Diário dos Açores

O que é a Lusofonia - Parte 6 (I) 20 anos de colóquios de 2002 - 2022

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Ásia recebeu os colóquios da lusofonia, 12 ABR 2011
Havia em mim uma reincarnação do Dragão oriental, um dos quatro animais sagrados convocados por Pan Ku para a criação do mundo. É um misto de animais místicos: Olhos de tigre, corpo de serpente, patas de águia, chifres de veado, orelhas de boi, bigodes de carpa. Simboliza a sabedoria e o Império, com as suas quatro patas. Há uma noção que convém reter: nunca nos seus séculos de existência deixou Macau de fascinar e de marcar indelevelmente os que ali passaram (como comigo, 1976-1982). Aprendi novas linguagens e culturas enriquecendo a bagagem que transporto às costas, caixeiro-viajante de sonhos que insisto em tornar realidade. O poeta devaneia, deus dispõe e o homem executa, estas poderiam ser as palavras que definiriam a génese deste 15º Colóquio. Escreveu Eduardo Lourenço (falecido em 2020)
“…os que lá foram para sempre e lá ficaram, há muito que era para o Ocidente a porta aberta e misteriosa para uma quietude capaz de nos curar do nosso demoníaco desassossego. Mas foi a chegada que a converteu para os outros em lugar de todos os sonhos e fantasmagorias. Para nós, todas as viagens são viagens.”
 Assim se explica que este 15º Colóquio tenha chegado não numa nau, mas nas asas desse sonho a que chamam Lusofonia, palavra que etimologicamente, significa fala dos lusos, todos, quantos, falando a língua de Camões, sentem que algo têm em comum, de idêntico, mas também de diferente dos outros. Esta definição será sempre um diálogo na secular língua, incluindo os países de língua oficial (e regiões onde a língua é de património e abarcando os que nela trabalham, mesmo que seja língua segunda). Esta Lusofonia teve raízes nos sécs. XV e XVI, quando era a língua de comunicação em todo o mundo. Irmanava povos distintos dos quatro continentes e tornava possível a mercancia. Isto de Lusofonias e Lusotopias tem muito que se lhe diga.
Com essa língua se criaram comunidades que mantêm os crioulos e a identidade herdada. Com essa língua se casaram e nasceram muitos dos que dela descendem. Os séculos passaram, a influência política desvaneceu-se e os laços religiosos foram irremediavelmente cortados, mas os crioulos de Português perduram como herança universal. Falta muitas vezes aos Estados a visão, o amor e a dedicação pela língua e cultura. Governos e governantes estão de candeias às avessas para a defesa desses valores, tal qual a população de S. Miguel, está sempre de costas para o mar, e outras não vivem sem ele, como o Pico.
Foi com a perceção da herança ancestral da língua que o Instituto Politécnico de Macau, através dos professores James Li (Changsen) e Choi Wai Hao, teve a visão de ajudar a trazer este Colóquio até Macau, patrocinando-o, reunindo vasto leque de especialistas em várias áreas do conhecimento. Tivemos em Macau representantes dos quatro continentes. Bem hajam por terem tido a sabedoria, de reconhecer a capacidade dos Colóquios e permitirem a partilha imensamente rica da qual esperamos possam frutificar arrojados projetos para anos vindouros.
Normalmente, o oriente veste-se de magia para os ocidentais e Macau acaba por ser mais esotérico nas conceções que dele se fazem fruto de autores que dele fizeram a sua base terrena. Ao contrário de Vasco da Gama não buscamos o caminho marítimo, antes nos deslumbramos com o que foi feito em Macau nos dez anos de regresso à soberania chinesa. Na saga dos navegadores arribamos aos Açores em 2005 para debater a identidade açoriana, escrita, lendas e tradições.
Todos ajudaram a prestar a justa homenagem a Vasco Pereira da Costa, escritor convidado. Vieram exemplares das suas obras para que sejam lidos e traduzidos. Os temas escolhidos para 2011 retratam bem a posição dos Colóquios, como construtores de pontes lusófonas entre as Américas, do Brasil ao Canadá, Açores, África, Europa e a China. Sempre houve açorianos em Macau, foi daqui que o chá partiu para S. Miguel, onde existem as únicas plantações europeias.
Além das palestras científicas, houve música, teatro e poesia de Macau, Açores, Galiza e Brasil, graças ao apoio da RAEM e patrocinador, Instituto Politécnico de Macau. Além da viagem e estadia, concedeu apoio logístico à comitiva, e estadia e alimentação dos restantes num gesto magnânimo raro quando todos clamam crise para se escusarem a apoios culturais. A comitiva inclui representantes das três Academias de Língua Portuguesa e dos seguintes países e regiões: Açores, Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, Espanha, EUA, Galiza, Gana, Malaca, Moçambique, Portugal e Rússia.
A longa viagem começada pelas 12:00 dia 9 em Ponta Delgada terminaria em Macau dois depois, pelas 16:00 horas locais dia 11 (08:00 PDL) para 31 viandantes que se juntaram em Lisboa. Sem perdas de bagagem, fomos recebidos no cais pelos representantes do IPM e transportados ao luxuoso Rio Hotel & Casino Macau onde ficamos dez dias a escassos metros do IPM. De  manhã teve início, com pompa e circunstância, o 15º Colóquio, com espetáculos musicais de danças e cantares portugueses interpretados por chineses, aprendizes de português há meros seis meses. Seguiu-se o Cancioneiro Açoriano pelas mágicas mãos da pianista Ana Paula Andrade do Conservatório de Ponta Delgada e a jovem soprano Raquel Machado.
Depois das sessões do AO 1990, visionou-se um documentário sobre o patuá de Macau seguido do primeiro banquete, oferecido pelo IPM, com laivos de corte imperial chinesa: 15 pratos e seis entradas, deixando os presentes de olhos e estômagos plenos de imagens e sabores. Momentos inesquecíveis a antever a hospitalidade oriental e protocolos rígidos, a que todos aderiram. Seria difícil igualar a receção e as honrarias conferidas aos 48 participantes.
O segundo dia começou com o calor habitual 24-29 °C e humidade elevada, fazendo crer que S. Miguel nos Açores era seco. De manhã, o roteiro cultural pela Macau antiga, organizado pela Rosário Girão, em homenagem a Henrique de Senna-Fernandes, com início na lendária Gruta de Camões, onde num momento de magia inolvidável, se declamou poesia de Macau, Galiza, Brasil, África, Açores com as vozes de Vasco Pereira da Costa, Chrys, Concha Rousia e Luciano Pereira, ao som de fundo do Lian Gong (a ginástica matinal chinesa), frente à Gruta. Depois, a visita ao excelente Museu de Macau, à reprodução dos modos de vida, fachadas típicas da construção luso-macaense, e a obrigatória visita às ruínas da Catedral de S. Paulo, ex-líbris que o fogo quase consumiu na totalidade há mais de 200 anos. A visita terminou na Livraria Portuguesa onde se percorreram autores macaenses, e o banquete português com caldo verde, bolos de bacalhau, oferecido pela Fundação Macau no restaurante Pinnochio’s da Taipa, , ora remodelado e com três andares em vez do andar térreo que conhecia da década de 1970.
As sessões da tarde dedicadas a autores macaenses e sessão especial na Livraria Portuguesa onde Vasco Pereira da Costa, Anabela Mimoso e Chrys Chrystello apresentaram novos livros. A sessão começou com a homenagem ao dono, jornalista Ricardo Pinto, pela colaboração dada a um programa mítico da rádio TDM em 1980 (O Uísque e a Cola, de Chrys Chrystello). Curtas apresentações, entrevistas e abalada para o Forte de Mong Há e Pousada para o banquete do Instituto de Formação Turística, com deliciosos pratos confecionados pelos alunos.
A manhã do terceiro dia dedicada a autores macaenses, mais um banquete e homenagem a Vasco Pereira da Costa, e Eduardo Bettencourt Pinto (Canadá). Fomos ao Instituto Internacional de Macau celebrar um protocolo, palestra do ex-governador Garcia Leandro, banquete ao ar livre. Na última manhã textos dedicados a Macau e Açores estabelecendo as pontes que o Colóquio ia construir entre as insularidades da Lusofonia afastadas continentes e oceanos. Ao almoço, banquete oferecido pela Direção dos Serviços de Turismo no luxuoso Hotel Lisboa Grand.
Na sobremesa, a correr de volta para o IPM e celebrar o Memorando de Entendimento entre os Colóquios e o IPM, com a presença de todos os convidados e vinte membros da comunicação social, com a habitual troca de presentes e formalidades protocolares. Seguiu-se a última sessão académica antecedendo agradecimentos, empenho de regresso, e promessas de lutar contra a extinção do crioulo. Por fim, o toque mágico da viagem pelo mundo lusófono musical com atuações de representantes da Lusofonia, da Índia a África e Ásia, com passagem obrigatória pelos Açores. Terminava de forma sublime e mágica deixando lágrimas nos presentes, desejosos de voltarem uns e outros ansiosos por aqui se fixarem.Os três dias seguintes, por conta de cada um, foram para visitar Zuhai, Taipa e Coloane, a Rua das Mariazinhas e antecedendo o último dia dedicado a explorar à “vol d’oiseau” a enorme metrópole que é Hong Kong. Dos luxos e iguarias não falaremos pois o profissionalismo e rigor científico foi a marca deste 15º Colóquio. A cidade do Santo Nome de Deus, dez anos após o regresso à pátria chinesa, fervilha de vida e de progresso. Parafraseando Cristóvão de Aguiar direi da Língua de todos nós:
Amo-a sem o empecilho da palavra.
O Amor aprende-se, cultiva-se, rega-se.
Necessária uma predisposição íntima onde se alastre essa Ferida Amável,
como tão eloquentemente escreveu, em título de livro,
o Poeta Egito Gonçalves. Os poetas têm sempre razão!”
Cristóvão de Aguiar (in Nova Relação de Bordo, diário ou nem tanto ou talvez muito mais, Pub. D. Quixote, 2004)
É esse amor de poeta que nos trouxe a Macau para o maior Colóquio até hoje.

*Continua

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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