Diário dos Açores

Não há vida sem água

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Foi com entusiasmo que assisti à aprovação da alteração do Programa Regional da Água dos Açores e à criação do Plano de Gestão da Região Hidrográfica dos Açores 2022-2027, esta semana que passou, na ALRAA. O Programa Regional da Água é o instrumento de planeamento de natureza estratégica há mais tempo em vigor nos Açores e já sofreu várias alterações e atualizações nos últimos 20 anos, incluindo as diretivas comunitárias que emanaram de Bruxelas e que foram transpostas para a ordem jurídica nacional e regional. É um documento de planeamento estratégico que define as linhas de orientação e os objetivos gerais a alcançar em recursos hídricos para o período de uma década. Passa a “absorver” os dezassete objetivos para o desenvolvimento sustentável, adotando uma abordagem dinâmica, com objetivos de estado [metas de qualidade ambiental que se pretende alcançar na Região, com base nas respostas da sociedade] e objetivos de resposta [compromisso de resposta da sociedade para atingir os objetivos de estado], sendo que estes objetivos“[se] desagregam[…] em sete áreas estratégicas, referentes à quantidade da água, à qualidade da água, à gestão de riscos e valorização de recursos hídricos, a um quadro institucional e normativo, a um regime económico e financeiro e também a informação e participação do cidadão”. Está de parabéns o Governo Regional dos Açores pela visão estratégica a médio/longo prazo num tema que deve merecer a maior abrangência política e que nos afeta a todos de uma maneira ou outra.
Dizer que não há vida sem água é uma «verdade de La Palisse», mas, com os efeitos que as alterações climáticas já começam a provocar no nosso clima, essa é uma preocupação cada vez mais presente no quotidiano açoriano. Se é assim na nossa vida e em todos os setores de atividade, é na agricultura que essa realidade se torna tão vital como óbvia. Apesar de nos Açores esses efeitos e a seca ainda não se sentirem com o rigor de outras regiões, é inegável a existência de alterações no padrão do nosso clima, principalmente nos níveis de precipitação. Os verões tendem a ser mais longos e os fenómenos extremos cada vez mais intensos e regulares.
A importância do setor agropecuário na economia regional e a sua forte dependência da disponibilidade de água obriga-nos a tomar medidas e a adotar soluções técnicas e políticas que se traduzam num uso mais racional desse bem comum cada vez mais escasso e que deve ser pensado em planos que ultrapassem a validade temporal das legislaturas.  Foi nesse contexto de parceria que estes dois documentos essenciais para o futuro dos Açores foram elaborados entre duas Secretarias Regionais (Ambiente e Alterações Climáticas e Agricultura e Desenvolvimento Rural), numa simbiose perfeita de que as duas têm que andar de mãos dadas rumo a um futuro cada vez mais sustentável. Apesar de aprovadas (um por unanimidade e o outro com uma abstenção do BE), foi pena que o PAN, que já tinha dado sinais promissores de que teria uma visão mais holística da sociedade açoriana, tenha regressado ao registo de que a agropecuária é o inimigo n.º1 do ambiente e que “84% do consumo de água nos Açores [se] destina […] às vacas”.
Respeitando as diferenças de opinião e as ideologias de cada partido político, é preciso desmistificar a questão que os agricultores são os maiores prevaricadores do meio ambiente e afirmar precisamente o contrário. Senão fossem os agricultores açorianos, não teríamos a paisagem idílica que apaixona todos aqueles que nos visitam, não teríamos a questão do bem-estar animal em franco desenvolvimento, pois ninguém gosta mais dos seus animais do que os agricultores, isto para não falar no impacto socioeconómico que o setor agrícola representa para os Açores.
“Com 2 333 Km2 de superfície, os Açores tinham, em 2019, 60% da área afeta às explorações agrícolas ao que, se adicionarmos os 30% da superfície florestal, fica demonstrado o caráter eminentemente agro rural da realidade açoriana. A agricultura desempenha um papel socioeconómico inquestionável na Região Autónoma dos Açores, analisar em detalhe o desenvolvimento que a agricultura registou nas últimas décadas na Região permite ter uma visão global da evolução de um setor que é estratégico para a economia e permitirá ponderar melhor as ações que devam ser implementadas no futuro para atingirmos os objetivos de uma melhor valorização da produção regional bem como caminhar no sentido da maior diversificação agrícola que contribua para uma progressiva autonomia alimentar, afirmando como desígnio da Região a sustentabilidade ambiental, a mitigação das alterações climáticas e a continuação das melhores práticas agrícolas como garante de um melhor futuro para todos os que habitam nos Açores, nos visitam ou consomem os nossos produtos.”1
Somos nove ilhas diferentes e cada uma com a sua especificidade. Também na água temos um desafio diferente para cada uma delas. Se, em algumas, a grande dificuldade é a captação (Graciosa, Pico e Santa Maria por exemplo), noutras, é o armazenamento (São Miguel, São Jorge e Flores) e, ainda noutras, é a distribuição (Terceira e Faial) e havendo ilhas em que temos os três problemas ao mesmo tempo.
É neste contexto que o abastecimento de água agrícola é uma vertente muito importante da atuação da IROA, SA. Foram construídos reservatórios em todas as ilhas dos Açores e algumas lagoas artificiais, bem como furos de captação que atualmente totalizam os 503 mil metros cúbicos de água e uma rede de distribuição com 545 kms, além da instalação de 281 postos de distribuição. A importância da água para o desenvolvimento da agricultura é por demais evidente.
A IROA, SA tem desenvolvido a sua atividade sempre com o abastecimento de água agrícola como o grande desafio que irá enfrentar no século XXI e, neste sentido, esta Administração tem levado a cabo medidas que vão ao encontro de uma utilização mais racional deste valioso recurso natural, que não é inesgotável, desde logo: a criação de um Piquete de Intervenção Operacional em São Miguel com linha de apoio 24 horas por dia e 365 dias no ano, a implementação de sistemas de contagem e cobrança de água agrícola através de máquinas controladoras nos pontos de abastecimento público, promover a parceria com a Universidade dos Açores através da Fundação Gaspar Frutuoso para estudos académicos, o contínuo investimento em infraestruturas de abastecimento de água agrícola, a adesão à Cartilha da Sustentabilidade em 2019, continuar a pavimentação de caminhos agrícolas com inclusão de condutas e redes de abastecimento de água com ramais diretos nas parcelas das explorações agrícolas, evitando, assim, os custos de transporte de água aos produtores, continuar a implementação da política utilizador-pagador e promover medidas preventivas sobre a qualidade da água agrícola. Depois de solucionarmos o armazenamento, é necessário que a qualidade da água seja um pilar fundamental no investimento, uma vez que vai influenciar positivamente o produto final, seja na fileira do leite seja na da carne e, consequentemente, estaremos todos a trabalhar para um produto de valor acrescentado que trará maior rentabilidade ao produtor.
Essas são algumas das medidas que já estão a ser colocadas em prática no terreno, dando continuidade àquilo que muito e bem foi feito, mas muito mais há a fazer no futuro. Devo realçar que a postura dos próprios agricultores tem sido de cooperação permanente, desde as associações e cooperativas, culminando na própria Federação Agrícola dos Açores, que tem sido mais do que um parceiro colaborante, tem sido um acérrimo defensor da implementação de políticas que vão ao encontro da sustentabilidade, do bem estar animal, das infraestruturas do ordenamento agrário que permitam o desenvolvimento harmónico dos Açores, mas que também tragam o rendimento que permite a dignidade de quem trabalha a terra 365 dias por ano.
Outro aspeto fundamental na gestão diária da água nos Açores é a relação da IROA, SA com os municípios dos Açores, sem a «preciosa colaboração» do poder local a missão de abastecimento de água seria muito mais difícil para todos os setores, incluindo o agrícola. Em muitos casos, a totalidade da gestão dos sistemas de abastecimento dependem exclusivamente dos municípios que investem para que não falte esse recurso natural aos setores de atividade e cabe à IROA, SA trabalhar em parceria no apoio técnico e material da implementação e reparação das condutas de abastecimento de água, algumas já com algumas décadas de utilização.
Quando debatermos a importância de um recurso natural tão valioso como água, não podemos ter uma visão restrita de um setor, mas sim uma visão tão aberta quanto possível porque nós todos necessitamos dela para viver, seja enquanto cidadãos e munícipes, ou enquanto empresários e agricultores, etc.
O desafio para o futuro imediato da água agrícola nos Açores é melhorar a eficiência das infraestruturas de captação, transporte e distribuição, passando para uma 2.ªfase que minimize as perdas de água na agricultura e não sobrecarregue a rede pública de abastecimento de água às populações. Trabalhando desta forma integrada com os municípios para que não falte água em nenhum setor de atividade será sempre a melhor e única solução, porque sem água não há VIDA.

1“Agroruralidade por ilha” da Secretaria Regional da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

Hernâni Ricardo Costa *
* Presidente do Conselho de Administração da IROA, SA

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