Diário dos Açores

Casas divididas...

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Deixaram-me horrorizado as imagens, transmitidas em directo pela televisão, dos graves distúrbios ocorridos no Domingo passado em Brasília. Já tinha acontecido o mesmo quando foi do assalto ao Capitólio dos Estados Unidos, há dois anos atrás.
Conheço bem os dois edifícios sedes do Poder Legislativo de ambos os grandes países do Continente Americano e guardo deles felizes recordações. Fui lá recebido em visitas oficiais e passei por vários dos locais, agora vandalizados por energúmenos, quando ostentavam intacto todo o esplendor que os seus sucessivos responsáveis lhes foram imprimindo ao longo do tempo.
No Senado de Brasília, a Sala das Sessões  foi desenhada pelos arquitectos como um guarda-jóias, na convicção de que ali viriam a ter assento os melhores cidadãos do Brasil, empenhados na promoção dos interesses do País e de todos os brasileiros. Ontem pude vê-la, com grande pesar, desfigurada e semi-destruída, com um dos insurrectos sentado na cátedra presidencial, a escrevinhar num papel inanidades, que mostrou para ser filmado pelos telemóveis presentes, mas que não consegui decifrar.
A multidão, beneficiando de incentivos e de cumplicidades várias, venceu facilmente as barreiras policiais e avançou contra as sedes dos Três Poderes do Estado, instalados em edifícios próximos uns dos outros, de configuração futurista, saídos da capacidade criativa da equipa chefiada por Óscar Niemeyer. A gravidade das depredações é grande, mas ainda é maior o prejuízo causado á credibilidade das instituições democráticas no maior país da América do Sul, farol das democracias dos países seus vizinhos.
O mesmo já se tinha comprovado nos Estados Unidos, com os lamentáveis acontecimentos do Dia de Reis de há dois anos: há uma parte dos cidadãos, e chegam no seu conjunto a quase metade da população total, que não acata o resultado das eleições que lhe não seja favorável! E no meio destes inconformados há grupos disponíveis para entrar em acção directa, atacando, destruindo e até matando quem quer que se lhes oponha, por mais que isso afronte as regras democráticas normais e vigentes. Numa situação destas o funcionamento da democracia está ameaçado e o caminho fica aberto para as soluções autoritárias, cujos nefandos resultados bem conhecemos.
Não pode deixar de causar sérias preocupações, aos democratas de todo o Mundo, que dois dos maiores países, num continente com realizações presentes correspondentes aos seus desafios e com um grande futuro à sua frente, surjam de repente ameaçados pela possível subversão das suas instituições democráticas. Porque não se trata de uma questão de somenos, que é lá com eles e não nos diz respeito nem nos pode afectar...  O indesejável colapso democrático em qualquer deles terá um efeito devastador, do qual nem sequer as consolidadas democracias europeias ficarão isentas.
Porque também por cá vão aparecendo sintomas preocupantes da dificuldade das instituições democráticas em lidar com os novos problemas, sejam eles a imigração, a precariedade do emprego, o desemprego dos jovens, a falta de habitação, o tráfico de drogas ou outros quaisquer. E as populações envelhecidas tendem a fechar-se sobre si próprias e a reclamar segurança, venha ela donde vier. Quando se vêem as imagens dos motins e desordens nas ruas das grandes cidades europeias, logo se percebe o crescimento das votações dos partidos populistas e extremistas, cada vez mais próximos de chegar ao poder, em vários países até já nele participando, com mais ou menos força.
Todo o reino dividido contra si mesmo não pode subsistir; e toda a cidade ou casa dividida acabará por cair - é o que, por estas palavras ou por outras com o mesmo sentido, nos ensina a sabedoria antiga. Por mim sempre tal lembrei aos que comigo trabalhavam, nos tempos áureos da fundação da Autonomia Constitucional dos Açores,  dizendo-lhes que bem poderíamos com quaisquer adversários de fora, mas a queda seria irremediável se nos dividíssemos entre nós!  
Convém portanto apurar os modos práticos de superar as divisões existentes, mediante um diálogo aberto e eficaz entre os defensores dos pontos de vista divergentes. Porque tem de haver maneiras de enfrentar os problemas susceptíveis de gerar consenso e de unir boas vontades e esforços. Erguer barreiras intransponíveis é fácil, talvez; mas é muito melhor construir pontes, que juntem os que estão em margens separadas. E isso vale também para a nossa pequena casa lusitana e até para as nossas ilhas de bruma!

João Bosco Mota Amaral*
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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