Diário dos Açores

“Não dês o avião, ensina a voar”

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Ao ler a recente polémica sobre as tarifas praticadas pelo Grupo SATA para vários destinos à partida dos Açores, lembrei-me daquele famoso provérbio ancestral chinês tantas vezes citado pelos mais diversos analistas económicos e que nos coloca perante o seguinte dilema: se dermos o peixe, garantimos a  alimentação de um dia sem acrescentarmos um valor duradouro; se ensinarmos a pescar garantimos não apenas a satisfação da necessidade imediata de comer, mas damos os instrumentos necessários para a alimentação de toda uma vida. Em suma, este conselho traduz-se em apostar no futuro, criando um modo de subsistência, em vez de apenas resolver o problema imediato. Enquanto pais, é mais ou menos isto que tentamos fazer com os nossos filhos: construímos todo um caminho educativo progressivo para que um dia não precisem de nós para (sobre)viver.
Há décadas que o Governo Regional dos Açores intervém no setor aéreo regional com o eterno objetivo de manter os Açores ligados entre si e ao mundo. É esse propósito que tem justificado a intervenção do poder político enquanto acionista do único grupo aéreo da região, enquanto adjudicador e patrocionador do concurso para as ligações inter-ilhas, enquanto legislador que impede a extensão da liberalização das ligações aéreas do Continente às outras ilhas, enquanto executor de obras como aquelas que não faz no aeroporto sob a sua gestão direta (Pico) ou enquanto órgão de pressão política que prefere abster-se de solicitar à ANAC a abertura de um concurso público para designar uma segunda empresa de assistência em escala no aeroporto de Ponta Delgada como decorre da legislação europeia. São muitos os recursos humanos, técnicos, financeiros e administrativos aplicados num único setor, mas a responsabilização e a eficácia das várias medidas tem sido pouco questionada e escrutinada, até numa ótica de custo-oportunidade: de cada vez que canalizamos mais dinheiro para este setor específico, que outras necessidades e que outros projetos de outra natureza mas igualmente importantes e vitais para o arquipélago deixamos de realizar ou de rentabilizar?
Em política, dar o peixe coloca-nos na órbita do assistencialismo e da perenização dos desequilíbrios estruturais que, muitas vezes e sem intenção, essa escolha assistencial reforça ainda mais. Por vezes, ao darmos peixe em demasia corremos mesmo o risco de desmotivar e desmantelar, por completo, a existência de uma eventual e promissora atividade piscatória competitiva e ambiciosa.
É por isso que, no meu entender, o anunciado processo de privatização do Grupo SATA irá começar ao contrário: não é pela Azores Airlines que se deveria começar pois essa é, na verdade, aquela parte da empresa que já se encontra exposta à concorrência exterior e que já funciona de acordo com as leis do mercado. As questões mais urgentes estão ligadas aos outros temas mais profundos e mais opacos:
Como realizar um concurso para voos inter-ilhas que não esteja viciado desde o início e que não fique reduzido a um único candidato?
Que alternativas existem aos 9 milhões de euros gastos nas ligações não liberalizadas entre o Continente e as ilhas do Faial, Pico e Santa Maria?
Como criar um setor aéreo mais competitivo nos Açores, a todos os níveis, desde a gestão de aeroportos pertencentes à Região ao “ground handling”, ao subsídio social de mobilidade ou às condições sob as quais as companhias não-Açoreanas operam?  
Sendo inegável o contributo e o significado que o Grupo SATA tem para os Açores, está na hora de abrir os Açores ao mundo e de atualizar a política pública de apoio ao setor aéreo.
Está na hora de acreditar que o cagárro saberá voar sozinho.  

Pedro Castro*
*Director da Sky Expert

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