Diário dos Açores

Metidos num buraco

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A quadra de Natal e os sarilhos vividos por estes dias na República têm feito esquecer um pouco a crise económica, com fortes reflexos que se vão estender neste primeiro trimestre, desconhecendo-se até onde poderá ir.
Uma coisa é certa: a situação vai agravar-se já nos próximos meses devido, também, à subida do tarifário da electricidade, sobretudo nos sectores do comércio, indústria e agricultura, cujos efeitos se vão reflectir nos produtos finais, ou seja no consumidor.
Tem-se falado muito da inflação média na região (6,45%), que está abaixo da nacional (9,94%), em Novembro (a de Dezembro deve ser publicada hoje pelo SREA), mas ninguém tem falado da inflação dos bens alimentares, esta sim, que disparou nos últimos doze meses para valores nunca vistos na nossa região nos últimos anos: 16,75%!
Foi um salto vertiginoso, considerando que no início deste ano a inflação dos produtos alimentares situava-se nos 1,13%.
Já estamos acima da média da inflação dos produtos alimentares nos países da OCDE (16,1%), que acelerou, também, em 33 dos 38 países membros.
Os preços dos alimentos estão a galopar há quase um ano, mesmo ainda antes da crise inflacionária, e já estamos em terceiro lugar dos países onde a inflação dos alimentos sobe mais do que a inflação geral.
Este cenário é para vincar o enorme problema que estamos a enfrentar nos Açores, especialmente as famílias mais desprotegidas, sabendo-se que é na nossa região que se encontra o maior número de famílias pobres ou no limiar da pobreza.
É que estas famílias podem dispensar tudo, mas não os bens alimentares.
É aqui que se tem de atacar, também, o problema. Não admira que mais crianças estejam a recorrer à acção social escolar, porque é nas cantinas que poderão ter uma refeição quente que não têm em casa.
O problema é tão grave que já atinge mesmo famílias da dita classe média. E não são franjas. São várias famílias, com rendimentos próprios, mas que já não conseguem cobrir as despesas de casa durante o mês.
É só perguntar à Cáritas, Banco Alimentar, Santas Casas e outras instituições, onde algumas delas mais do que duplicaram o socorro a famílias açorianas.
É neste contexto que, há cerca de duas semanas, sugerimos aqui a eliminação do IVA dos bens essenciais, à semelhança do que fez o governo espanhol no dia 27 de Dezembro, retirando o IVA de alimentos básicos como o pão, leite, queijo, ovos, fruta, legumes, leguminosas, batatas e cereais.
Outros produtos, como as massas e azeite, viram o IVA reduzido para metade.
O governo português já devia ter feito o mesmo e até evitava a debandada das populações fronteiriças, que já se estão a abastecer em Espanha.
Mas como António Costa está mais preocupado em encher os cofres à custa da inflação e, agora, sem tempo para governar, tal correria são os escândalos internos quase todas as semanas, o mais certo é que vão continuar a “estudar” as medidas a tomar.
Por cá vamos pelo mesmo caminho, com o governo da coligação a demonstrar a sua habitual lentidão e falta de criatividade na acção, sentado à espera das medidas nacionais.
Só na sexta-feira passada é que deu um ar da sua graça, ao apoiar a eliminação do IVA, mas a ideia nem foi avançada pelo governo regional, mas sim pela UGT, no Conselho Permanente da Concertação Social.
Não se percebe a lentidão deste governo em actuar diferente e com maior rapidez no atacar os problemas.
É um padrão que se começa a instalar na governação regional, espalhando-se por todos os sectores. Não faltam medidas anunciadas, até mais do que uma vez, mas passado tanto tempo não se conhece nenhuma orientação ou algo em concreto.
O que se passou nos últimos dias com o caso da ATA é de bradar aos céus e só vem reforçar a tese da paralisia governamental em sectores de actividade essenciais para as nossas vidas.
Desde 7 de Maio que o Governo de Bolieiro reuniu com a Direcção da ATA e foi a própria Secretaria do Turismo que veio dizer à população, em comunicado divulgado pelo seu portal, que “o futuro da associação e a implementação de um novo modelo organizacional foi um dos temas debatidos no decorrer da sessão, reunindo um amplo consenso sobre os fundamentos do rumo a seguir e firmando o compromisso para um aprofundamento da relação colaborativa na construção de uma solução”.
Ora, passaram-se 8 meses e só agora é que o governo se lembrou que existem condições a impor para entrar na ATA?!
Então onde está o tal “amplo consenso” e a “construção de uma solução”?
O que é que andaram a fazer durante este tempo todo, se sabiam que a promoção turística já devia estar a arrancar para o próximo Verão IATA, que é já daqui a dois meses?
Este é apenas um dos exemplos crassos da lentidão da governação, para não falar, também, do sistema de incentivos aos investimentos (cuja demora é outra vergonha).
Outro exemplo é o problema do aumento das taxas de juro no crédito à habitação, em que o governo já manifestou a sua preocupação por mais de uma vez, mas sem anunciar nenhuma medida em concreto.
Enquanto vamos apanhando bonés, a Madeira já implementou o seu programa de ajuda às famílias no crédito à habitação, com o programa “Reequilibrar”, atribuindo entre 25 e 200 euros a quem necessita.
Era bom que algumas secretarias regionais se mexessem mais depressa, porque o Natal já passou há muito tempo, e se reunissem com a banca para avaliar a dimensão do problema que temos entre mãos.
São aos milhares os casais jovens que se dirigirem à banca açoriana, nas últimas semanas, para renegociar os seus créditos e a maioria recebeu como resposta que “não estão abrangidos” pelo decreto-lei que obriga os bancos à renegociação.
A ganância da banca é de tal ordem, que já não atende, como antigamente, ao problema das famílias clientes. Para eles são todos números. Não são pessoas em dificuldades. São um decreto-lei!
Não admira que na vasta carteira da banca estejam centenas de edifícios em ruínas, fruto de hipotecas mal feitas, porque sabem que, quando estiverem em dificuldades, somos nós, cidadãos contribuintes, que vamos ajudar os senhores da banca, porque os senhores políticos, seus amigos, têm muito medo do papão chamado “risco sistémico”.
O “risco sistémico” passa automaticamente para as famílias e essas não têm nenhum Fundo de Resolução para enterrar 8 mil milhões de euros, como já se fez no buraco do processo BES/Novo Banco.
O sinal mais escandaloso da ganância da banca portuguesa está estampado no valor das taxas dos depósitos: subiram rapidamente as taxas dos créditos e fizeram-se esquecidos nas dos depósitos.
A taxa de juro média dos depósitos na zona euro anda à volta dos 1,12%, três vezes mais do que a média miserável da banca portuguesa.
Os Certificados de Aforro já valem dez vezes mais do que os depósitos (!), coisa nunca vista no nosso país.
É à volta deste cenário sombrio e quase negro que se inicia este novo ano para muitas famílias açorianas.
Sem medidas adequadas e rápidas que possam, pelo menos, atenuar um pouco a tempestade que se avizinha, não tenhamos dúvidas que vamos mergulhar, ainda mais, num enorme buraco.
E quando lá cairmos todos, não haverá político, por mais talentoso que seja, que nos salve da agonia.
Portanto, mexam-se!

                                                       ****

GARROTE ÀS AUTONOMIAS - Já tinha dito que os governos de António Costa são os piores que alguma vez tivemos em relação às Autonomias Regionais.
São inúmeros os casos que nos têm criado dificuldades, mentiras e um rol de promessas por cumprir.
Agora, como se não bastasse, a senhora ministra do Ensino Superior vem anunciar a redução do contingente dos Açores e da Madeira no acesso ao Ensino Superior, dos actuais 3,5% para apenas 2%.
Assim mesmo, sem mais nenhuma explicação e sem ouvir as duas regiões e as suas instituições.
O garrote já não se faz apenas pela via financeira e pela ausência de apoios às empresas como decretaram para o continente, numa discriminação vergonhosa em relação aos dois arquipélagos, faz-se também por via do garrote no acesso
à educação, à semelhança dos tempos da outra senhora.
Razão tinha Vasco Cordeiro quando, em 2016, alertou os açorianos para estarem “sempre vigilantes e prontos; vigilantes e prontos face aos autonomistas de fachada de cá e vigilantes e prontos face aos anti-autonomistas confessos de lá, defendendo, intransigentemente, a nossa capacidade e o nosso direito de sermos nós, açorianos, os senhores do nosso destino”.
Continuemos vigilantes!

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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