Diário dos Açores

O Grito dos inocentes

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Transparência

Alguns atribuem à Igreja Católica Apostólica Romana, a coragem que teve em nomear uma ilustre comissão para apurar e relatar os crimes cometidos por alguns dos seus membros. Mas a verdade é que esta Igreja só o fez porque já vinha sendo pressionada há anos e, ultimamente, através de um abaixo-assinado apresentado por muita gente, nomeadamente pelo ex-presidente da Caritas portuguesa, Eugénio Fonseca. Não fora todas as pressões feitas, os casos cairiam no silêncio dos deuses, como aconteceu durante séculos.
A primeira vez que escrevi sob denúncias destes abusos, foi em 1982. De novo abordei o problema em 1990. E através dos anos seguintes voltava ao assunto de tempos a tempos. Fui muitas vezes confrontado por católicos conservadores, com acusações menos simpáticas mas continuei, sobretudo por reter provas de queixas por mim investigadas.
Chegados aos dias de hoje, a conclusão da comissão acima descrita traz-nos a bomba há muito sabida e hipocritamente escondida de cabeça na areia.
Os resultados da comissão no que se refere aos Açores, indica oito casos apenas, dispersos por várias Ilhas, excluindo estranhamente a maior - São Miguel. Ou seja, na Ilha com mais de metade da população do Arquipélago, a comissão não apresenta um único caso, o que é obviamente contrário à realidade.
O que aconteceu? Só podem ter prescrito. Passaram anos demais e a comissão só consegue apresentar os que ainda se encontram nos prazos do tempo.
Portugal, Madeira e Açores, apresentam o maior número de casos da Europa em termos percentuais. Foram validados 512 testemunhos. Destes, apenas 25 processos podem (ou não) chegar aos tribunais. Foram ainda detetadas 4.815 vítimas, mas com muitas prescrições pelo caminho, mortes de muitos intervenientes, vítimas e agressores. Dizem ainda os números daquele relatório, que 77%dos agressores eram padres, 95% dos casos detetados prescreveram e no total as agressões são feitas a meninas (18%) e rapazes 8%. As idades das vítimas vão dos 6 aos 18 anos em ambos os sexos. A maioria das práticas destes crimes ocorreram nos confessionários, nas sacristias e até alguns nos altares dos templos.
Mas a comissão deixou bem claro que ainda ocorrem e não vão parar. A Igreja Católica tem de manter maior vigilância sobre os seus clérigos. Mas os crentes e o povo em geral têm de abrir mais os olhos. Toda a sociedade é responsável pelas crianças. Cabe a todos nós essa vigilância e denúncia sempre que se apresentem vestígios vindos da parte das crianças. Pode acontecer em todo o lado. Na escola, na igreja, no desporto, ou em qualquer outra atividade social.
O Estado português democrático há muito que é conivente com situações destas, ao continuar, enquanto Estado laico, com privilégios que perpetuam o poder da religião na sociedade. Uma situação que transitou intocável do regime salazarista para o regime democrático. Tudo isto é uma questão de poder. O medo das crianças que mesmo depois de adultas ainda conservam o receio de falar, denunciar “o senhor padre”.
“Este tipo de encobrimento por parte da Igreja Católica é uma estratégia centenária” – afirmou a teóloga Teresa Toldy, no programa “É ou não é”. E ainda outro interveniente no mesmo programa televisivo, João Francisco Gomes disse: “Estamos a falar de uma realidade de muitos casos encobertos por uma instituição que adotou procedimentos e estratégias para os encobrir”.
Depois disto, há uma regeneração completa a fazer da parte da Igreja Católica e de todos, políticos, deputados, governo e sociedade civil. Não podemos aceitar qualquer continuidade criminal neste sentido. Estes crimes nunca deveriam prescrever. É o que acontece em verdadeiros estados de Direito. “Uma maneira de impedir os abusadores, é dar-lhes a ideia de que jamais sairão impunes”.
As comissões diocesanas prometem que de ora em diante tratarão dos casos que venham a acontecer. Só agora? E quem vai confiar no lobo a guardar as ovelhas?
A comissão advertiu para o facto de estarem detetados cerca de 100 padres que ainda estão no ativo. O bispo José Ornelas Carvalho diz que não serão suspensos. A comissão entregou as provas! Que mais espera o bispo José Ornelas? Que continuem os crimes? Que Deus continue em lágrimas?
Este é o mesmo bispo que em outubro de 2022 foi investigado pela Procuradoria-Geral da República por suspeitas de “comparticipação em encobrimento” de casos de abusos sexuais de menores.
A 8 de Outubro de 2022, foi novamente envolvido no caso de um padre de Fafe, Abel Maia, acusado em 2015.Atualmente, José Ornelas é o bispo da financeiramente poderosa Fátima (Leiria).

José Soares *

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