Diário dos Açores

País de esmolas

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Por estes dias os portugueses andam preocupados sobre quando recebem a esmola governamental e os governantes alimentam o espectáculo, diariamente, com declarações sobre quando e quanto o orçamento vai deixar no bolso de cada um.
O Estado assistencialista que se criou em Portugal nestes últimos anos já não é protecção social, até porque as fracas migalhas que são distribuídas não representam nada no cada vez mais elevado orçamento das famílias e já sem contar com o fenómeno da inflação.
A emergência social não se compadece com esta concepção eleitoralista da pobreza, em que os políticos transformaram  as situações de vulnerabilidade social em fortes dependências com cariz quase infinito.
O relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos dá-nos um retrato trágico do que andamos a fabricar neste país há décadas: gente pobre e cada vez mais pobre.
O número de pessoas pobres, no limiar da pobreza ou em risco de pobreza ultrapassa, neste momento, os quatro milhões, quase metade da população portuguesa, uma tragédia a necessitar de outros paliativos, muito mais profundos, que não apenas atirar dinheiro para as pessoas.
Nos Açores não devemos estar muito longe dos números desta tragédia, à nossa dimensão, claro.
Há dois anos, muito antes de terminar a pandemia, já se sabia que tínhamos na região mais de um quarto da população (28,5%) a viver em estado de pobreza e com a taxa mais alta do país no que toca à desigualdade na distribuição de rendimentos.
Não admira, por isso, a elevada quantidade de indigentes que se vai vendo nas ruas das nossas cidades, o número cada vez maior de roubos em várias localidades e a quantidade trágica de crianças que recorrem à acção social escolar.
O Programa Regional de Combate à Pobreza foi um fracasso, como está sendo, também, o combate às dependências, especialmente as drogas, onde é notória a ausência de uma intervenção social robusta por parte das entidades oficiais.
As instituições de solidariedade social tornaram-se num campo de batalha política, numa disputa sobre quem mais domina as respectivas direcções, dado o vasto território social que elas englobam, propício para as influências políticas.
E, no entanto, há fenómenos nesta terra que custa interpretar quando se fala em entregar dinheiro às pessoas ou às instituições.
Por exemplo, o Serviço Regional de Estatística dos Açores, a única fonte fiável estatística que temos por cá, revelava esta semana que o índice de vendas do comércio a retalho de produtos alimentares regista em setembro, a preços constantes (valores brutos, deflacionados), uma variação mensal homóloga positiva de 6,91% e trimestral homóloga igualmente positiva de 6,97%.
 A preços constantes (corrigidos dos efeitos calendário e sazonalidade, deflacionados), verifica-se um acréscimo de 6,20% relativamente à variação média nos últimos 12 meses. Quanto à variação mensal, esta apresenta uma variação positiva de 0,11%.
 Isto quer dizer que, a variação média das compras de bens alimentares, em termos reais, nos últimos 12 meses, terminados em setembro (6,2), está acima da variação média da inflação em igual período (3,72 no geral e 3,22 em alimentares não transformados), significando que, em termos reais, as famílias estão a gastar mais do que a inflação faria antever.
 Há quem diga que este fenómeno pode estar associado a um maior nível de emprego e, portanto, mais rendimento.
Mas, então, e os pobres, como é que adquirem os alimentos?
E o que vai por aí em pobreza envergonhada, as muitas famílias que não se manifestam e as que já desistiram de lutar por melhores condições de vida?
A intervenção ao nível das estruturas sociais tem que ser mais robusta, mais na rua e menos nos gabinetes.
Quando temos um quarto do orçamento regional destinado à saúde e quase outro tanto para a educação, é sinal de que estamos todos debilitados e que o caminho traçado, até aqui, foi um desastre para muitas famílias.
Tudo indica que não sairemos deste país de mão estendida tão depressa.
Basta ver o nosso nível de endividamento, do país e da região, para percebermos que vamos continuar nesta senda de pedintes e indigentes.
Que ao menos sejamos honrados. Se é que isto mata a fome...

Osvaldo Cabral
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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