em defesa das Humanidades, acompanhou e corroborou o relançamento em novas bases de nobres disciplinas como a Filologia e a Retórica, teorizou e praticou o alcance dos estilos de época como quadro de inteligibilidade da existência diassincrónica da Literatura e das artes e como fundo de hipóteses interpretativas”. (p. 7). Ora “disciplinas nobres” são disciplinas (unidades curriculares) fundamentais e estruturantes. É o caso da Disciplina de “Filosofia da Educação”na formação de professores. Não há educação e formação dignas desse nome sem Filosofia da Educação e Filosofia do Currículo. A Elaboração de um plano curricular exige Sapiência, Conhecimento Educacional e Cultura. Ora, acabamos de ver como uma Figura, digna do Título de Professor Universitário – e não um simulacro -, Vitor e Aguiar e Silva “pensou a educação e interveio na política da educação”. Por razões acrescidas os verdadeiros Filósofos da Educação, a Filosofia da Educação, é chamada a fundamentar e a expulsar do contrabando do conhecimento inautêntico e nefasto por quem – por mera hipótese – não ama a Sabedoria, PH. Doctor. Pior do que uma Instituição escolar descapitalizada é uma instituição com ausência de Referências, dos verdadeiros Professores de Vocação. Só esses são a “medida alta” – na expressão de João Paulo II -, sempre, e cada vez mais, na proporção em que se alastra a mediocridade. Nem Sócrates, o Filósofo da Época Clássica, se vergou. Temos a sociedade que temos porque escasseiam os verdadeiros Filósofos, os verdadeiros políticos, e assiste-se – por toda a parte, lá longe - a uma confrangedora falta de pensamento, pior, à falta de Coragem do Pensamento e alastra a mediocridade, que tem de secar e ser lançada na geena, digamos, numa linguagem metafórica, claro está. É preciso ler tanto e tanto. Só as pessoas cultas, no sentido da metáfora do campo, das novidades, têm autoridade moral de levar a Razão a Tribunal, como fez Kant, de modo magistral, e como Filósofo Universal que foi – é – embora, ao que consta nunca terá saído da sua Terra Natal. Só aprendemos e mudamos, por nós, em diálogo, fecundo, com todos e cada um, independentemente do nível escolar.A Cultura brota da Terra, que é campo de saberes, em interdisciplinaridades, como fecunda o Pensamento Complexo de Edgar Morin.  
O Professor e Poeta António Carlos Cortez, que leio sempre, com muito gosto, e proveito, titula, na referida edição do Jornal de Letras:  “porque de um mestre se trata”, escreve sobre o Professor Vitor Aguiar e Silva: “Docente, ao longo de mais de 40 anos de serviço público, como professor universitário, ensaísta, investigador e camonista, Vitor de Aguiar e Silva (VAS), fundador, em 1989, do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho e do Centro de Estudos Humanísticos da mesma instituição, igualmente responsável pela fundação da revista Diacrítica, é bem o exemplo do académico erudito, mas cuja erudição foi feita sempre de abertura à compreensão do Outro, de modo a que autores complexos pudessem ser lidos com proveito e exemplo. A sua experiência pedagógica e didática tem, por isso, reflexos óbvios no tipo de ensaio que produziu” (P. 8). Só por atrevimento repugnante uma pessoa de uma outra área qualquer, e sem cultura, se atreve, sequer, a questionar quem trabalha de modo honesto as Figuras, os temas e os problemas que só são acessíveis à inteligência e humildade. Nunca vi os grandes praticarem esse atrevimento e qualquer tentativa alheia ao Saber e à Pedagogia Universitária, de quem sabe, seria de imediato reprovada veementemente. Até hoje nunca conheci nenhum professor universitário, digno desse título, que não respeitasse os seus pares, da mesma área ou, ainda mais, de áreas distintas.   
Precisamos de Formar Professores/as Cultos, em todas as áreas. Veja-se o caso de Rómulo de Carvalho, Professor de Físico-Química, que, como Poeta e com o Pseudónimo de António Gedeão escreveu os poemas: “Eles não sabem que o Sonho”, “Lágrima de Preta”, “Galileu, Galileo.”, que os meus alunos do 11º ano – aquando do meu Estágio Pedagógico - estudaram e encenaram, com criatividade, interpretação e rigor filosófico. A Educação, a Filosofia, e demais áreas de conhecimentos, trabalham-se a partir da Linguagem, de muitas linguagens. Ser Professor é também ter a capacidade de trabalhar a linguagem e as linguagens na criatividade que a/s habita/me que vivemos – usamos e praticamos - no dia a dia, na Significação da Vida.

 

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

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