Diário dos Açores

Salvar urgentemente as telas pintadas pelo padre Baptista

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É deveras preocupante e lamentável a informação veiculada na rede social Facebook pelo estimado Amigo Carlos A. César de que a Ermida da Mãe de Deus se encontra degradada e mesmo em risco de ruína parcial ou total, por insuficiente conservação. Trata-se de um monumento religioso e arquitetónico, além de que se situa no ponto geográfico mais elevado da cidade de Ponta Delgada, precisamente o Alto da Mãe de Deus, com vasta e bela panorâmica. Mas há ainda uma outra razão de preocupação de não menor importância que vou aqui referir.
Todos se lembram, com certeza, do padre (monsenhor, melhor dizendo) José Baptista Ferreira, que foi pároco durante muitos anos na Igreja de São Pedro, também em Ponta Delgada. Vou falar dele e dos seis belos quadros reproduzindo a Via Sacra que ele pintou de propósito para a Capela do Imaculado Coração de Maria, mas que foram transferidos - sem que se compreenda ou adivinhe a razão, se é que existe - para a Ermida da Mãe de Deus, numa decisão muito infeliz.
O padre Baptista (1917-1984) era, de facto, uma pessoa invulgar, pela sua bondade, simplicidade e enorme talento artístico. Era um Artista na plenitude da palavra, como demonstrou em várias ocasiões e em vários trabalhos que realizou, como os já citados quadros sobre a Via Sacra (trajeto seguido por Jesus carregando a cruz, do Pretório ao Calvário) que ele pintou - propositadamente, como já disse - para a Capela do Coração de Maria, que mandou construir, com o apoio da população e de alguns mecenas. O terreno para a construção do edifício foi doado pelo generoso casal Tomás Ivens de Jácome Correia e Cecília de Medeiros e Albuquerque, senhora que era descendente precisamente dos barões das Laranjeiras, Manuel de Medeiros da Costa Canto e Albuquerque e Maria Carlota Álvares Cabral, que viveram num lindo solar ainda existente na Estrada das Laranjeiras, a caminho da Fajã de Baixo.
Situada na Rua Barão das Laranjeiras, a graciosa Capela do Coração de Maria foi inaugurada em 1 de Novembro de 1969, uma obra de generosidade de muita gente, com destaque para o padre José Baptista Ferreira, cuja memória merece todo o respeito e toda a consideração.
Artista talentoso, grande amante do desenho e da pintura, o padre Baptista pintou - propositadamente, não é demais realçar - para a Capela do Coração de Maria várias telas reproduzindo a Via Sacra, quadros que permaneceram expostos nas paredes interiores do templo até à década de 80 do século passado, tendo sido transferidos para a Ermida da Mãe de Deus, por decisão de um não menos ilustre pároco (e digo aqui ilustre sem qualquer ironia), mas que foi infeliz e precipitado nesta sua decisão, porque contraria a vontade do padre Baptista. Muitas pessoas ficaram perplexas com esta estranha situação, nunca explicada e esclarecida.
O simpático Papa Francisco disse, recentemente, que “o diabo está em todo o lado” e que “o diabo está também no Vaticano”. Inspirando-me nestas clarividentes palavras do patriarca da Igreja Católica, eu diria que a iniciativa de transferir aquelas telas da Capela do Coração de Maria para a Ermida da Mãe de Deus teve talvez nefasta influência do diabo.
A realidade é esta: os quadros estão agora num templo que raramente é aberto ao público, pelo que as pinturas com a Via Sacra estão simplesmente escondidas, para não dizer “arrumadas”. Porquê? Essas belas pinturas, que o Correio dos Açores já reproduziu, envergonham alguém ou são uma obra menor? Por favor!
Este assunto foi levantado inicialmente no Correio dos Açores há uns oito anos pelo distinto jornalista José Manuel Santos Narciso. Mais tarde eu retomei e desenvolvi o assunto em dois artigos publicados na imprensa micaelense, porque entendo que foi cometida uma injustiça para com a memória a todos os títulos respeitável do exemplar sacerdote José Baptista Ferreira. Ninguém com responsabilidades ligou ou deu sequência - que seja, pelo menos, do meu conhecimento - ao que foi escrito por Santos Narciso e por mim. Simplesmente, é muito triste!
A apreciada secção “Maria Corisca”, do Correio dos Açores, publicou então uma nota a apoiar os meus artigos sobre este assunto. Transcrevo o apontamento para recordar: “Ricos! Ainda ontem li no jornal que tão generosamente me acolhe no seu seio um artigo do jornalista Tomás Quental Mota Vieira a sugerir o regresso dos seis quadros da via-sacra pintados nos anos setenta por Monsenhor Baptista Ferreira para a Igreja do Imaculado Coração de Maria, na Rua Barão das Laranjeiras, e que mais tarde foram “desterrados” para a ermida da Mãe de Deus. Basta que sejam dignamente emoldurados e será um acto de justiça à memória de quem construiu o templo do Imaculado Coração de Maria. O Correio dos Açores este ano assinalou a sua edição de Páscoa trazendo à estampa a beleza destes quadros que mesmo sendo uma expressão popular de pintura religiosa em nada chocam com o estilo do templo onde lá estiveram mais de duas décadas. Em Fevereiro de 2017 ocorre o centenário do nascimento do Padre Baptista e a minha prima da Rua do Poço acha que o retorno dos quadros ao Imaculado Coração de Maria, seria uma grande homenagem a quem serviu São Pedro, com humildade e simplicidade”. Um sincero “bem haja!” para quem escreveu esta eloquente nota!
Apelo à hierarquia da Igreja Católica açoriana - ao novo bispo diretamente - que faça o favor de corrigir este erro e mande colocar de novo os quadros na Capela do Imaculado Coração de Maria, sem mais delongas nem justificações. Os quadros foram pintados para a Capela do Coração de Maria e, portanto, é lá que devem estar, em cumprimento da vontade e do desejo de monsenhor José Baptista Ferreira, que é o respectivo autor. A todo o tempo é tempo de corrigir uma injustiça! Como a Ermida da Mãe de Deus está numa situação de decrepitude, de resto é muito húmida em resultado da sua localização, as telas pintadas por monsenhor Baptista Ferreira devem ser urgentemente protegidas e transferidas para o templo de origem. Possivelmente, até já estão de algum modo danificadas. Estou para ver se há alguém nesta nossa terra - com inteligência e coração - que se disponha a resolver este assunto! Ou será que as citadas telas vão acabar um dia transformadas em lixo ou entulho? Então seria mesmo, sem qualquer dúvida, obra vergonhosa do diabo! Seria, sim, uma enorme vergonha, como enorme vergonha já é, de resto, não conservarem condignamente a Ermida da Mãe de Deus. Parece que o mais importante agora é construir hotéis e mais hotéis, mesmo em locais impróprios para o efeito, como na Calheta de Pêro de Teive. Quanto à defesa dos valores açorianos, sejam eles quais forem, a estratégia é cada vez mais “depois se verá”, como está a acontecer, também, com o histórico e belo edifício da Escola Secundária Antero de Quental, igualmente nesta cidade.

Tomás Quental Mota Vieira *

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