“Nenhum estudo, nem o da ANACOM, preconiza a transferência da amarração de S. Miguel para a Terceira”
Diário dos Açores

“Nenhum estudo, nem o da ANACOM, preconiza a transferência da amarração de S. Miguel para a Terceira”

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Eng. João Mota Vieira lança petição pública sobre cabos submarinos

O Eng. João Quental Mota Vieira, Engenheiro Electrotécnico (IST) e MBA (UAç), Ex-Quadro Superior da Marconi/PT e Ex-Chefe da Estação de Cabos Submarinos dos Açores, é um dos mais reputados especialistas dos Açores em cabos submarinos e tem sido o rosto na luta contra a transferência da amarração dos novos cabos submarinos de S. Miguel para a Terceira. Acaba de lançar uma petição pública (ver notícia página seguinte) que em poucos dias já vai com quase 300 assinaturas. O Eng. Mota Vieira explicou ao “Diário dos Açores” as razões da petição e da sua luta.

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Porquê está petição. O que pretende com ela?
Esta petição nasce porque está em curso a remodelação do anel de cabos submarinos CAM (Continente – Açores – Madeira), na qual foram introduzidas alterações estruturais significativas na configuração, nomeadamente nos Açores, com a transferência da principal amarração da ilha de São Miguel para a ilha Terceira.
Os Peticionários consideram que esta transferência é penalizadora para o desenvolvimento digital e socioeconómico da ilha de São Miguel.
A petição “Cabos submarinos CAM estudo de alternativas à configuração” é um acto de cidadania informada, em que exerce uma participação na discussão pública das decisões.
Pretendemos desencadear um debate na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, que conclua numa tomada de acção legislativa para que sejam estudadas em profundidade alternativas à opção da configuração do anel CAM, que o actual Governo Regional dos Açores tem apoiado e é comprovadamente lesiva para a ilha de São Miguel.
O actual Governo Regional dos Açores tudo tem feito para omitir aos micaelenses em particular a sua opção pela transferência da principal amarração do CAM da ilha de São Miguel para a ilha Terceira, refugiando-se com generalidades inconsequentes, e invocando as conclusões do estudo liderado pela Anacom, quando na realidade tal estudo não preconiza a transferência da principal amarração da ilha de São Miguel para a Terceira.
Nem este estudo, nem um outro mandado elaborar pelo anterior Governo Regional.
Desafiamos o actual Governo Regional a divulgar publicamente os estudos e a não esconder as suas reais intenções para com a ilha de São Miguel.

A petição significa que as nossas autoridades políticas não estão a ouvir a opinião pública e outras vozes especializadas no assunto? Devia haver um debate público?
Pretendendo-se introduzir alterações significativas numa infra-estrutura absolutamente crítica para os Açores, que tem apresentado elevados níveis de qualidade de serviço em 24 anos, é no mínimo estranho que não tenha havido um cabal esclarecimento público, nem as autoridades se dignem com consistência e coerência fundamentar as suas opções técnicas e políticas, tratando-se de um importante projecto estruturante para os próximos 30 anos.
No entanto, quer o Conselho de Ilha de São Miguel, quer a Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, manifestaram-se desfavoravelmente contra a opção do Governo.
É um sinal muito forte que as autoridades não devem desvalorizar e muito menos ignorar. O desenvolvimento socioeconómico dos Açores dificilmente atingirá os níveis europeus se não investirmos decididamente nos serviços digitais – e na educação -, criando condições de forte atracção e fixação de empresas internacionais.
O centro tecnológico Nonagon, localizado na Lagoa, é um excelente exemplo.
O projecto espacial da ilha de Santa Maria pode ser outro bom exemplo. A este propósito, refira-se que a ilha de Santa Maria é igualmente prejudicada pela nova configuração do CAM, o que é contraproducente com o projecto em desenvolvimento naquela ilha.
A ilha de São Miguel é o principal gerador de tráfego e tem a maior economia regional, não pode aceitar passivamente que o principal nó de telecomunicações dos Açores seja transferido da ilha de São Miguel para a ilha Terceira.  
Continuará a ilha de São Miguel a ser o principal protagonista no contexto tecnológico regional, ou ficará em inferioridade e subalterna relativamente à ilha Terceira nos próximos 30 anos?
 
Receia que haja em todo este processo interesses políticos ou de outra ordem a sobreporem-se às posições técnicas?
Neste projecto do CAM, não queremos acreditar que interesses políticos venham a suplantar critérios técnicos e económicos, sobretudo porque os mesmos interesses não foram verbalizados e muito menos validados em eleições legislativas regionais.
Inverter a ordem dos factores seria irresponsável e muito grave.
É uma opção política legítima – se verbalizada – fazer com que qualquer outra ilha tenha também acesso directo ao CAM, mas desde que não prejudique a principal economia e mais de metade da população dos Açores, localizada na ilha de São Miguel.
Ainda do ponto de vista político, não se compreende o profundo silêncio dos deputados regionais eleitos pelo círculo da ilha de São Miguel e também dos dirigentes das diversas forças políticas regionais.
Será sinal de que não têm força política no contexto regional e colocam como prioritário determinadas geometrias eleitorais desequilibradas muito próprias do sistema eleitoral regional?
Acreditamos no desenvolvimento harmónico dos Açores, só que não é lícito, nem racional, a ideia de distribuir administrativamente a economia da maior ilha por qualquer uma das restantes.
Pelo contrário, é necessário identificar e promover factores de desenvolvimento para cada ilha dos Açores. Só assim, no conjunto açoriano, o total será superior à soma de cada uma das ilhas.

Como interpreta o adiamento do concurso?
Já era esperado o adiamento.
No contexto internacional, o projecto CAM é um projecto de média dimensão. As condições genéricas são desfavoráveis e o actual contexto de grande instabilidade, agravado pela guerra, só degrada o cenário: 1) existem apenas 3 a 4 empresas internacionais com tecnologia específica para projectos do tipo transatlântico; 2) acresce uma grande procura no mercado internacional com vários projectos de grande dimensão; e 3) o concessionário IP-Telecom não domina a tecnologia dos cabos submarinos e não está identificado com as Regiões Autónomas.
Por outro, não sabemos exactamente os termos em que está a decorrer a consulta limitada ao mercado, que pode induzir atrasos no projecto pelo seu extenso âmbito. Se for nos termos enunciados pela ANACOM, em que foi formulado o objectivo de criar uma rede independente dos operadores de telecomunicações existentes, pelo contexto da IP-Telecom, é natural que a consulta seja em regime de “chave na mão” (tudo incluído).
 Portanto, além do sistema de transmissão (cabo e equipamento de telecomunicações), poderá estar incluído todas as infra-estruturas (estações de cabos, energia e sistemas auxiliares, caixas e condutas, estruturas de amarração, etc), licenciamentos, etc, formando um conjunto de subempreitadas bastante heterógeno num único contracto global, certamente propício a um cronograma temporal bastante extenso.
Contudo, o adiamento do projecto por mais um ano poderá ser benéfico, de modo a criar uma oportunidade para a introdução de alternativas mais racionais e eficientes às opções anunciadas pelo Governo.

Como acha que tudo isso vai acabar?
A substituição dos cabos submarinos é uma necessidade material irrefutável, quer do CAM, quer do anel inter-ilhas.
O tempo não perdoa, nem as condições adversas em que os sistemas operam.
Temos dois principais factores negativos a considerar: 1) o fim da vida útil dos segmentos submersos, com o consequente aumento da taxa de avarias e da indisponibilidade operacional; e 2) as próprias limitações de capacidade (largura de banda) de sistemas desenhados há 30 anos, que já estão a operar acima das suas capacidades nominais.
Portanto, o processo de remodelação dos cabos submarinos não pode ser adiado por muito mais tempo, e muito menos impedido, a não ser que queiramos voltar ao século XIX.
Todo o processo deverá ser conduzido com base na racionalidade técnica e económica, considerando um horizonte de longo prazo, nunca em qualquer conjuntura actual e pontual, e não prejudicando a ilha de São Miguel em favorecimento de uma qualquer outra ilha dos Açores.
No contexto regional não se deve confundir a centralidade económica com a centralidade geográfica. No fim de todo o processo esperamos que a ilha de São Miguel mantenha a principal amarração do CAM nos Açores e que,também, continue a ter o principal nó do anel inter-ilhas.
Qualquer outra solução é certamente um retrocesso, que não deixará de ter negativas consequências futuras nos Açores.

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