Diário dos Açores

O buraco alarga-se!

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Faz hoje exactamente 5 anos que escrevi o que se segue:
“Há sinais preocupantes de falta de estímulo económico na nossa  região.
Desde há alguns anos que o investimento público é nulo, as execuções orçamentais são baixíssimas e a formação bruta de capital  fixo é quase inexistente.
Não fosse o crescimento do turismo - que, como alguém já disse,  não decorreu do estímulo público, mas de uma conjuntura iniciada  pela entrada das operadoras low cost -, e a economia açoriana estaria estagnadíssima.
A nossa balança comercial é um desastre, com a região a importar cinco vezes o volume do exportado.
Não produzimos riqueza, temos os piores indicadores de pobreza (mais de 18 mil beneficiários do Rendimento Social de Inserção  e 14 mil desempregados e ocupados), o plano sobre as Ilhas de Coesão foi um fracasso, criamos uma “galáxia” de funcionalismo público e temos 13 empresas públicas e 62 serviços e fundos autónomos  que engolem mais do que toda a receita da tesouraria pública.
Com um cenário destes, onde é que vamos parar?
A região já nem consegue despender dinheiro para aumentar  o capital das empresas públicas tecnicamente falidas, entregando  apenas património, como é o caso da Sinaga e da Lotaçor, que apenas vão receber imóveis.
Temos uma dívida pública elevadíssima para a nossa dimensão, numa trajectória sempre crescente (cerca de 1.800 milhões de  euros), um atraso inconcebível no pagamento a fornecedores e uma  responsabilidade futura decorrente das parcerias público privadas  que já ultrapassa os 600 milhões de euros.
Se somarmos a dívida do sector público regional com as responsabilidades futuras, atingimos o número astronómico de mais de  2 mil milhões de euros, não contabilizando a totalidade dos compromissos com juros e outros encargos decorrentes da dívida, que  só no sector público administrativo é de mais de 62 milhões de  euros.
Só os três hospitais da região devem quase 900 milhões de euros,  o mesmo valor que temos em responsabilidades assumidas através  de avales concedidos às empresas públicas (em 2016 foram mais  15 avales no valor de 235 milhões de euros) e as famosas cartas de  conforto (mais 16 no valor de 50 milhões de euros).
 A SATA, outra tecnicamente falida, deve 222 milhões de euros  e anda à procura de novo dono para 49% do seu capital, fruto de  outro fracasso de gestão ao longo destes anos.
As renegociações da dívida das empresas públicas estão a ser  feitas com ‘spreads’ altíssimos, que nenhuma empresa privada  negoceia, e a banca até já exige, escrito nos contratos de empréstimos, que não se altere a estrutura acionista das empresas, porque  preferem a ‘maminha’ pública para o resto da vida.
A rede de dependência pública, por estas ilhas fora, é uma coisa  impensável noutro lugar do mundo, com uma população a envelhecer a galope, jovens a emigrar, 10 mil doentes à espera de uma  cirurgia e milhares de famílias sem médico de família.
Nos últimos 15 anos, de 2002 a 2016, construíram-se mais 12  hotéis de 4 ou 5 estrelas e mais 83 unidades de alojamento local...  e apenas 6 lares de idosos.
Isto diz bem de como estamos a tratar os que vêm de fora e os  que estão cá dentro.
É de temer que as receitas da região estão a servir apenas para  pagar salários a toda esta máquina pública brutal, juros de dívidas  e ainda crescem uns trocos para manter em funcionamento a principal riqueza dos Açores, que é a “indústria extractiva do subsídio”,  base essencial de um eleitorado conformado.
Perante um cenário desta natureza, o histórico socialista açoriano, Jaime Gama, perguntava, há pouco tempo, se “uma sociedade  hegemonizada pela esfera pública será uma economia livre, apta  a gerar uma sociedade mais livre e mais responsável ou leva a uma  sociedade mais conformada?”.
Acho que cada açoriano saberá a resposta”.

Passaram-se 5 anos e a única coisa que mudou foi a diminuição de beneficiários do RSI, menos desempregados e diminuição da lista de espera para cirurgias.
O resto não só se mantém como está ainda pior.
De finanças públicas, então, nem se fala.
Está tudo rapado e o Conselho das Finanças Públicas veio agora, também, alertar para a trajectória perigosa da nossa dívida.
Já vem tarde. O Tribunal de Contas fala disso há quase uma década.
O que vem por aí abaixo não melhora muito o estado da nossa pobreza.
A demora no pagamento a fornecedores está novamente a aumentar, o investimento público está de rastos, já nem conseguimos pôr de pé uma promoção turística a tempo e horas, há lentidão em todas as decisões deste governo, reage por pressão ou empurrão, como aconteceu com os médicos e na escola de Vila Franca, anuncia programas para aplicar daqui a três meses quando a casa já está a arder desde o ano passado, inventa obrigações de serviço público quando os 9 milhões previstos no Orçamento de Estado nem dão para pagar as que já existem, não há um sistema de incentivos ao investimento e até se embrulha em trapalhadas com projectos futuros, como é o malfadado cabo submarino...
Isto vai acabar mal. Quando o interesse dos Açores está a ser ultrapassado por interesses de clientela partidária ou de ilha, o mais certo é mergulharmos no tal buraco que previa na crónica da semana passada.
Não há maneira de aprenderem com os erros do passado e os mais recentes.
Daqui a 5 anos voltamos a falar.
Ou talvez mais cedo do que isso.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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