Diário dos Açores

Instabilidades que verdadeiramente valem

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Tanto os governos da República como o dos Açores, bem como o Presidente da República, insistem com muita frequência no valor da estabilidade política como sendo um (quase) valor supremo que vale só por si e condiciona, antes de tudo o resto, a vida política económica e social do país e da região.
Na mira de garantir a qualquer preço essa estabilidade, desvalorizam outras estabilidades (ou instabilidades) que, quer queiram quer não, afetam em grau muito maior a nossa vida e o nosso futuro imediato bem como, em fim de contas, até a própria estabilidade política. Isto porque esta desvalorização, inevitavelmente, gera insuficiente ação ou menor preocupação com o estabelecimento e o desenvolvimento, pelos poderes políticos, de medidas económicas e sociais de combate a essas outras instabilidades, as quais, continuando e agravando-se, interferem inevitavelmente com a estabilidade política que eles tanto se dizem empenhados em preservar antes de tudo.
Dois exemplos gritantes estão aí bem vivos a marcar de forma acentuada a nossa realidade atual: a inflação e a guerra.
Seria necessário, como disse o Diário de Notícias, recuar quase quatro décadas para se assistir a custos tão altos na energia e na alimentação. Estão a retirar dos nossos bolsos mais 20% que em 2022, sem que os salários acompanhem sequer de forma remota essa tendência. É a guerra dizem os especuladores, responsáveis por essas subidas, enquanto acumulam lucros, como a Sonae ou a Jerónimo Martins. Entretanto mais e mais famílias arriscam-se a conhecer a pobreza ou vão chegando a meio do mês com falta de liquidez. E o poder político, os partidos da maioria e os deputados de todas as direitas o que fazem? Aprovam medidas simbólicas e temporárias como a atribuição de 125 euros extra, mas negam-se a aprovar medidas de fundo com vista a travar a escalada dos preços, como por exemplo, a fixação do preço do cabaz básico, apresentada pelo PCP e pelo BE, ou a criação de um Posei transportes para as regiões autónomas, desde sempre reivindicada pelo PCP…
Resultado, para além de muitas e diversificadas ações de luta como greves e manifestações laborais de rua visando o aumento dos salários e a melhoria das condições de trabalho, de reformados visando a regularização das suas pensões, estão já em crescimento diversos movimentos populares de contestação aos aumentos dos preços, alguns dos quais, como o denominado Movimento Vida Justa, propõem-se mesmo realizar grandes manifestações em Lisboa, já no próximo mês. É a estabilidade política portuguesa a ressentir-se…
E quanto à guerra que prossegue e continua a desgraçar os povos ucraniano, mas também o russo, ameaçando tornar-se num conflito global de dimensões catastróficas para toda a humanidade, como demonstra a atual escalada pelo fornecimento de tanques sofisticados ao comando militar ucraniano? O que têm feito os nossos governantes, os partidos maioritários e as direitas para refreá-la e para favorecer a negociação política com vista a acabar com ela? Nada, absolutamente nada!
A teoria dos nossos governantes, para acabar com a guerra, dizem eles, a reboque acrítico e obediente, tal como o diretório da União Europeia, do comando norte americano e da Nato, é colocar mais e mais armamento, incluindo experimental, num imenso campo de batalha, de sofrimento e de morte em que se transformou praticamente todo o território da Ucrânia, particularmente na martirizada região do Donbass, fustigada desde 2014.
Só a luta pela paz e a negociação política poderão calar as armas e resolver este conflito com alguma segurança. Estamos irresponsavelmente bem longe disso. E a estabilidade política (e vital) em toda a Europa a ressentir-se…


Mário Abrantes *

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