Diário dos Açores

Um serviço à história da literatura brasileira

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Centenário de Pedro da Silveira, XX

O desempenho de Pedro da Silveira como historiador literário não se cingiu ao domínio ilhéu, onde todavia se destacou. O seu foco em descortinar em jornais velhos a participação de poetas e prosadores florentinos, faialenses, micaelenses e picoenses nos movimentos estéticos finisseculares aproximou-o — no aluvião dos registos que foi indexando — da participação de brasileiros de passagem por Portugal, levando-o a tentar identificar ecos disso na literatura daquele país. Não é pouco, nem deve ser desvalorizado face ao seu mais evidente papel de difusor da obra de escritores cabo-verdianos de meados do século passado, aliás intervenção ainda por esclarecer por inteiro, num contexto já depauperado pela impossibilidade de depoimentos vívidos, mas ao qual Urbano Bettencourt em especial tem dado persistente e segura atenção. Quanto ao Brasil, só quem alguma vez pesquisou cá o que se publicou em jornais, livros e revistas de lá — ou vice-versa — perceberá bem a enorme dificuldade que Silveira terá enfrentado nessa campanha, diante da escassez de fontes que a recente e intensa digitalização de periódicos brasileiros veio reduzir a mínimos, facilitando bastante a vida a quem o queira fazer agora ou doravante.
Não admira, pois, que o valor historiográfico do livro Os Últimos Brasileiros: sobre a participação de brasileiros nos movimentos literários portugueses do realismo à dissolução do simbolismo (Lisboa: Biblioteca Nacional, 1981, 71 pp.) não tenha sido devidamente notado pela academia ou por um meio editorial — onde, já neste século, despontou um maior interesse pelo Brasil literário — que o manteve em limbo por quatro décadas, até à sua integração no tomo 2 de Só o Esquecido é Passado (em Setembro anunciado para breve).
Fernando Cristóvão escreveu a propósito deste livro que «Pedro da Silveira é daqueles eruditos pacientes que alinham entre os investigadores que preferem o trabalho silencioso e lento, que não paga dividendos de popularidade, descobrindo e acumulando materiais úteis para a grande historiografia, e ousando facultar a outros investigadores e professores dados e sugestões capazes de novas investigações e estudos inovadores. — E disto estamos nós bem carenciados» (Colóquio/Letras, n.º 73, Maio de 1983, pp. 92-93). Mas é sobretudo na crítica feita num jornal de Belo Horizonte por Oswaldo Almeida Fischer (1916-81), e que de seguida se dá a ler pela primeira vez entre nós — encontrei-a há dias no espólio do florentino, embora merecesse constar da exposição que a BNP lhe dedicou, o que denota superficialidade na sua preparação, tanto mais que diz respeito a livro com a chancela da própria instituição — que se tomará o pulso à importância deste livrinho. Almeida Fischer, também importa sublinhar isso, foi figura literária de algum relevo: dirigiu por uma década o suplemento cultural dum grande diário carioca, A Manhã, e depois foi por igual período o primeiro presidente da Associação Brasileira de Escritores, que ajudou a fundar em 1969, e ainda professor universitário em Brasília. E isso qualifica, sem dúvida, esta recensão crítica brasileira — faltando ainda saber se outras houve por lá, e ao mesmo tempo esperar, com a reimpressão em perspectiva, que outras ainda possa haver no futuro.
Motivo adicional e mais que justificado para se perguntar, sem meias tintas, ao Instituto Açoriano de Cultura quando é que imprime — ou, até, se imprime — o segundo tomo de Só o Esquecido é Passado, onde Os Últimos Brasileiros se inclui, passados que estão cinco meses sobre o lançamento do primeiro na Edição do Centenário integralmente financiada pela Câmara Municipal de Lajes das Flores e pelo Governo Regional dos Açores, em que — branco sobre preto (II, 1, p. 607) — o anunciou «para breve». Nem eu, que o organizei (e nessa acepção sou seu autor também), vejam bem, o sei ainda...

Vasco Rosa

Os Últimos Luso-Brasileiros

O escritor português Pedro da Silveira esteve no Brasil em 1973, ocasião em que proferiu, na Universidade Federal do Pará, uma conferência sobre a participação de brasileiros nos movimentos literários lusos, do Realismo à dissolução do Simbolismo em Portugal. Essa interessante conferência, revisada e provavelmente aumentada, e acrescida de numerosas notas (79) e de longo apêndice, foi publicada há pouco em volume, sob o título de Os Últimos Brasileiros, pela Biblioteca Nacional de Lisboa, em sua Série Estudos e Ensaios.
O autor centra seu interesse nos brasileiros que participaram pessoalmente da vida literária portuguesa, impregnando-se do ideário dos movimentos estéticos surgidos em Portugal, como integrantes das lutas desses movimentos. E, principalmente, nos que, ao retornarem ao Brasil, eram representantes legítimos do Realismo-Parnasianismo e do Simbolismo lusos, como vem explícito neste trecho do seu trabalho: «Com efeito, ao decidir ocupar-me dos brasileiros que estiveram ligados ao movimento parnasiano e ao do Simbolismo em Portugal, combatentes nas lutas que os impuseram, menos foi por lhes descobrir notáveis qualidades criativas do que por outra coisa. O vislumbrar neles, uma vez retornados ao Brasil, possíveis propagandistas das estéticas literárias que tinham cultuado na Europa».
Em suma, parece-me que o escritor Pedro da Silveira preocupou-se com a repercussão de movimentos literários lusos na literatura brasileira e dos nossos nas letras portuguesas da época: «ao mesmo tempo procurei ver o que deu à literatura brasileira e o que desta acaso recebeu».
Está referida no trabalho a presença de importantes parnasianos brasileiros, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Valentim Magalhães e outros na imprensa portuguesa, com copiosa colaboração. Esses poetas, no entanto, não são valores de expressão portuguesa, não tiveram sua formação feita em Portugal.
A importância de Gonçalves Crespo na poesia portuguesa, como inovador, está bastante ressaltada. Brasileiro de nascimento, Crespo, no entanto, sempre foi um parnasiano português. Luís Guimarães Júnior, que viveu muito tempo em Portugal, nos é mostrado como um parnasiano precursor do Simbolismo português e brasileiro. O Autor aventa a possibilidade de o nosso Medeiros e Albuquerque ter sido contagiado pelo «decadismo» quando aluno da Escola Académica, onde foi colega e amigo do poeta açoriano Fernando de Sousa, simbolista a partir de 1890.
O brasileiro Francisco Bastos teve destacada atuação nos primórdios do Simbolismo português, mas praticamente não existiu no brasileiro. O paraense Flexa Ribeiro, que esteve algum tempo em Portugal defendendo os jornais decadentistas, está relacionado no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro de Andrade Muricy [3 vols., Rio de Janeiro, 1951-52], mas embora sem maior destaque, não figurando entre os nossos simbolistas importantes.
Mesmo Medeiros e Albuquerque, que foi membro da Academia Brasileira das Letras, não chegou a ser um grande poeta simbolista no Brasil (e nem em Portugal). Embora tenha sido um dos primeiros divulgadores da então nova estética em nosso país, em função de livros e revistas que recebia da Europa e aqui fazia difundir, sua projeção não foi como poeta (simbolista ou não). Nada obstante seu livro Canções da Decadência [Porto Alegre, 1889] ter sido o primeiro da bibliografia portuguesa, e sua «Proclamação Decadente», incluída no volume Pecados [id., 1889; dedicado a Olavo Bilac], haver precedido o poema-manifesto «A Arte» de Cruz e Sousa, sua sensibilidade não se afinava bem com o ideário decadentista. Nas suas Páginas de Crítica [Rio de Janeiro, 1920], chegou a taxar Cruz e Sousa de «metrificador sonoro e oco». Foi, no entanto, um escritor de prestígio em sua época, tendo publicado, além de seus livros de poemas, alguns volumes de contos, romance, teatro e crítica. Há a considerar ainda sua atuação como jornalista republicano, Deputado e Senador.
O Autor ressalta, em Os Últimos Luso-Brasileiros, a atuação do português de nascimento Fialho de Almeida no parnasianismo brasileiro, achando injusto o silêncio hoje existente a seu respeito. Considera-o um poeta brasileiro e não português, uma vez que aqui formou sua personalidade e cultura. O livro também se refere ao parnasiano classicizante Silva Ramos, nascido no Recife e falecido no Rio de Janeiro, que viveu muitos anos em Portugal, a Hugo Leal e outros.
A referência, no mesmo estudo, a dois Luís Guimarães, que viveram algum tempo em Portugal (o Júnior e o Filho, aquele pai deste), cria alguma confusão para os leitores menos atentos. Luís Guimarães Júnior, às vezes referido como Luís Guimarães apenas, foi diplomata brasileiro em Lisboa, sendo considerado, embora parnasiano, um percursor do Simbolismo. O outro, Luís Guimarães Filho (realmente filho do diplomata), viveu em Portugal desde os cinco anos de idade até concluir seu curso de Filosofia na Universidade de Coimbra. Este, simbolista secundário de expressão portuguesa, foi, como o pai, membro da Academia Brasileira de Letras. O próprio Andrade Muricy, em seu valioso Panorama, estabelece alguma confusão a respeito. O índice onomástico do seu levantamento do Simbolismo brasileiro refere-se duas vezes a Luís Guimarães Filho: a primeira está abonada no texto (p. 113); a segunda, no entanto, diz respeito a Luís Guimarães. O Filho ou o Júnior? Não há dúvida, para os que conhecem bem a Literatura Brasileira, que o organizador do índice onomástico em apreço ignorava a existência de dois Luís Guimarães. No texto do Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro (p. 1221 da 2.ª ed.), há uma alusão ao soneto «Visita à Casa Paterna», ao se comentar a poesia de Cincinato Guterres: «Entretanto, no soneto “For Ever” (Novidades, de 23 de fevereiro de 1891) há traços de imaginação delicada, de envolta com uma ocasional reminiscência do soneto “Visita à Casa Paterna” de Luís Guimarães» [Rio de Janeiro, 1876]. Ora, esse soneto é a mais famosa criação poética de Luís Guimarães Júnior.
As 79 notas que aparecem no fim do volume são em geral esclarecedoras de afirmações contidas no texto do trabalho. Algumas delas são mais do que isso, pois acrescentam informações valiosas para os estudiosos do assunto. Também o apêndice oferece matéria de grande importância para o entendimento da participação de brasileiros nos dois movimentos estéticos de Portugal e Brasil.
Em verdade, o escritor Pedro da Silveira relembra, com bastante correção, a presença de brasileiros nas lutas de implantação e consolidação de ideais estético-literários em Portugal, do Parnasianismo ao Simbolismo (e a repercussão dessa participação na literatura portuguesa). Com a criação das Universidades brasileiras, nossos jovens com vocação literária não mais participaram pessoalmente dos movimentos estéticos portugueses a partir do Simbolismo. Todavia, as influências recíprocas entre as duas literaturas continuaram e continuarão sempre, enquanto falarmos o mesmo idioma e nos estimarmos como até aqui temos feito.
Os Últimos Luso-Brasileiros traz uma grande contribuição ao estudo do Parnasianismo e do Simbolismo nas letras de língua portuguesa. Os estudiosos desses dois períodos literários, tanto portugueses quanto brasileiros, encontrarão no trabalho muitas revelações e estímulos para novas reflexões sobre aspectos da manifestação das duas correntes literárias nos dois principais países da comunidade luso-brasileira.

Almeida Fischer
Minas Gerais, Belo Horizonte, 17 de Julho de 1982,
p. 9 do suplemento cultural.

Vasco Rosa  *

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