Diário dos Açores

Sobre abusos e relatórios

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Tinha prometido a mim próprio não escrever sobre os abusos sexuais sobre menores no âmbito da Igreja Católica e o relatório a eles referente, encomendado pela própria Conferência dos Bispos Portugueses, divulgado recentemente com grande eco na Comunicação Social. É uma história tão triste, que preferiria não ter de revolver o assunto!
Aconteceu, porém, que veio ter-me às mãos o texto, que me permito reproduzir no final destas breves reflexões, com a devida vénia, da autoria, nem mais nem menos, do Cardeal Tolentino Mendonça, no qual se contêm, de forma exemplar, os conceitos e atitudes genericamente partilhados a respeito da questão e com os quais me identifico.
O principal é assumir as responsabilidades pelos factos, lamentáveis, em vez de dispersar as atenções apontando a outros alvos, menos ainda invocar uma pretensa impecabilidade da Igreja, que não vive apenas na Mente Divina, mas é uma personalidade histórica, encarnada por sucessivas gerações, com erros e até crimes bem notórios, dos quais convém muito pedir perdão. A este respeito considero um corajoso acto profético o pedido formal de perdão por diversos episódios da História, entre os quais avulta a Inquisição, aliás expressamente mencionada em tal oportunidade, levado a efeito pelo Papa João Paulo II, num domingo de Quaresma do Grande Jubileu do Ano 2000.
A este famoso Papa, hoje reconhecido como Santo, fica a Igreja devendo também o primeiro sinal de alarme sobre os abusos sexuais de menores no âmbito eclesiástico, nos Estados Unidos da América. João Paulo II convocou para Roma os cardeais americanos para exigir que fosse posto termo às práticas de ocultação correntes naquele país, denunciadas pela primeira vez graças à investigação corajosa conduzida por um grupo de jornalistas, liderado por um descendente de emigrantes açorianos, de nome Resendes. Não me recordo se foi nessa mesma intervenção, por mim lida na edição semanal em português do Osservatore Romano, ou noutra sobre o mesmo assunto, que o Papa usou a expressão paulina: Flens dico! (digo a chorar!) - para exprimir o seu desgosto e a sua vergonha por tais actos deveras horrendos e até criminosos.
Ora, em minha opinião, é exatamente a recusa de olhar o problema de frente e as práticas censuráveis de ocultação que explicam a zanga de muitas pessoas, especialmente entre os crentes e até católicos praticantes, contra a Igreja e a Hierarquia em primeira linha. Pelo contrário, a clara assunção de um princípio de tolerância zero e a responsabilização criminal dos prevaricadores, é o caminho certo para a reconciliação dos fiéis, muitos dos quis se afastaram, com a Instituição. E quero crer na sinceridade das pessoas que, afirmando-se alheias à mesma, declaram reconhecer a importância da Igreja  na sociedade em geral e na sociedade portuguesa de modo especial, pela sublimidade da mensagem de que é depositária e tem dever de transmitir fielmente e pelo valor indesmentível das suas iniciativas no âmbito socio-caritativo, de resto cada vez mais necessárias e mesmo imperativas, face à crise em que vivemos, para não dizer em que nos vamos, como País, afundando.
E venha agora o mencionado texto do Cardeal Tolentino Mendonça, datado de 14 de Fevereiro de 2023, que tem a forma de uma oração, subordinada ao título “Reconstruir a Tua Igreja”.
“Ensina-nos, Senhor, o renascimento paciente depois das duras desilusões que nos atingem. Não nos deixes reféns do mal que ganha forma na nossa história e nos captura com mil amarras diversas, tantas dessas inegavelmente trágicas. Ajuda-nos nesta hora a colocar no lugar do mal aquele bem que brota apenas da verdade e do perdão.
Ensina-nos, Senhor, a olhar com humildade o retrato que nos desgosta e a reconhecer como um caminho que deve ser percorrido o áspero cúmulo de ruínas.
Ensina-nos a colocar acima de tudo a integridade da vida de cada pessoa e a proteger de forma inequívoca os mais pequenos e frágeis. Que consideremos essa proteção como um dos pilares que sustentam a espiritualidade e a façamos equivaler à mais perfeita expressão de tudo o que nos liga a Ti.
Ensina-nos a assumir com responsabilidade a lição das feridas profundas que tantos transportam e a não desviar a nossa atenção daqueles que esperam da comunidade reconhecimento e justiça.
Não nos deixes ficar de braços caídos. Ensina-nos, Senhor, como o fizeste com o jovem Francisco de Assis, a reconstruir a Tua Igreja.”

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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