Diário dos Açores

Da Saúde ao Miramar

Previous Article Aires Silva: Atleta e treinador conceituado nas corridas de meio fundo e fundo do Atletismo Açoriano
Next Article Força Aérea  transporta rações de aves para as Flores Força Aérea transporta rações de aves para as Flores

1. A inauguração, esta semana, do Hospital de campanha da Ilha do Corvo - equipamento cedido pelo Exército para substituir as instalações do Centro de Saúde, enquanto durar a sua remodelação - foi notícia de destaque, a par com a entrada em funcionamento dos novos equipamentos do Serviço de Imagiologia do Hospital de Santo Espírito da ilha Terceira, no valor de um milhão de euros e da tomada de posse dos novos responsáveis regionais da Ordem dos Médicos.
Na semana anterior, o dirigente da Secção Regional da Ordem dos Enfermeiros, visitara os equipamentos de saúde da Ilha do Pico, tendo denunciado a falta de 63 enfermeiros nos três centros de saúde.
Essas lacunas foram confirmadas pela presidente da Unidade de Saúde da Ilha do Pico (USIP), em encontro mantido com o deputado do Bloco de Esquerda.
Dos 30 enfermeiros solicitados à tutela pela USIP – afirmou a sua Presidente - apenas foi autorizada pela tutela a contratação de cinco (!).
A par da comprovada falta de pessoal de enfermagem, está também a degradação das instalações.

Após visitar o Centro de Saúde das Lajes do Pico (CSLP) o responsável pela Ordem dos Enfermeiros declarou que “não se pode continuar por muito mais tempo nas instalações provisórias”, cujas “condições são extremamente difíceis e desmotivantes para um cuidar com qualidade à população local”. Posição idêntica tomou o deputado bloquista, solicitando do Governo uma decisão sobre um problema que arrasta há demasiado tempo.
Recordo que o CSLP foi provisoriamente instalado no antigo edifício da Escola Secundária, enquanto decorressem obras de ampliação. O empreendimento, porém, não foi concluído, por incumprimento do empreiteiro.
No seu manifesto eleitoral os candidatos do PSD pelo Pico assumiram o compromisso de construir um novo edifício, uma vez que o antigo pertence à Misericórdia local.
Em maio de 2021, Clélio Menezes reconheceu que a população servida pelo Centro de Saúde das Lajes do Pico devia ter “as condições dignas e adequadas para uma melhor saúde”. Todavia, não advogou “a construção de um novo centro de saúde (o qual) levaria quatro anos, comportaria elevados custos e não seria a decisão mais responsável” E acrescentou: “Responsável é avançar de imediato para a conclusão da remodelação deste espaço, sem prejuízo de avaliarmos a médio e longo prazo a construção de um novo centro de saúde nas Lajes”.
Passaram, entretanto, dois anos e nenhuma decisão tomou o Governo, apesar do Município local já ter apresentado alternativas à localização de novo edifício, prometido há quatro décadas, – diz a Presidente da Câmara local, em resposta a uma deliberação apresentada pelo PSD na Assembleia Municipal visando continuarem as obras do edifício antigo.
O exemplo do Hospital de campanha do Corvo, dotado de equipamentos e condições satisfatórios aos cuidados primários de saúde, veio provar que pode ser aplicado, em situações semelhantes noutros centros de saúde, onde não existem aparelhos de ecografia, de oftalmologia, e outros que a USIC apresenta na sua página do FB.
Há programas da UE destinados a dotar as regiões de melhores cuidados de saúde para garantir a todos os cidadãos europeus qualidade de vida, nas mais diversas situações, nomeadamente em viagem.
Que impedimentos surgem para que esses investimentos sejam permanentemente inviabilizados?
Ainda recentemente foi divulgada a necessidade da criação de um Centro de Saúde na cidade da Lagoa e de um novo edifício para o Centro da Ribeira Grande.
Por mais obras que se faça nas instalações do antigo Convento dos Franciscanos, elas nunca serão adequadas ao bom funcionamento dos serviços, ao conforto de utentes e doentes e às valências que elas poderiam dispor para atenuar a sobrecarga a que o HDES está sujeito, não só devido à dimensão populacional das Ilhas de São Miguel e Santa Maria, como também para atender aos cuidados clínicos prestados aos doentes de outras ilhas.
No setor dos cuidados diferenciados de saúde, uma visão paroquial contraria boas práticas e necessidades emergentes, e afeta os açorianos mais débeis ou de ilhas com menores recursos sem capacidade para poderem recorrer a hospitais do continente.

    2. Perante a complexidade dos problemas de saúde e da urgência em tomar decisões para que qualquer açoriano aceda a esse bem essencial, desviar as atenções da opinião publica para matérias que, embora relevantes, não estão a nosso alcance resolvê-las, parece-me mera retórica.
Entre nós, à nossa dimensão e em ambiente pacífico, há questões sociais de consequências graves, que não podemos ignorar.
A anunciada venda em hasta pública do Cineteatro Miramar, da Vila de Rabo de Peixe, revela a mentalidade centralista dos gestores do Teatro Micaelense e o desconhecimento das iniciativas que decorrem num edifício recuperado, com apoios dos fundos EFTA, num projeto integrado que envolveu outros projetos sociais.
Os países financiadores, não compreenderiam que entidades públicas açorianas se deixem levar por um economicismo serôdio, que deita por terra uma missão cultural transformadora, dinamizadora de uma sociedade cuja identidade tem contornos singulares a preservar.
Pergunto-me, eu que assinei o abaixo-assinado contra a venda do Miramar, como é que a sociedade gestora e a tutela da Cultura, num ímpeto neoliberal, deixaram de acreditar na função social daquele Cineteatro considerado “espaço de intervenção importante, não só ao nível recreativo, como também, e sobretudo, sócio-educativo.” Mais: que tem feito a Sociedade “Teatro Micaelense” para descentralizar os seus espetáculos naquela sala, proporcionando às populações da periferia o interessante contato com artistas que eles também conhecem? Ao ponto do Presidente da Junta e deputado regional do PSD ter sentido a necessidade de vir a público denunciar a deliberação e agitar a opinião pública para contrariar a decisão.
Não chega vir o Presidente Bolieiro dizer ao autarca rabopeixense que o Governo “nunca equacionou a venda deste imóvel”. Impõe-se que, de imediato, os gestores do Teatro Micaelense apresentem uma alternativa séria e válida para viabilizar os equipamentos à sua responsabilidade, demonstrando assim que estão sintonizados com a tutela. Seja em parceria com outros organismos locais, seja com outras entidades ligadas à cultura.
De contrário o que parece garantido hoje, amanhã pode não estar.
Por se tratar de “um espaço intensamente vivido por crianças e jovens, que o frequentam diariamente” 1 aliená-lo seria a Região demitir-se de uma função primordial do bem-comum.
A História encarregar-se-ia de incriminar os decisores políticos e governamentais, pela sua visão centralista que, frequentemente, condenam nos estranhos.
Espero que tudo isto sirva de lição a outros intentos neoliberais que grassam por aí, encobertos por capas de gestões de merceeiros, cujo paradigma são cifrões que enriquecem uns poucos e minimizam a alma do povo dos Açores.

1 https://www.teatromicaelense.pt/miramar/

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

Share

Print

Theme picker