Diário dos Açores

Vidas e Educação na Beleza de Envelhecer

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Parte I
Vida, Beleza e Estética: uma aproximação
    
Esta Parte I decorre da necessidade de uma breve introdução, - como mera aproximação – da Parte II, na qual me refiro ao livro de Rubem Alves “As cores do crepúsculo. A estética do envelhecer”, ao qual votarei noutros contextos. É curioso como o Autor dá uma cor, cores, ao branco que anuncia uma idade fisicamente crepuscular, mas espiritualmente de luz. A luz da idade é sublime que só vem, de facto, com o tempo, o tempo do Cronos, mas também o tempo do Logos. Pode-se ser muito inteligente, mas a experiência é que (nos) faz, a não ser que a dureza da vida – ou dons especiais, dados por Deus, logo à nascença - nos tragam Essa experiência ou uma vocação ou escolha divina, como foi – é – o caso dos Pastorinhos de Fátima, ou do Jovem atleta Carlo Acutis (1991-2006), que faleceu em plena juventude, aos quinze anos de idade, conhecido como “padroeiro da internet”, que ficou conhecido pela sua evangelização e apostolado, através da internet. Foi Beatificado pela Santa Igreja Católica, pelo Papa Francisco, a 10 de outubro de 2020. (Cf. Novena ao Beato Carlo Acutis (2021), Lisboa, Paulus Editora). Casos que nos remetem para a plena Beleza, para a Culminância da Beleza e da Beleza na sua Culminância. A Verdade pode ser esse esplendor. João Paulo II escreveu uma Encíclica que se intitula “O Esplendor da Verdade” (1993). Haverá maior Beleza e Arte pura do que a Verdade?
Face à obsessão e, até, tirania, do parecer, - das aparências - do querer apagar as rugas, do culto, senão se não mesmo da idolatria – logo doença – de querem ser eternamente jovens, fisicamente, há que introduzir a Beleza do e no envelhecer. Tenho visto e falado com muitas senhoras e senhores que assumem os seus cabelos brancos, as suas rugas, ou dizendo que são “charme” ou, pura e simplesmente, aceitando como uma inevitabilidade da idade. Admito que possa ser uma questão de mentalidade, mas vejo com muita naturalidade as senhoras pintarem os cabelos, ou não. Vejo senhoras – ou senhores - de alguma idade, muita acima dos oitenta anos - que têm um lindo cabelo branco, ou cabelo branco matizado, ao natural, de uma cor de champanhe, o que se designa por “platinado”. Ou, então, um cabelo completamente branco, como tinha Bento XVI. O natural é natural e fica muito bem. Porque a moda, verdadeira, cada um/a é que a faz, na autenticidade de si mesmo/a, na sua singularidade, embora também a moda seja uma questão social, tal como muitas outras dimensões das nossas vidas. Mas, na Verdade do Ser e da Beleza, o Primado é sempre do Espírito.
Beleza e Estética estão relacionadas, mas são realidades e conceitos diferentes. Muitas vezes há confusão. A Beleza é da ordem natural e sobrenatural, das e nas pessoas, da e na natureza e das nas coisas. A Beleza e a Arte são estudadas pela Estética que é um ramo ou disciplina Filosófica que, na Antiguidade Clássica, com Platão e Aristóteles, estavam também ligadas à Lógica e à Ética.
Na vida corrente, se bem virmos, a Beleza e a Moral estão ligadas, à estética e à moral. Assim, é natural dizer-se “aquela pessoa fez uma boa ação”, ora esta “ boa ação”, tem um fundo de Beleza, fazer ou praticar, que é ainda mais, “uma boa Ação” é “uma bela ação”, é agradável, por si e em si, no sentido da perceção – do vermos agir – mas também da inteleção, da contemplação, é algo que consola o espírito e a alma. E, afinal, é disso de que precisamos, de pessoas belas em sentido moral. A Verdadeira Beleza promana e emana do Coração, uma pessoa boa age de modo belo, em beleza, e tende à perfeição ética e estética, na ação e no estudo e dizer dessa ação. Que bom seria se vivêssemos os valores na vida corrente, dando expressão visível, e concreta, à Justiça, ao Bem, à Beleza, à Bondade, etc. E o essencial passa pela Educação e pela Fé. É preciso querer e crer. Coloca-se no plano da intenção e da ação. Basta vontade. Já diz o provérbio: “Mais faz quem quer do que quem pode”. Cristo dirige-se sempre aos “homens de boa vontade”. Só com pessoas de boa vontade, o mundo pode ser bom. Se agíssemos segundo a Beleza do Bem o mundo seria melhor, mas uma Beleza, diria, subordinada à Ética. Os valores morais é que garantem um mundo melhor.
Ter a experiência da Beleza, interior e exterior, está ao alcance de qualquer ser humano, de qualquer pessoa, em especial das almas e espíritos sensíveis à Justiça, ao Bem e à Beleza. Razão e Coração. A Caridade e a Compaixão são formas sublimes de Bem, de Beleza, de Verdade.
Afirmar, por exemplo, Que Beleza o Céu dos Açores, maravilharmo-nos com um lindo dia de sol, com nuvens, com a luz a incidir sobre as paisagens, por exemplo, sobre o verde dos campos, ou a afirmação: Que Beleza o Mar dos Açores, no qual se reflete a luz do Céu, e nos parece azul. Azul no Céu e azul na água. Não é a mesma coisa que dizer a estética da Natureza. Se dissermos estética da natureza – ou, tão só, Estética - já não estamos só na experiência da beleza mas do estudo ou uma figuração criativa, através de certos modos de expressão, como sejam, por exemplo, pintura, escultura, desenho, arquitetura, dança, canto, cinema, música, teatro, etc. A Beleza e a Arte são conaturais à Pessoa ou ao objeto, enquanto a estética é a disciplina filosófica, ou filosófico-educacional, que estuda o Belo, também na sua perceção, aperceção ou inteleção. Ser em Beleza é mais do que o seu estudo.
Quando vamos no avião e vemos as paisagens, de lá de cima, são belas, nuvens que parecem algodão, com amplas zonas de buracos azuis, e olhamos cá para baixo, vemos o mar ou os recortes das encostas destas nossas ilhas, quando o avião ainda está numa altitude que nos permite ver e quando o tempo está claro e permite ver. Aí, em rigor, não estamos, necessariamente, a fazer Estética, mas a maravilharmo-nos com a Beleza da Natureza, cá em baixo também. Lá no alto, a voar num avião, por exemplo da nossa SATA-AIR AÇORES, que maravilha é ver estes Açores. Estes Açores são um imenso continente de Terra, Mar e Ar, em (des)continuidades e interação, dinâmica, de centros e periferias. Em cada canto destes Açores há Uma beleza única, irrepetível, uma paisagem, campos com vedações, uma flor, um jardim, uma casa, mesmo em ruínas, que falam de uma Antropologia da ausência, alguém que ali morou, realizou uma vida, etc, nestas terras, muitas vezes junto às rochas escarpadas e sempre despertas para os vulcões adormecidos. O património natural e o património construído. Os muros de pedras, as nossas estradas, os plátanos, as nossas vacas a pastarem ou em transumância nas nossas estradas e caminhos terreiros, tudo fala da natureza e da atividade humana. Como são belos e frágeis estes nossos Açores, santuários vivos, fortalezas espirituais. E como neles a vida tem sido – é - dura. No passado e no presente, rostos mais enrugados pelo trabalho ao sol, agricultores, lavradores, pescadores, que não têm tido – mas têm de ter - os devidos apoios dos governos. Homens e mulheres que têm vidas difíceis, mas abençoadas por Deus, pelo Divino Espirito Santo, pelo Senhor Santo Cristo. Vidas vividas, pensadas e sofridas. Mas também vidas, ao mesmo tempo alegres, quantas vezes não se canta a chorar!, testemunhos de vidas. É assim a vida de quem tem Fé, muito amor e muita dedicação à vida. Há um envelhecer mais natural e há um envelhecer mais abreviado devido às agruras da vida. Mas só Deus é o Senhor da Vida, das nossas vidas.
    É tempo de (re)conquistar direitos, de viver a vida que nos coube viver, mas em superação e transcendência. Há também a Beleza do repouso, do descanso, é um direito e configura dimensões de ser, com mais cuidados. E quantos idosos não têm os cuidados que deviam ter?, por isso envelhecem mais cedo, criam mais rugas. Não é o mesmo levar uma vida descansada ou uma vida preocupada, a contar os cêntimos que se não tem. Há pessoas que podem, com toda a autoridade falar, porque o Estado e os (des)governos nunca lhes deram nem um centavo nem um cêntimo. Sabemos do que falamos.

Parte II

“AS CORES DO CREPÚSCULO. A ESTÉTICA DO ENVELHECER”, (2004), um livro da autoria de Rubem Alves, Edições ASA.
OS OLHOS E A IDADE
No referido livro, afirma Rubem Alves:
“Claude Monet era capaz de passar o dia todo no campo, da manhã até ao cair da noite, pintando seguidas telas do mesmo monte de feno. Posso imaginar que o fazendeiro, ao fim do dia, lhe perguntasse das razões para pintar tantas vezes o mesmo monte de feno. E Monet lhe responderia: “Para as vacas, é certo que o feno é o mesmo, porque elas desconhecem o gosto da luz. Mas para mim, que sou pintor, a luz é algo mágico, que vai transformando as coisas, pelo poder das suas modulações. Um monte de feno sob a luz da manhã não é o mesmo sob a luz do crepúsculo”.
Um monte de feno, essa coisa que permanece a mesma através do tempo, não existia para Monet. O que existia era o “momento” - único, efémero, que tinha de ser comido com os olhos no instante mesmo de sua aparição, pois ele não seria mais.”
                        (Rubem Alves)
Li e gostei. Mas ficaram-me duas dúvidas,
- até por experiência: Será que as vacas “desconhecem o gosto da luz?”. Por que será que procuram a sombra?
- Será que o monte de feno “permanece a mesma através do tempo”? Não está sujeito à fermentação e decomposição? Sujeito ao tempo? O Tempo no qual tudo e todos somos e nos transformamos na identidade constituinte de nós, no ser e envelhecer, em ser.
De tudo fica, e vai, “o instante” - “o momento”, que vai e permanece - e o milagre da “aparição”, o título da Obra matricial de Vergílio Ferreira. Quem somos? Quem vamos sendo? Diz-se: “A vida é um sopro”. Vemo-nos ao espelho: somos os mesmos/as, sempre iguais, sempre diferentes, todavia na identidade de nós. E os olhos, o olhar, são a manifestação, a revelação, da luz que Há em nós, que nos ilumina e ilumina. Por isso a Visão é o Sentido mais fino e profundo. Mas afinal vemos com os nossos cinco sentidos. E tudo nos fala com impacto do primeiro cabelo branco, inesperado, e da primeira ruga, que nos aparece, é o susto da idade, a consciência do tempo, em nós!? O nosso destino é envelhecer, na Maravilha de Viver e de Conviver, no Ser, para “Ser Mais”, na nossa Essência de Ser, de ir sendo. E há paz no caminhar, há uma beleza no envelhecer. Envelhecer é a forma mais madura de (re)nascer e crescer.

A parte I, original, foi intencionalmente escrita para este artigo. O texto da parte II foi originalmente publicado na “minha” página “Emanuel Oliveira Medeiros”, no Facebook, na referida data.

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*
*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia  da Educação

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