Diário dos Açores

“Grupo Voz da Saudade”

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Tive notícias do “Grupo Voz da Saudade” desde a sua formação, em 1998, dado que alguns dos meus familiares, residentes no Canadá, eram seus membros, embora pouco soubesse do projeto em si. Só em 2000 tive oportunidade de me inteirar dos objetivos, porque nesse ano fui às Festas da Praia da Vitória, em que o Grupo, na altura em digressão pelas Ilhas, realizou um concerto. Logo que soube da sua chegada à Terceira, procurei os meus familiares e contactei com o António Fernando Ázera da Silva, principal responsável, e fui-me inteirando do seu projeto.
Efetivamente, logo nos testes de som e, principalmente à noite, no espetáculo, vi com toda a clareza que o Grupo tinha como projeto “cantar a emigração”, com um reportório original, letras e músicas do seu principal responsável, o António Fernando, descrevendo a vida da nossa imigração, em especial no Canadá, nas horas felizes e nos momentos de dificuldades e sofrimento. As letras das canções davam uma panorâmica bastante completa do que é ser emigrante, viver em terra estranha e experimentar uma dupla e premente necessidade; por um lado, de se integrar o melhor possível no país de acolhimento e, por outro, de querer manter-se fiel às raízes culturais portuguesas, isto é, de ser um português no mundo.
Com o andar do tempo, as notícias que me chegavam do grupo foram rareando e acabaram por desaparecer, até que há uns meses recebi um e-mail do Onésimo Teotónio de Almeida a perguntar-me se o nome António Fernando Ázera da Silva me dizia alguma coisa. Respondi que sim, que o António Fernando era natural da Praia da Vitória como eu, que nos tínhamos cruzado no Seminário Padre Damião, ele no primeiro e eu no sexto ano, e que o tinha acompanhado durante algum tempo depois da sua ida para o Canadá. A razão da pergunta consistia num pedido do António Fernando ao Onésimo de um prefácio para um livro.
Em outubro passado, avisaram-me do lançamento da obra na Praia da Vitória (cf. https://www.youtube.com/watch?v=N8CQZaHyi-Y&t=1449s). Consegui entrar em contacto com o António Fernando, que teve a amabilidade de me enviar um exemplar com uma dedicatória que o pudor me impede de transcrever aqui. Li o livro de ponta aponta e resolvi escrever sobre ele.
O título da obra é Grupo Voz da Saudade. A sua História e a sua mensagem. Trata-se de uma edição de autor publicada em julho de 2022 e que pode ser procurada no Museu da Emigração Açoriana ou na Associação dos Emigrantes Açorianos. Conta a história do Grupo: o modo como surgiu, a sua composição, as diversas dificuldades, os contratempos e êxitos que fizeram a sua história. Está organizado cronologicamente, o que facilita a leitura.
Não sou perito em questões de emigração e da nossa diáspora, embora o fenómeno faça parte da história da minha família: três tios e dois irmãos meus emigraram, uns para o Brasil, outros para os Estados Unidos e um, em 1977, para o Canadá. Portanto, sobre a emigração e a diáspora sei o que ouvi e vivi na família, e o que fui lendo ao longo da vida. Apreciei imenso o livro do António Fernando Ázera da Silva e concordo inteiramente com o que o Onésimo, profundíssimo conhecedor da nossa diáspora, diz no prefácio que escreveu para o livro, a que deu o significativo título “Um Aplauso em Prefácio”. Cito um parágrafo: “Território escorregadio por potencialmente descambar em auto-elogio (ou podendo ser tomado como tal), este livro impondo-se como documento valioso pois constitui uma imensa e altamente minuciosa recolha e dados sobre o referido grupo, em sequência cronológica, oferecendo assim ao leitor uma panorâmica sobre o que foi a sua atividade, mas fornecendo ao mesmo tempo uma miríade de informações sobre a comunidade portuguesa onde surgiu. Com efeito, a leitura atenta da narrativa bem como a visualização do manancial fotográfico que a ilustra permitem ao leitor um acesso privilegiado ao complexo labirinto do processo de integração e assimilação de um grupo étnico português no Canadá especificamente na sua parte francesa, o Québec. O livro surge como uma oferta em bandeja de notável material para um case study, não apenas de sobrevivência e perseverança cultural num país de acolhimento, mas, mais do que isso, de afirmação e crescimento num espaço que, apesar de toda a ideologia multirracial aí vigente, deixa escapar as suas manifestações de xenofobia”.
Esta citação diz tudo sobre o interesse do livro e é da autoria de alguém imensamente avesso às louvaminhas que tanto nos caraterizam, a nós portugueses. Efetivamente, o livro não se limita, por exemplo, a apresentar os roteiros das diversas digressões e espetáculos do Grupo mas, para além da informação do seu reportório, apresenta, em textos bastante sintéticos, elementos da história das diversa comunidades e associações em que atuou, no Canadá e nos Estados Unidos. No seu todo, a obra reúne dados preciosos para a elaboração da história da nossa diáspora na Améria do Norte.
Para lá de tudo isto, a leitura do livro permite conhecer um emigrante açoriano com um perfil porventura, e infelizmente, pouco comum. Em primeiro lugar, o António Fernando emigrou para o Canadá e integrou-se bem no país de acolhimento, dando particular atenção a dois aspetos: a importância do estudo e a atividade política. Relativamente ao primeiro, não se limitou a trabalhar para ganhar a vida, mas estudou com o objetivo de, por essa via, progredir. Chegado ao Canadá, ao mesmo tempo que trabalhava completou o ensino secundário do país, licenciou-se em Gestão Financeira em 1987 e, em 1995, em Comunicação em Redes de Computadores. Ora estudar é fundamental para quem quer singrar na vida.
Por outro lado, para além de trabalhar e estudar para progredir na sua carreira profissional, o António Fernando ainda arranjou tempo para se dedicar à política. Em 1997 foi eleito para o Conselho das Comunidades Portuguesas e, em 1998, foi eleito para o Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas; significativamente é o autor (letra e música) do “Hino das Comunidades Portuguesas”, aprovado pelo Conselho das Comunidades Portuguesas reunido na Assembleia da República em junho de 2003. O autor do livro sempre soube (muito provavelmente foi a sua passagem pelo Seminário Padre Damião que o despertou para isso) que a política é uma dimensão constitutiva do ser humano a que se deve dar atenção e participar. As páginas do livro em que o António Fernando fala da atividade política são, em meu entender, importantíssimas e, porventura, deviam ser lidas pelos políticos que têm responsabilidades na área das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Em algumas dessas páginas o autor mostra amargura e revolta por ter constatado que muitos políticos que se dedicam ao setor estão, lamentavelmente, mais interessados nas suas carreiras e nos louros do que no bem comum do país e da sua diáspora. Isto é, estão mais interessados em servir-se dos emigrantes do que em servi-los.

Braga, janeiro de 2023

José Henrique Silveira de Brito *

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