Diário dos Açores

Clarificando posições sobre a Autonomia dos Açores (2)

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Opinião

Nunca me passou pela cabeça desvalorizar a luta forte dos participantes nas campanhas autonomistas do final do século XIX e dos anos 20 do século passado. Foram pessoas extremamente empenhadas na defesa dos interesses dos Açores e revelaram dotes de polemistas e até de panfletários, que só podem fazer inveja aos autonomistas posteriores. Tenho, porém, de reconhecer que nunca tive curiosidade suficiente para ir ler os textos que a seu tempo fizeram furor, apesar de hoje estarem acessíveis no site da malograda Casa da Autonomia, graças ao empenho de Luísa César, sua primeira Presidente. A minha única objecção é que os resultados obtidos por essas campanhas foram muito modestos e por isso facilmente domináveis pelo regime autoritário anterior à Revolução do 25 de Abril, que manteve, sob a capa de uma Autonomia Distrital de fachada, um forte regime centralista. 
E que aconteceu aos entusiastas das campanhas autonomistas? Uns morreram, naturalmente, cheios de desgosto e depois de sofrerem castigos pela sua coragem na luta pela Autonomia dos Açores, como aconteceu com o que considero mais importante entre todos eles, Aristides Moreira da Mota; outros continuaram a remoer na sombra os seus ideais; outros ainda passaram-se de armas e bagagens para as fileiras do regime autoritário, deixando na prateleira as suas anteriores convicções. A hegemonia ideológica do autoritarismo salazariano alcançou estatuto de totalidade, auxiliada pela censura à Imprensa e pela polícia política.
No Congresso Açoriano, realizado em Lisboa nos anos 30 do século passado, não se registou qualquer reivindicação sobre o regime autonómico insular, limitando-se os inúmeros oradores a elencar as potencialidades do arquipélago, disponíveis para o seu aproveitamento em termos de progresso económico e social, que então não se verificou, como é sabido. E mesmo nas Semanas de Estudo, que tiveram lugar já nos anos 60, quando já decorria a Guerra Colonial, a avaliar pelas actas publicadas, não foram formalizadas propostas concretas para a reforma da Autonomia Açoriana. Aventou-se, isso sim, a necessidade de uma abordagem regional para o desenvolvimento das ilhas, o que veio a propiciar a criação da Comissão Regional de Planeamento, já no tempo do Governo de Marcelo Caetano.
As esperanças criadas pela impropriamente chamada “Primavera Marcelista” tiveram eco também nos Açores e desde logo nas eleições legislativas de 1969. Os manifestos eleitorais dos candidatos às eleições não deixavam de mencionar entre os temas importantes a situação financeira das Juntas Gerais, falo por aquele em cuja redacção intervim pessoalmente. Já se referiu a criação da CRP, que é pouco posterior às eleições, e é preciso acrescentar a abolição das barreiras alfandegárias existentes entre os distritos autónomos, por razões de diferentes regras de tributação de certas mercadorias, feita por lei logo no início da nova Legislatura da então existente Assembleia Nacional.
Além disso, e ao contrário de quem não encontra qualquer movimentação autonomista durante todo o tempo do Estado Novo - em rigor Marcelo Caetano tentou descolar dessa fórmula, apresentando-se como promotor de um Estado Social - os responsáveis políticos dos distritos autónomos promoveram, logo no ano de 1970, as Cimeiras Insulares, a primeira delas realizada no Funchal, no mês de Maio, e a segunda em Ponta Delgada, em Outubro seguinte. As propostas formuladas davam como assente o regime autonómico em vigor e não propunham, forçoso é reconhecer, nenhuma mudança substancial nos aspectos organizativos constantes do Estatuto dos Distritos Autónomos. Mas em matéria de receitas atribuídas às Juntas Gerais avançava-se alguma coisa, reclamando meios suficientes para que deixassem de ser meras pagadorias e tornassem a poder envolver-se na promoção de infraestruturas indispensáveis ao desenvolvimento socio-económico insular.
O efeito das Cimeiras Insulares não foi imediato e a iniciativa não logrou ter continuidade, talvez por não se afigurar cómoda para os detentores do Poder Central. Em todo o caso, em 1971, nas vésperas da vinda à Ilha Terceira, para acolher a Cimeira Nixon-Pompidou, Marcelo Caetano fez publicar um diploma governamental que passava para a responsabilidade do Ministério da Educação Nacional o encargo com o pagamento dos professores do ensino básico. Esta medida, de dimensão modesta, permitiu ainda assim algum alívio das finanças distritais, e esteve na origem do lançamento das obras da correcção e asfaltagem da estrada para o Nordeste, na Ilha de São Miguel, até então terreira e cheia de curvas e contracurvas, impondo um percurso de várias horas para se chegar de Ponta Delgada até àquele extremo da ilha.
Tenha-se em conta que o alargamento do ensino obrigatório para 6 anos, só tinha sido acompanhado nas ilhas de São Miguel e de Santa Maria, não existindo nas outras a 5.ª e a 6.ª classes, por as respectivas juntas gerais não disporem de recursos para tal. Só com o advento da Autonomia Constitucional isso veio a acontecer, juntamente com um intenso programa de combate ao analfabetismo de adultos, mais espalhado entre as mulheres, sinalizando a dimensão dos desafios do futuro desenvolvimento dos Açores.
Em todo o caso, a noção de que a Autonomia Constitucional representa uma certa continuidade da antiga luta pela Autonomia dos Açores encontra-se, julgo eu,  nas convicções e no discurso comum sobre a matéria. A Constituição do 25 de Abril fala das “históricas aspirações autonomistas” para fundamentar o novo regime - salvo erro, esta expressão foi introduzida no texto, durante os trabalhos da 8.ª Comissão da Assembleia Constituinte, por sugestão de Mário Mesquita - e o centenário do Decreto de 2 de Março, em 1995, foi celebrado pelas entidades regionais com a devida pompa e circunstância.


   João Bosco Mota Amaral*
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado 
Acordo Ortográfico)     

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