Diário dos Açores

O Terramoto de 1522 que arrasou totalmente Vila Franca

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Mil quinhentos e vinte e dois
Vinte e dois do dez lembrado
O problema foi depois
Como aqui vai ser contado

Até pareceu mentira
Mas aquela quarta-feira
Nem uma brisa corria
Só a água da ribeira

Ás duas da manhãzinha
Com o céu muito estrelado
Toda a gente na caminha
Tudo mesmo acomodado

Nem Capitão Donatário
P’lo bom tempo que fazia
Não previa o contrário
Mas a terra estremecia

Como estava no Cabouco
Há dias o Capitão
Ali terra tremeu pouco
Mas foi grande a confusão

Na casa do Capitão
Só a parede rachou
Era nova a construção
Por isso se aguentou

Dentro da propriedade
Muros e casas caíram
E o filho de pouca idade
Com mulher dali fugiram

Pois as casas de madeira
Dos escravos e pessoal
Caíram logo à primeira
Com os muros do quintal

Sendo grande a agonia
Aí Capitão pensou
Foi no resto da família
E o que na Vila deixou

Das seis Vilas só faltava
Elevar a Povoação
Mas Vila Franca pensava
Muito mais o Capitão

Na angústia que estava
Não esperou por ser dia
E o seu cavalo montava
Para saber da família

D. Filipa Coutinho
A mulher do Capitão
Também se pôs a caminho
Lá naquela escuridão

Já perto da Vila estava
Só nuvem de pó se via
Alguém a pé encontrava
Mas pouco se percebia

Dilúvio está a chegar
Diziam com agonia
Eram todos a gritar
Por Deus e Santa Maria

Pó e fumo pelos ares
O Paço desapareceu
Até quintas e pomares
A terra, Vila escondeu

Pois uns montes desabaram
Terra, edifícios cobriu
Igrejas, casas taparam
Só desgraça ali se viu

Rabaçal e Louriçal
Os montes que arrasaram
Mesmo toda a Capital
Onde poucos se salvaram

Mais de quatro mil morreram
Era terra em todo o lado
Muitos não se aperceberam
Estava tudo enterrado

Rui Gonçalves o Capitão
De nome era o segundo
Na noite da perversão
Pensou ser o fim do mundo

O pior do seu pensar
Foi perder numa manhã
Seus amigos e seu lar
Filhos, filhas e uma irmã

Pois na Vila acudiram
Os das quintas não distantes
E os que nos montes viviam
Também foram importantes

O pior foi começar
Todo o caso era urgente
Tinham que era escavar
Mesmo lá com pouca gente

Pelos gritos abafados
E variados barulhos
Eram vivos enterrados
Entre a terra e os entulhos

Ali o cão foi valente
Chamava com seus latidos
Escavavam e tinha gente
Muito mais mortes que vivos

A terra tudo cobria
Mas nas ombreiras das portas
Se pessoa viva havia
A maior parte eram mortas

Ouve completas famílias
Que morreram a dormir
E outras com agonias
Por não poderem fugir

A terra cama levou
O marido só corria
Ela a dormir se salvou
Mas ele a fugir morria

Um bebé recém-nascido
Uma mãe e uma parteira
Foi parto bem sucedido
Mortas de outra maneira

Além dos mortos que havia
Algum vivo se encontrava
Neste tempo de agonia
Muita coisa se passava

Com lodo até à cintura
Tranca da porta cortou
Não tinha muita espessura
Mas um machado o salvou

Entre uma e outra cena
Mais uma que se passou
Debaixo de uma empena
Um filho o pai salvou

Uma mulher encontrada
Pois mais uma se salvou
Com dois dias soterrada
Viveu, mas não mais falou

Ali perto da ribeira
Três dos homens escaparam
Entre entulhos e madeira
Nove dias aguentaram

Só lhes restavam rezar
E p’ra Lisboa partir
Se foram p’ra não voltar
Vieram no ano a seguir

Chegando um familiar
Ao terreno soterrado
Mandava ou ia cavar
Se este lhe foi herdado

Ao escravo lá dizia
Quem encontrasse o dinheiro
Tinha carta de alforria
Até para o estrangeiro

Um ou outro até calhou
Depois de muito cavar
A liberdade chegou
Outro foi até cansar

Se pobre em rico ficava
Escavando o dia inteiro
Escondia o que encontrava
Como alfaias ou dinheiro

Se à praia o mar trazia
O que a terra arrastou
Algum pobre ficaria
Muito rico e não cavou

A par das escavações
E do limpar dia a dia
Começaram construções
E a Igreja se fazia

Entre aquele que embarcava
Por interesse alguém ficou
Mas se na igreja ajudava
Capitão o ajudou

Com a fé e esperança
E com Deus no coração
Até mesmo a criança
Ajudou na construção

Lá mandou o Capitão
E até cedros se cortaram
P’ra dar à reconstrução
E aos pobres que ficaram

Igreja se acabaria
E o Capitão Donatário
Mandou ir em romaria
À Senhora do Rosário

Se escolheram um dia
Todos os anos há hora
Lá saia a Romaria
Pedido a Nossa Senhora

Isto em tempos antigos
Já se sabe a Romaria
Se lá iam os amigos
Maior parte era a Família

Todos os anos a crescer
Rezando a Nossa Senhora
Na Religião quem quer crer
Alguns estão Ilha fora

3 anos infelizmente
Não saiu p´la Pandemia
Verdade com menos gente
Saiu hoje a Romaria

João Sardinha *

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