Diário dos Açores

Balanço 2022: Ilha das Flores

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A minha prima Ana Monteiro lançou aos amigos uma provocação: referir o Top 5 de 2022 na ilha das Flores e também os cinco maus momentos do mesmo lapso de tempo. Não podia recusar semelhante desafio porque a Ana é seguramente umas das pessoas que mais admiro e é uma das que mais defende e protege a sua terra. Vamos então a um exercício de memória e aí vão alguns dos melhores momentos:
1 - O aparecimento de novos produtores de legumes biológicos   
Neste momento a ilha dispõe já de uma oferta muito interessante de legumes e outras verduras. Estrangeiros e residentes produzem salada e outros legumes para consumo dos locais. Parece-me fundamental. Vivi nas Flores nos anos 60, sem aviões e sem barcos de carga. A ilha produzia então tudo o que consumia. Neste momento, com o aumento exponencial do turismo, os produtores locais entenderam a necessidade de produzir mais. Parece-me excelente
2 - As comemorações do centenário de Pedro da Silveira que foram da responsabilidade da Câmara Municipal das Lajes, mas que trouxeram à ilha muita gente e deixaram uma investigação muito bem feita, já publicada.   
Vasco Rosa foi o investigador que investigou e compilou parte fundamental da obra do nosso poeta maior. O Instituto Açoriano de cultura, a Direção Regional da cultura e a Câmara das Lajes apoiaram a publicação de algumas obras de poesia reunida, prosa e inéditos. Foi um ano de comemorações diversas. Foi sobretudo o ano de redescobrir o nosso maior poeta nas sua múltiplas facetas e de reabilitar a sua memória na terra que o viu nascer. Cruzaram-se na ilha muitas individualidades e todos crescemos com os eventos realizados.   
3 - Os eventos do Trancador que animaram muitos serões e transformaram aquele bar numa referência para os serões de verão.
A Sandrina e o Júlio Sousa foram uma dupla imaginativa e colocaram essa criatividade ao serviço da população   O Trancador é um bar próximo do porto, nas Lajes. Foi o ponto de encontro de muita gente ao longo deste verão. Tudo ali é pensado ao detalhe. Bom gosto e abertura a tudo o que seja novo, é no Trancador que se podem passar os serões de verão. Nunca há pressa de fechar, o que é raro na ilha.
4 - A abertura de uma loja de segunda mão perto do porto onde agora as pessoas podem colocar aquilo que já não querem para adquirir coisas que precisem.
É um espaço que honra a sustentabilidade e evita o desperdício. As lojas de segunda mão são de grande utilidade porque dão a possibilidade de comprar a baixo preço, mas também porque, quem tenha coisas de que não precisa pode dá-as a conhecer a quem pode precisar. E, do ponto de vista da sustentabilidade, parece-me excelente.
5 - A criação de uma ludoteca na Fazenda das Lajes, ao lado foi iniciativa das mães da Fazenda particularmente as estrangeiras aqui residentes.
O espaço funcionará graças às mulheres da comunidade que darão suporte voluntário a todas as crianças que queiram vir independentemente de serem da Fazenda ou não   A comunidade estrangeira nas Flores é a maior da Região. A ilha atrai pessoas que conheceram outros mundos, que viveram em grandes cidades e conhecem todos os inconvenientes da sociedade de consumo. Encontram aqui, água e terra fértil. Sentem que o paraíso pode ser um lugar assim. São, normalmente, pessoas com formação superior em áreas ligadas ao ambiente. Respeitam a natureza, são cooperantes e só beneficiam a ilha. Trazem novas culturas e novas formas de fazer. Têm filhos o que é, claramente uma vantagem numa ilha que tem pouca gente e onde não se adivinha crescimento populacional. Algumas destas pessoas aprendem português e aqui na Fazenda mostram grande empenho em fazer bem e apresentam grande disponibilidade.     

Passemos então aos pontos negativos
1 - Falta de mão de obra para trabalhar em todas as áreas, mas de forma particular na construção civil.   
Há muitas ruínas e construções decadentes ao longo de toda a ilha. Aparecem muitos interessados em adquiri-las, mas é extremamente difícil encontrar quem as recupere. Podia ser uma excelente base de negócio a constituição de uma empresa capaz de fazer esse trabalho.  Em todos os outros negócios há também dificuldade para encontrar trabalhadores que, sobretudo durante o verão, deem apoio aos estabelecimentos onde se recebem turistas. Continuo a achar que a ilha, podia e devia ter uma escola profissional mesmo com número reduzido de alunos, onde fossem ministrados cursos nas áreas carenciadas.   
2 - A falta de qualidade e quantidade na nossa restauração.
Compreendo as grandes dificuldades inerentes ao serviço de restauração, mas não podemos deixar crescer o turismo se não temos respostas em termos de refeições. Este ano foi, claramente, muito complicado a esse nível. É pena que existam tantos obstáculos e tantas dificuldades para abertura de um espaço que venda comida.  A burocracia está a matar a criatividade e a retirar a energia de quem tem ideias, mas não consegue concretizá-las.
3 - A quantidade enorme de denúncias anónimas feitas em diferentes portais do Governo dos Açores contra pessoas e pequenos investimentos em situação ilegal.
Eu não sou a favor da ilegalidade, mas sou frontalmente contraquem não é capaz de se identificar numa queixa. Não é uma atitude correta da parte de quem acusa e deixa em aberto uma situação que permite que se possa pensar num sem fim de pessoas. A maioria dos visados não tem as suas construções visíveis o que significa que o delator anda por aí à espreita dos erros dos outros o que me merece um veemente repúdio.
4 - A tempestade que voltou a colocar em causa a segurança do porto foi talvez o nosso maior inconveniente, mas, como se percebeu, foi assunto de uns dias e tudo ficou resolvido. Há uma grande tendência para dramatizar e arrastar a discussão sobre este tema. Não vale a pena. As redes sociais podem ser muito interessantes quando bem usadas.  Aulas de engenharia são nas faculdades. Há pessoas que sempre veem o copo meio vazio e alimentam-se da desgraça coletiva. Não é, de todo, a minha energia e a de muitos outros. Todos sabemos que, nesta ilha, nunca se passou fome. Mesmo sem porto e até sem aeroporto. Deixem de olhar apenas o seu umbigo para perceber que alimentar o corpo é mais fácil do que nutrir o ego.
5 - A simpatia não é o nosso forte. Toda a gente sabe. Conheço sítios onde se serve comida muito simples, mas onde tudo é feito com muito amor e lugares onde tudo até é bom e bem feito, mas falta um sorriso, uma atenção. Eu sei que os empresários não podem fazer milagres, mas seria bom repensar tudo isto e, eventualmente, fazer alguma formação em atendimento. É possível e urgente melhorar. Se o turismo for a nossa forma de trazer dinheiro às famílias, que o saibamos fazer com sustentabilidade, qualidade e simpatia.

Gabriela Silva  *

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