Diário dos Açores

Transnacionalizar o transnacional

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Em maio deste preciso ano de 2022, foi aprovado em plenário do Parlamento Europeu a introdução de listas transnacionais para as próximas eleições parlamentares europeias em 2024. Isto significa que, pela primeira vez na história das eleições europeias, e de qualquer eleição realizada na Europa, iremos votar em candidatos diretamente nomeados pelos partidos políticos europeus em vez de votar em candidatos nacionais e/ou partidos nacionais. Por outras palavras, iremos votar em candidatos puramente europeus – transnacionais.
Este processo é visto, nos olhos da maioria dos europeístas, como um passo em frente para a democracia europeia ao estabelecer salvaguardas para a criação de uma esfera pública europeia embrionária. Após o fracasso de tentativa de implementação dos Spitzenkandidaten nas eleições europeias de 2019 (para estabelecer um presidente da Comissão Europeia, como foi feita em 2014 com Jean Claude Juncker), o eurodeputado Ruiz Devesa Domènec, do grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, lançou a proposta para a eleição de eurodeputados para a assembleia supranacional por sufrágio direto.
O que demonstra ser interessante, mais do que a aprovação da entrada deste novo processo eleitoral, é observar o quão as eleições europeias não são exatamente eleições transnacionais, isto é, eleições para eleger diretamente deputados e/ou executivos europeus. Durante as eleições, o povo vota em listas nacionais (quer abertas ou fechadas) para eleger deputados nacionais para o Parlamento Europeu. Estas eleições não são consequentes para a eleição de cargos executivosnas instituições europeias – como os presidentes do Parlamento, Conselho e Comissão –, pois o processo é realizado internamente nas instituições. Já por não falar que antecedendo às eleições, as campanhas eleitorais são apresentadas, discutidas e debatidas por partidos nacionais em cada Estado-Membro.
Onde se encaixam os partidos políticos europeus, ou Europartidos, neste padrão? De forma geral, os partidos europeus são federações extra-parlamentares a nível supranacional, isto é, possuem atividade política para além do Parlamento Europeu, neste último estão representados pelos seus respetivos grupos políticos. Dentro das suas atividades incluem: coordenação de trocas de informação e diálogo entre elites políticas dos Estados-membros, criação de programas eleitorais, e participação nas cimeiras intergovernamentais (CIG) no Conselho da União Europeia.
Em termos eleitorais, pouco os Europartidos têm relevância. Como mencionei anteriormente, nós votamos em partidos nacionais com candidatos nacionais. Os Europartidos são compostos por membros da sua cúpula que são membros transnacionais, mas na sua maioria são compostos por membros partidários nacionais. Podem criar manifestos partidários, mas nem todos os Europartidos seguem este rumo e próprio conteúdo dos programas/manifestos é vago e demasiado sumarizado, por vezes apelando ao menor denominador comum.
Se as eleições parlamentares europeias são classificadas como eleições de carácter transnacional, então é necessário, efetivamente, transnacionalizar essas eleições. A aprovação da proposta de eleição direta de candidatos europeus através de listas transnacionais não resolve o problema do défice democrático na UE, mas pode vir a atenuar os seus efeitos. Com isto, a proposta vem com condições que demonstram ser vitais para o fortalecimento dos Europartidos a nível eleitoral: transformar as eleições europeias num único círculo eleitoral à escala da União; aumentar a visibilidade dos Europartidos e dos seus candidatos através de campanhas nos meios de comunicação social, nos boletins de voto e em todo o material eleitoral; que o financiamento dos Europartidos, quer através do orçamento da UE quer de provisões nacionais, pode se aplicar aos materiais de campanha; e que todos os eleitores europeus devem poder votar no seu candidato preferido para presidente da Comissão, e que os candidatos principais devem poder se candidatar em todos os Estados-Membros das listas de toda a União, nomeados por um partido político europeu.
Caso estas provisões estabelecidas na proposta legislativa venham a ser adotadas na sua íntegra, podemos estar a caminhar para uma verdadeira União Europeia em termos eleitorais. A lei eleitoral europeia estabelecida em 1976 requer uma reforma crucial na sua estrutura. A aprovação e (suposta) introdução em 2024 das listas transnacionais pode ter duas vertentes. Ou provará por ser um sucesso, encaminhando para uma esfera pública europeia, aumentar a transparência da representação dos cidadãos europeus, e, como resultado, atenuar os efeitos do défice democrático e dos problemas da legitimidade política da UE. Ou poderá fracassar, atestar que o aumento da visibilidade dos partidos europeus não gerou qualquer influência no conhecimento e interesse dos cidadãos, provar que não reduziuos níveis de abstenção na participação eleitoral, relegar as eleições europeias continuadamente como eleições de segunda-ordem (de menor importância), e invalidar a UE como um sistema político legítimo.Só o tempo dirá, e esse tempo será em 2024.

*Investigador doutoral em Ciência Política na Universidade de Aveiro

Diogo Viera Ferreira*

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