Diário dos Açores

Saudades de uma trapalhada

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A coligação governamental já sentia saudades de uma boa trapalhada.
Depois delas terem surgido à dúzia, desde o início da governação, quase sempre provocadas pelos mesmos, já há algum tempo que a navegação de Bolieiro rumava em águas calmas.
O governo obteve até uma coroa de glória na aprovação do orçamento para o próximo ano, que não soube explorar devidamente, mantendo o seu estilo de péssimo comunicador, sobretudo quando é em seu benefício.
Nestes dois anos a coligação nunca soube capitalizar as boas medidas que implementou, desgastando-se nas justificações para acudir às trapalhadas e desinvestindo nas mais valias das suas capacidades.
Perdeu horas e dias nisto, como agora voltou a ocorrer com a “guerra” dos médicos, falhando boas oportunidades para fazer estender o ”estado de graça” das medidas mais benéficas que aprovou.
Foi o que aconteceu após os trabalhos parlamentares da passada semana.
Fazer o PAN aprovar o Plano e Orçamento, reforçando assim a estratégia da coligação, foi um feito politicamente poderoso para a dimensão da nossa política, porquanto muitos vaticinavam o fim desta coligação a meio do mandato.
A coligação não só aprovou os documentos com os votos de todos os parceiros, como até reforçou a sua posição com o voto do PAN.
Mas a festa durou pouco.
Provavelmente empolgado com o cenário de sobrevivência garantida da coligação, Artur Lima resolveu precipitar-se (mais uma vez) e atirou-se aos médicos sem apelo nem agravo, recusando o pedido de desculpas ou quaisquer explicações.
O Vice-Presidente até pode ter razão, em substância, nalgumas das coisas que disse, mas conhecendo-se a sensibilidade da classe e o clima podre que se vivia entre muitos dos seus pares no HDES, as polémicas declarações foram apenas o rastilho que faltava para o incêndio que muitos desejavam, qual pirómanos do alarmismo social.
Vimos de tudo desde então e, mais uma vez, Bolieiro a servir de bombeiro para apagar o fogo, dando ordens para que o seu Vice e o titular da Saúde se afastassem das chamas.
Bolieiro está na posse da boa dose de popularidade que vai recebendo nos barómetros de medição eleitoral, que os partidos têm efectuado a meio desta legislatura e, sabendo que a mesma dose não é atribuída a quase todos os membros do seu elenco, prefere dar o corpo às balas para que os estragos eleitorais sejam menores.
A verdade é que não se livra de mais uma trapalhada provocada pela própria coligação, que se vai habituando a medir mal o pulso de algumas actividades profissionais e até mesmo de uma larga faixa da população, que nunca gostou de conflitos, confusões e instabilidade, conservadora como é desde os primórdios da Autonomia.
A nova trapalhada poderá ser mais uma lição para esta coligação, que não aprende com os erros que comete e vai prejudicando a imagem do governo e do seu líder.
Até parece que os partidos que integram a coligação ainda não perceberam que o combate eleitoral daqui a dois anos vai ser entre José Manuel Bolieiro e Vasco Cordeiro.
O que girar à volta dos dois será apenas ruído e “activos tóxicos”.
Desgastar a imagem dos dois líderes, que é o que têm feito alguns protagonistas de segunda linha, só os prejudica.
Bolieiro, à sua maneira de tradicional apaziguador, característica que já trazia da própria vida pessoal, fez bem em chamar a si o problema dos médicos, mas já foi um pouco tarde e não se livrou dos estragos.
Os médicos conseguiram o que pretendiam e, no que toca ao essencial, que era a manifesta diferença entre o que ganham e o que os seus congéneres recebem no Continente e Madeira, até têm razão.
Mas a coisa descambou, com o aproveitamento de alguns em lançar o alarmismo, a confusão e, pelo meio, umas vingançazinhas, beneficiando  de toda esta fragilidade e tensão.
Há questões graves, de ordem ética ou de outro estilo, que passaram despercebidas e que é preciso apurar, dada a sua gravidade.
Desde logo aquela triste evacuação de um doente para a Terceira, porque, segundo se diz, não havia cirurgiões escalados no HDES.
Não havia mesmo?
E ninguém se prontificou para acorrer ao pobre doente?
Ou havia dois cirurgiões escalados, como é normal, e algum se recusou?
Com que argumentos?
A Inspecção de Saúde já deveria estar a caminho para apurar os factos e se há outras (i)responsabilidades neste triste episódio.
Politicamente, a coligação ficou esborrachada em toda esta trapalhada.
O Presidente do Governo, ao ceder em toda a linha, abriu um precedente altamente perigoso.
Se os chefes de serviço da SATA se rebelarem, Bolieiro vai mandar Berta Cabral ir fazer com eles os horários da companhia?
O pior é se, mesmo apaziguando as tensões, o problema volta a repetir-se, porque as fragilidades não desapareceram.
É que os protagonistas estão todos lá.
Basta acender mais um rastilho.

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MORREU UM SENADOR - Os Grandes Homens que construíram aquilo que a Autonomia Constitucional é hoje vão desaparecendo.
Alvarino Pinheiro era um dos Senadores da política açoriana, a voz do inconformismo político na Região e um dos melhores e mais temidos tribunos do nosso parlamento.
Ficaram célebres as suas tiradas carregadas de humor e ironia, sempre fora da caixa e alérgico ao sistema formal e insonso da política regional.
Nunca virava a cara à luta e respeitava - até retribuindo com amizade - os que discordavam de algumas das suas intervenções.
É mais um talento regional que perdemos, numa região fraca deles na classe política.
Que fique, ao menos,  o seu exemplo.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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