Diário dos Açores

Aspectos populares dos Açores

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Tenho recebido de amigos e conhecidos generosas contribuições para estas crónicas. Sabendo do meu interesse pelos dicionários culturais açorianos, um amigo com quem almocei há duas semanas mandou-me uma dica para as minhas escavações. Perguntou-me se conhecia o livro “Aspectos Populares Micaelenses”, de José de Almeida Pavão. Conheço, sim. Sabia da sua existência e da sua publicação pela histórica Colecção Gaivota, que o meu avô tinha na íntegra arrumada numa estante, e foi-me oferecido pela Sara. Também conheci o autor, muito respeitado e amado por gerações, quando estava naquela transição adolescência-idade adulta. Deu-me, com a sua sapiente bonomia, conselhos sobre o vasto chão das literaturas e das suas opções curriculares.
Até por causa da referência do meu amigo, releio o livro e, com o autor, sigo no “vocabulário popular”. Curiosa a partilha, em obra com aquele título, de termos terceirenses como “bizalho”, sujo, mal-vestido, e “alfenim” (ou alfeni), definido como “artigos de doçaria terceirense confeccionados exclusivamente com açúcar”. Escândalo, claro,  para esta era de dietas e jejuns. Como, acrescente-se, toda a fabulosa doçaria que se encontra nessa cidade de pastelarias chamada Angra do Heroísmo. A merecer o título, atribuído pela Unesco, de Património Mundial do Doce. Almeida Pavão alude também ao facto de “alfenim” ser mencionado no teatro vicentino. Há muito boa gente açoriana que desconhece que várias das nossas expressões e muitos dos nossos termos estão nas peças de Gil Vicente. Julgamos só figurarem nos comentários do Laró mas existem também, com dignidade maior, na Biblioteca Nacional. Mais um ponto. Num bilhete-postal de Vitorino Nemésio enviado para José de Almeida Pavão, publicado neste volume, o escritor nascido na Praia da Vitória comenta, para incómodo dos piores bairrismos: “Gosto muito de São Miguel e de vocês, coriscos, gente de firme fé!”
Percorro as palavras destacadas pelo autor de “Xailes Negros” e encontro termos como “agora!”, outra forma de dizer “não pode ser!” ou “de maneira nenhuma!”, “menente”, admirado, espantado, atordoado, “pechinchinho”, pequenino, “pispeta”, pessoa atrevida, metediça, “poderiz”, grande quantidade.
Também me chegaram, de uma amiga, duas palavras usadas na Graciosa: “floxeira” e “celestrina”. “Floxeira” vem do maldito insecto Filoxera que ataca as vinhas e é usada quando alguém – e cito-a – “é acometido de um malzinho que não se sabe bem o que é” (“Deu-lhe uma Floxeira!”) Já “Celestrina” tem a ver com “ganas” ou “veneta”. Quando o pai se passava dos carretos, usava o mui singular desabafo “eh pá! Deu-me cá uma celestrina!”
Celestrina parece, sim, nome próprio. Ao conhecê-lo, transportei-me para a lista de nomes próprios recolhidos na Graciosa por Victor Rui Dores. Muitos deles, impossível não notar, importados do Brasil, terra de emigração açoriana. Quem quiser que os anote. Exemplos. Temos uma Anatazita, uma Ariovalda, uma Ausíria, uma Donzília, um Dilermando (não confundir com o dealer Armando), um Eliziário, uma Eufrosina, um Firmilindo,  uma Gudeberta, um Higénio, um Iolantino, uma Libarina, uma Meíbula, um Nunado, uma Ovina, um Odaltino, uma Quelminda, um Salustiano, uma Ulurina, uma Unerina, uma Urbínia, uma Zulima e um Zulnar. Ocorre-me dizer: acabemos, de uma vez, com esta febre da Mariana e do Salvador. Há aqui um cardápio demasiado apetitoso para ser desperdiçado.

Nuno Costa Santos

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