Diário dos Açores

Os quinhentos anos de Gaspar Frutuoso

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Opinião

Por uma tarde amena deste fevereiro lisboeta, fui até à Biblioteca Nacional para um colóquio sobre Gaspar Frutuoso, o nosso Heródoto, açoriano.
Devo dizer que a princípio hesitei, não estava nada inclinada a ir. E já explico porquê. 
É que eu via o Gaspar Frutuoso envolvido num quase sacrilégio ao negar a existência da Atlântida, a nossa Atlântida. Era, para mim, como que um impiedoso  corte de raízes à evocação do sonho de um lugar e de um tempo encantatórios. 
Não gostamos nós, açorianos, de lembrar que as nove ilhas que habitamos terão sido o resto da fabulosa Atlântida que se afundou? Além disso, tenho grande admiração por Platão, o criador dessa Atlântida e de tantas outras coisas interessantes.
Mas quando soube da presença do Onésimo e da Leonor no dito evento, deixei de hesitar. O Onésimo tinha o dom de pôr brilho e interesse em assuntos menos interessantes, ou não lhe conhecesse eu esse poder.
E valeu a pena. Eu, que sou mais virada para a escrita criativa de coisas e de situações  que se imaginam (e  apesar da negação da Atlântida),  rendi-me ao Gaspar Frutuoso e àquilo que ele escreveu sobre a nossa gente e a nossa terra nos cinco volumes de Saudades da Terra.
Dele pode dizer-se que inovou entre nós um olhar genuinamente empírico frente a coisas novas que precisavam ser entendidas segundo o que os olhos viam. Os navegadores dos séculos XV e XVI revelavam com as suas descobertas muita coisa nova e tinham, por isso, uma atitude de exaltação ao conhecimento adquirido por experiência própria. Gaspar Frutuoso insere-se neste grupo e na tradição de cientistas como Pedro Nunes e Garcia Orta que, com uma mentalidade toda voltada para a evidência empírica, ousaramconfrontar a autoridade dos clássicos gregos.
Gaspar Frutuoso escreve (1580-1592)  um século o meio depois da chegada dos primeiros habitantes aos Açores, refletindo na sua escrita uma observação direta e minuciosa do mundo que o rodeia, isto é, de toda a Macaronésia, Açores Madeira e Canárias, incidindo de modo especial sobre os Açores e dentre as nove ilhas, sobre S. Miguel onde nasceu e exerceu sacerdócio. 
Ficou na História como  historiador, sacerdote e humanista que também se debruça sobre as nossas plantas, aves e peixes, bem como a geologia e as erupções vulcânicas.
Infelizmente Gaspar Frutuoso é quase desconhecido fora dos Açores. Não sendo caso único.
Casos de descobertas portuguesas inovadoras que nunca foram conhecidas fora de Portugal, acabam por ser “reinventadas” séculos mais tarde por estranhos de outros países estranhos. 
“Gaspar Frutuoso, o homem e a obra” de Avelino Meneses abrilhantou e enriqueceu este colóquio que não haveria de acabar sem um convite desafiante de Onésimo a Avelino de Meneses: a organização de ma Antologia de “Saudades da terra ”para ser traduzida em inglês.
O mapa da história da Ciência ficará, decerto, mais rico com o nome de um português talentoso, como foi Gaspar Frutuoso. 
 

Maria Luísa Soares

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