“A música era ouvida através de uma telefonia, objecto esse que promovia a união”.
Diário dos Açores

“A música era ouvida através de uma telefonia, objecto esse que promovia a união”.

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A micaelense Carlota Barros desde cedo demonstrou uma grande paixão pela música, paixão, esta compartilhada pela família e que a acompanhou até aos dias de hoje. Licenciada em Direito e residindo actualmente em Paris, a verdade é que durante alguns anos esta paixão acabou por ficar para segundo plano, embora continuasse a dedicar-se a compor músicas.
Porém, foi através de um desafio de um amigo que a sua vida viria a mudar e afluiria no culminar do reacender da chama pela musicalidade novamente. Assim nasce o grupo musical Telefonia, banda composta por Carlota Barros e mais cinco amigos que decidiram transformar um sonho em realidade com o lançando um primeiro álbum.
O Diário dos Açores esteve à conversa com Carlota para conhecer um pouco mais sobre este projecto na qual a sonoridade direcciona-nos para um passado cuja elegância e som prometem recriar novas memórias transportadas por uma “telefonia” adaptada à nossa actualidade.
Quem é a Carlota Barros?
Tenho alguma dificuldade em responder a essa questão. Dentro de mim, existem tantos “eu”, e nós humanos estamos sempre, todos, em constante mudança. Eu sinto isso muito presente em mim. E que assim seja sempre: em constante mudança.
Acredito ser uma pessoa sensível e inquieta. Não gosto de estar sem fazer nada por muito tempo e por ter vários interesses acabo por me envolver em várias actividades / projectos/ trabalhos ao mesmo tempo. Gosto e preciso mudar a rotina. Preciso dela, mas vou arranjando rotinas diferentes, vidas diferentes, para também me manter motivada.
Neste momento trabalho num banco em Paris, estive anteriormente no Luxemburgo e na Suíça, em Genebra, e ao mesmo tempo faço parte de um projecto musical em Portugal. Não me arrependo de nada. Amo Portugal com todas as forças, preciso do nosso país, no entanto, emigrar foi a melhor decisão que tomei.
Cresci, enriqueci, evolui nas línguas estrangeiras, tornei-me mais independente e passei a valorizar ainda mais o meu país e a minha família.
Como dizia Saramago “É preciso sair da ilha para ver a ilha”. Se e quando a música assim o exigir, voltarei, claro.

Como surgiu a paixão pela música na sua vida?
Gosto muito de música antes de me lembrar de gostar de mim. Sinto-a presente desde sempre, desde as primeiras memórias.
A minha família é muito musical, a minha avó sonhava ser fadista. Dentro de casa, ao crescer, a música sempre fez parte. Eu tinha bom ouvido e era muito afinada. A minha mãe depressa detectou isso e colocou-me em aulas de piano. Cresci com um tio nascido e crescido no Brasil que tocava piano e guitarra todas as manhãs. Uma inspiração. Eu ia para o piano e, de ouvido, reproduzia as melodias que ele e a minha tia tocavam.
As minhas influências e paixão pela Música Popular Brasileira (MPB), bossa nova, vêm provavelmente daí, onde experimentei desde cedo ouvir os grandes nomes da música brasileira como Vinicius de Moraes, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, entre outros. Existem cassetes comigo a saltar para cima de uma mesa e cantar os parabéns, afinadíssima. Gostava muito de cantar, sempre gostei, e na verdade era bem mais confiante em criança e adolescente.
Componho desde os 12 anos, gostava muito de escrever também. Dei o primeiro concerto no Teatro Micaelense, voz e guitarra, mostrando pela primeira vez uma composição original, num grande evento de música e dança em que participou o liceu Antero de Quental e lembro-me de não estar nervosa.
Fui ganhando alguma insegurança, talvez por ter colocado a música um pouco de parte para me dedicar ao direito. Esta insegurança, abraço-a e trabalho-a. No final do dia a pergunta que me faço é se isto me dá prazer, e da. E penso que é por aí. Fazer o que gostamos. O público sente isso.

É vocalista da Banda Telefonia. Como surgiu este projecto?
Parece que este projecto na verdade sempre existiu, dentro de nós. O Bruno Teixeira, um dos guitarristas e também um dos compositores, ligou-me um dia a propor que tentássemos um projecto mais sério. Reunirmos as nossas melhores canções, em conjunto com as do Rui Mateus, contrabaixista, que também compunha, e com o Bruno Poeira, percussionista, gravar uma boa maqueta para enviar às editoras.
Nós compomos há muitos anos e sempre fomos partilhando as nossas canções entre os três. Tínhamos tentado, eu e o Bruno, outro projecto há uns anos que depois acabou por não ir para a frente. Comprometemo-nos todos, inicialmente 4, Bruno Teixeira (guitarrista), Bruno Poeira (percussão), Rui Mateus (contrabaixo) e eu (vocalista), e depois os restantes dois membros, indispensáveis para que isto fosse possível, Nuno Cunha (segunda guitarra) e Miguel Catalao ( nos sopros, e quem nos produziu a maqueta para enviar para as editoras), a ir com este projecto até ao fim.

O porquê do nome “Telefonia”?
Porque a telefonia era onde se ouvia a música antigamente e as nossas canções remontam também, um pouco, a esse antigamente, dos tempos em que a música era ouvida através de uma telefonia, objecto esse que promovia a união, proporcionando momentos de música, alegria, e nos ligava um pouco mais ao restante mundo.
É isso que pretendemos com a nossa música, que, para nós e penso que para quem nos ouve, nos traz sentimentos de nostalgia e saudosismo, nos leva a um outro tempo que recordamos com saudade, e a memórias como o nosso primeiro baile ou a primeira viagem a Paris, ou um primeiro grande amor, ou as histórias de encantar que nos eram contadas em criança. E também uma forma de homenagear Carlos Paião, autor da canção Telefonia:
“Eu quero ter a companhia
Da novidade musical
Bom humor, simpatia
Uma ou outra afonia (...)
Telefonia nas ondas do ar”
 
O vosso trabalho apresenta composições compostas por si e outros elementos da banda. Como foi conciliar as mesmas no vosso álbum?
Não foi difícil. Somos todos admiradores do trabalho uns dos outros, partilhamos ideias e contribuímos muitas vezes nas canções uns dos outros, na letra, no arranjo. Penso que o facto de termos estilos musicais em comum, a mesma “visão musical” e admirarmos muitos artistas em comum também ajude.
Na minha opinião, foi uma mais-valia o álbum conter composições de três compositores diferentes, e contamos incluir ou no próximo álbum que já está a ser pensado, composições do Miguel Catalao (sopros), do Nuno Cunha (guitarrista) e do Bruno Poeira (percussão).
Penso que essa partilha flui. O difícil é escolher entre tantas canções que já temos, aquelas que queremos incluir, quais fazem sentido, e procurar criar um álbum coerente. Fazemos essa selecção em conjunto e a pensar no que faz sentido trazer para este projecto.

A Carlota foi a compositora mais jovem da Sociedade Portuguesa de Autores. O que a inspira nas suas composições?
Sem dúvida o amor. É um cliché, mas é o que é. Escrevo mais sobre mim e mais em momentos de maior tristeza. Tudo clichés, mas é a verdade.
Neste momento tenho estado a rever poemas e textos meus antigos porque, curiosamente, nos textos e poemas tenho mais facilidade em inspirar-me nos outros, na vida que me rodeia. E tenho estado a seleccionar alguns que me fazem sentido musicar. Consideramo-nos contadores de histórias, mas é verdade que o Bruno (Teixeira) e o Mateus são mais contadores de histórias do que eu.
Por norma, as minhas canções têm mais de mim, enquanto pessoa. Ainda assim, uma das nossas canções favoritas (do grupo) por maioria é a Dona Rosa, que foi composta por mim e veio de uma história que escrevi há uns anos, inspirada na minha vizinha de cima, quando morei num pequeno bairro lisboeta. O Bruno Teixeira acrescentou o refrão que faltava e que fez toda a diferença e assim se criou a canção “Dona Rosa”.

Detém uma licenciatura em Direito. É fácil conciliar a sua carreira profissional com a musical?
Não. De todo. Tem sido muito cansativo e há dias que não me apetece viajar de avião, mas assim que piso o palco, ou a sala de ensaios e começo a cantar, vale tudo a pena. Eu sempre gostei do difícil, gosto de me desafiar, de me envolver em vários projectos e sentir que consigo dar conta de tudo. É isso que me dá vida.
O Direito permite-me exercer uma profissão que me paga as contas, permitiu-me emigrar e melhorar a qualidade de vida. Gostei muito do curso mas nunca o quis exercer.
Na verdade, estou neste momento no sector bancário e não na área do direito, mas foi esse curso que me abriu portas e me permitiu estar hoje onde estou, e até, investir na música. Costumo dizer que foi direito, mas por linhas tortas. Não é um grande amor, mas foi também um amor, à sua maneira.

Neste momento encontram-se a promover o vosso trabalho com o lançamento do tema “Talvez se eu fosse Marilyn”. Como o vosso trabalho tem sido recebido pelo público-alvo?
 Superou as nossas expectativas, sentimos que quem ouve o álbum genuinamente aprecia. As crianças vibram com a “Talvez se eu fosse Marilyn”. Penso que algumas canções ficam muito no ouvido. Tem sido um caminho muito bonito e que eu ansiava também viver.
Estamos ansiosos por começar os concertos, vamos ter os primeiros concertos a solo em Março e temos alguns já semi negociados para o Verão, em Lisboa.
Vamos também fazer o lançamento do CD nas FNAC estamos a aguardar as datas por parte da nossa editora. Iremos tudo divulgar na altura certa na nossa página de instagram “Os Telefonia”.

Quais as vossas expectativas para o futuro?
Penso que todos diríamos em uníssono, fazer concertos. Estamos desejosos de começar os concertos.
Penso que não dou novidade a ninguém que, na televisão, a maior parte das coisas que vemos são em Playback. E por mais que adore a canção de Carlos Paião, não é assim tão enriquecedor fazê-lo ao vivo.
Um cantor quer cantar, um músico quer tocar. As coisas ao vivo são completamente diferentes, reais. Nada substitui isso. Quando tocamos ao vivo, a nossa sonoridade é muito mais jazz do que se ouve no álbum e aprecio muito isso.
Na verdade eu gostaria de um segundo álbum todo gravado ao vivo. Gosto pouco de máquinas embora reconheça que precisamos delas. Para mim o som real, do momento, ainda que possa ter imperfeições, é insubstituível.
Sonhamos também gravar o segundo álbum. É maravilhosa a fase da produção e gravação de um álbum. Gosto muito do trabalho de estúdio.
A nível pessoal, é um sonho poder um dia voltar a pisar o palco do teatro micaelense, e gostava muito de participar no festival da canção, sendo eu uma alma antiga, o festival está no meu imaginário também. Só lamento já não ser como antigamente, com uma orquestra a acompanhar. Todos os anos envio uma canção, quem sabe um dia!

por Ana Catarina Rosa *

*jornal@diariodosacores.pt

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