Mãos que criam
Diário dos Açores

Mãos que criam

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“Mãos que criam” é um projecto de cariz social cujas peças realizadas pelos seus utentes transportam consigo toda a contemporaneidade e modernidade provindas de pessoas que vivem numa luta diária para adquirir igualdade e aceitação social. "

Viver em sociedade implica a inclusão de todas as pessoas, independentemente da sua classe social, deficiência motora ou incapacidade. Atribuir condições para que esta situação ocorre é um dos principais objectivos do “Mãos que criam”, projecto de valência ocupacional do Serviço de Reabilitação Psicossocial do Instituo São João de Deus, inserido na Casa de Saúde de São Miguel.
Com a pandemia, este projecto viu todo o trabalho dos seus utentes perder-se, dada a incapacidade de escoar os produtos realizados e com eles a vertente produtiva determinante para a auto-estima e criatividade dos seus utentes. É aqui que surge a ideia de recorrer às redes sociais, alternativa que resultou na sua expansão e consequente crescimento.
 Nas últimas semanas as peças criadas encontraram-se focadas na temática natalícia, mas ao longo do ano são criadas novas peças alusivas a outras festividades e ao nosso património regional.
O Diário dos Açores foi conhecer um pouco mais deste projecto que engloba em si o espírito de inclusão social e todo o esforço e dedicação de utentes e colaboradores que todos os lutam para trazer um pouco mais de igualdade ao mundo.

Fale-nos um pouco sobre a CSSM e “Mãos que criam”.
O Instituto de São João de Deus (ISJD) - Casa da Saúde de São Miguel (CSSM) é uma instituição que existe na ilha de São Miguel desde 1 de Agosto de 1928, é desde esta altura que os Irmãos de São João de Deus prestam assistência a pessoas com doença mental e com problemática aditiva aqui na região. À semelhança dos outros Estabelecimentos do Instituto São João de Deus, a Reabilitação Psicossocial é uma prioridade.
Assim, para além da valência Unidades Residenciais (4 unidades), conta com a valência ocupacional, da qual se destacam o Centro Ocupacional Irmão Brás, com as suas actividades produtivas e lúdicas e as actividades ergoterápicas. É neste contexto que surge a “Mãos que criam”. A Reabilitação Psicossocial está presente em toda a nossa actividade, privilegiando a participação dos próprios utentes na elaboração do seu Plano de Intervenção Individual, assim como a motivação para a participação em actividades ocupacionais estruturadas.

Como surgir o conceito para a criação do projecto “Mãos que criam”?
O projecto “Mãos que Criam” já existe há alguns anos no Centro Ocupacional Irmão Brás, sendo o resultado da actividade produtiva que se realiza nos ateliers do tecido, do papel e na olaria.
Antes da pandemia, muitos dos produtos resultantes desta actividade já estavam disponíveis em algum comércio local. Eram peças elaboradoras para os turistas que nos visitavam.
Com a pandemia, todo este trabalho perdeu-se. De um momento para o outro, ficamos sem possibilidade de escoar os produtos resultantes desta actividade ocupacional. Isto obrigou-nos a repensar e reorganizar o nosso trabalho, pois havia a necessidade de manter a actividade ocupacional e, acima de tudo, mantê-la numa vertente produtiva, pois é essa a principal fonte de auto-motivação, criatividade e auto-estima dos nossos utentes/artistas.
Foi assim que começaram a surgir as novas peças, agora já não só a pensar naqueles que nos visitavam vindos de outros locais, mas também a pensar na nossa comunidade.
Em finais de Outubro de 2020 começamos então a divulgar o nosso trabalho, nomeadamente, através da rede social Facebook. É nesta altura que damos a conhecer o projecto “Mãos que Criam”.
Nunca associamos o “Mãos que Criam” ao Instituto São João de Deus - Casa de Saúde São Miguel, pois o nosso objectivo era perceber se as pessoas apreciavam as nossas peças pela sua qualidade e design.
A verdade é que a procura começou a aumentar e, hoje, passados 2 anos, é com grande alegria e satisfação que percebemos que as pessoas nos continuam a procurar porque admiram o nosso trabalho, a sua qualidade, o tipo de peças que desenvolvemos e não por terem sido realizados por pessoas com doença mental. Acreditamos que assim, os utentes sentem o seu trabalho mais valorizado e reconhecido.

“Mãos que Criam” é um projecto da valência ocupacional do serviço de reabilitação psicossocial do Instituto São João de Deus. Quais são os principais objectivos do mesmo?
O principal objectivo é o de realizar um trabalho de manutenção e aquisição de competências com os utentes que ainda não demonstram competências para se reintegrarem na comunidade.
No centro Ocupacional Irmão Brás, queremos proporcionar aos utentes um espaço securizante que lhes permita a realização de diferentes actividades gratificantes.
Além disso também desenvolvemos um conjunto de actividades produtivas com o objectivo de promover a prática pré-laboral que visam facilitar o percurso ocupacional/laboral de pessoas que não reúnam, a curto prazo, as competências necessárias para integrar o mercado de trabalho.

É possível verificar uma variedade de produtos realizados pelos vossos utentes e colaboradores em cerâmica, tapeçaria e em papel. Todo o processo de fabrico e confecção manual é realizado e finalizado pelos mesmos?
Sim, todo o processo desde a sua concepção até ao produto final. Todos os utentes são envolvidos neste processo, de acordo com as suas competências e interesses. Existem diferentes fases neste processo, com diversos graus de dificuldade. O que se pretende é que todos participem e se sintam incluídos neste projecto.

Detêm uma colecção de trabalhos relativos às festividades natalícias. Como tem sido a procura destas peças por parte do público-alvo, nesta época do ano?  
Felizmente a receptividade tem sido bastante positiva, superando em muito o que eram as nossas expectativas. Embora a procura seja efectivamente superior nesta altura do ano, até porque, percebemos que muitos dos produtos adquiridos são para oferecer, também ao longo do ano a procura é constante, isso porque estamos sempre a desenvolver produtos adequados a cada época festiva e produtos transversais a qualquer época.
Para além disso, estamos também agora a enveredar por outra área. Começamos por lançar copos, pratos e em breve lançaremos outras novidades. Julgamos que esta poderá também ser uma área de grande sucesso, a avaliar já pela procura que temos tido destes produtos, inclusive por unidades hoteleiras, e pela apreciação que tem vindo a ser feita por todos aqueles que acompanham o nosso trabalho

É possível constatar uma combinação do tradicional com a modernidade nos trabalhos realizados pelos vossos utentes. Qual a inspiração para a realização destes trabalhos?
A inspiração parte da criatividade dos nossos utentes e colaboradores. Felizmente temos uma equipa comprometida, dedicada e atenta aos desafios que vão sendo lançados pelos nossos seguidores. Há peças que nasceram de propostas e anseios dos nossos clientes.
Além disso, o projecto “Mãos que Criam” tem também a particularidade poder dar resposta a pedidos dos clientes, nomeadamente para a criação de peças ou personalização dos nossos produtos de acordo com o solicitado pelo cliente. Isso acontece, seja na área a olaria, seja na área do tecido ou papel.

As vossas peças apenas podem ser encomendas online ou já podemos encontrá-las à venda em algum espaço físico?
Estamos presentes nas redes sociais Facebook e Instagram (maosquecriam.cssm), onde podem entrar em contacto connosco, mas também é possível adquirirem os nossos produtos na Casa de Saúde São Miguel.
Dada a evolução positiva do projecto, estamos a trabalhar no sentido de em breve podermos ter um site, para que todo este processo de visualização e aquisição dos produtos seja realizado em melhores condições e de uma forma mais célere.

A criação de projectos como “Mãos que criam” é um passo importante para a inserção e inclusão de pessoas em sociedade. Como podemos contribuir para que este processo seja realizado, não apenas por instituições ou projectos de cariz social, mas também por nós enquanto elementos activos da sociedade?
O Projecto Mãos que Criam é mais um dos diversos projectos que já existem na nossa comunidade, efectivamente distingue-se pela beleza e singularidade das suas peças.
No entanto, enquanto cidadãos todos temos a responsabilidade de acarinhar este tipo de projectos e participar nos mesmos, quer seja através da aquisição das peças ou mesmo participando por exemplo connosco nos nossos ateliês através de projecto de voluntariado. Por outro lado também é importante dar oportunidade às pessoas com doença mental, promovendo a sua inclusão na sociedade e permitindo que vivam de forma digna.  

Finalizada agora, a época considerada por muitas pessoas como a mais mágica do ano, o que representa o Natal para a instituição? E qual a vossa memória preferida?
Para nós e para os nossos utentes e colaboradores, o Natal é sempre uma época muito especial e tentamos recriar aqui na nossa Casa todas as vivências como se estivéssemos nos nossos lares, mantendo todas as tradições deste a ceia de Natal, as prendas, os chocolates.
O momento mais bonito, é sem dúvida as festas de Natal que realizamos nas unidades, com a abertura das prendas, o convívio entre todos, se existe espírito de Natal, é certamente o que experienciamos nestes dias. Sente-se uma solidariedade entre todos.

Quais são as vossas expectativas para o futuro?
As nossas expectativas são a de manter o sucesso deste projecto. O nosso maior desejo é que outras pessoas, nomeadamente com doença mental ou outras, possam experimentar este trabalho e sentir satisfação e reconhecimento pela realização do mesmo.
Muitas das pessoas que estão incluídas neste projecto nunca tinham realizado este tipo de trabalho e isto fez com que percebessem que possuíam outras competências. A maior alegria é percebermos que efectivamente contribuímos para a melhoria da qualidade de vida daqueles que estão a usufruir deste projecto e vê-los satisfeitos com o trabalho que realizam e com o reconhecimento que obtêm.
Queremos continuar a ver este projecto crescer e, quem sabe, poder levá-lo a outras localidades, para que mais pessoas possam beneficiar dele, quer como beneficiários directos quer indirectos.

por AnaCatarina Rosa *

*jornal@diariodosacores.pt

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