Em prol de um mundo não exclusivamente a preto e branco, existem outros pontos de vista ou acontecimentos, que, em minha opinião, não devem passar despercebidos, à margem dos assuntos mais relevados dos últimos dias. Damos o exemplo em três casos: a luta dos trabalhadores do comércio em Angra do Heroísmo, o pacote de medidas do governo PS para enfrentar os problemas da habitação, ou a passagem do aniversário do início da ofensiva militar russa em território da Ucrânia.
Enquanto os trabalhadores do comércio de Angra desenvolviam uma luta contra o acordo coletivo que a respetiva Câmara de Comércio lhes pretendia impor, esta última à margem do diálogo com eles e com o seu sindicato representativo (mais de 200 filiados), optou por assinar nas suas costas, com um outro sindicato não representativo, um acordo coletivo potencialmente ilegal e que lhes é prejudicial. Que a Câmara de Comércio tente fugir aos compromissos de uma negociação séria e atenta aos interesses e direitos dos trabalhadores, não é de admirar, e só a luta unida destes últimos a poderá obrigar a mudar de posição. Lamentável, é o arrastamento de um outro sindicato para esta manobra, visando enganar e enfraquecer a posição dos trabalhadores e a sua unidade. Dividir para reinar, por qualquer meio, é um já velho expediente a que recorrem alguns patrões para impor a sua vontade. Os trabalhadores esses, no seu próprio interesse, terão certamente de superar tal dificuldade e repor as negociações no seu rumo certo.
As medidas anunciadas por António Costa para enfrentar os atuais e especulativos altos custos da habitação, serão seguramente muito pouco eficazes, já que se propõem apenas transferir para o Estado, ou seja para os bolsos de todos nós, o financiamento do seu sobre valor e controlar um pouco a contínua expansão do alojamento local. Mas nem por isso, em especial quanto ao arrendamento compulsivo das casas devolutas, deixou de se levantar por parte de proprietários e partidos de direita, uma amplificada onda de contestação, ancorada na absolutização do direito a dispor da respetiva propriedade e justificando a necessidade dos preços elevados com a falta de oferta e a crise na construção. À margem, duas perguntas se impõem: então as 730 000 casas vazias que há em Portugal são intocáveis e nada têm a ver com a oferta? Então, os problemas de quem deixou de conseguir pagar a sua habitação, de quem é obrigado a sobrelotar quartos exíguos em busca de um teto acessível, da falta de habitação para os jovens, perderam repentinamente toda a importância social e política que ainda há poucos dias atrás obrigava a que não ficasse tudo na mesma em matéria de habitação em Portugal?
Passou um ano sobre a invasão militar da Rússia em território ucraniano. Já muito foi dito a propósito desta data e da guerra que prossegue, desastrosa para o povo ucraniano e cada vez mais ameaçadora para a humanidade. À margem, congratulo-me, entretanto, com a rádio pública portuguesa por abrir uma exceção à cortina de ferro erguida pelo ocidente para ocultar o que se passa do outro lado. Ficámos assim a saber que sobre a região do Donbass há bombardeamentos ucranianos desde 2014, com muita destruição tanto de vidas humanas como do edificado e que as pessoas que ali vivem se sentem discriminadas no seu país, desejando ser russas. À margem, lamentável o facto de que Israel, violando abertamente a carta da ONU e o direito internacional, continue impunemente a matar palestinianos, mais de 20 já este ano, e a bombardear civis na capital Síria (15 mortos num prédio residencial), como aconteceu sábado passado, mesmo em cima do sofrimento com o sismo. Nem da União Europeia, da NATO ou dos EUA há notícia da condenação do estado de Israel pela flagrante violação continuada do direito internacional, porquê?
Mário Abrantes *