Diário dos Açores

Três arquipélagos. Até quando?

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Os açorianos, em meados de março de 2020, viviam rodeados de enormes incertezas geradas pela COVID 19, quando o Governo de Vasco Cordeiro decidiu “suspender as ligações marítimas de passageiros e viaturas da Atlânticoline entre todas as ilhas da Região, exceto as ligações de transporte de carga ou casos de força maior, desde que devidamente autorizadas pela Autoridade de Saúde Regional.” A medida entrou em vigor às 18h00 do dia 19 e vigorava até 31 desse mês.
Foi a machadada letal no transporte marítimo de passageiros e viaturas entre todos os grupos de ilhas, efetuado por navios ferry de média capacidade, contrariando idêntico serviço prestado entre a Madeira e Porto Santo, cuja rota não foi interrompida.
Estava aberto o precedente para que o novo Governo dos Açores, esquecendo o seu compromisso eleitoral de manter e melhorar esse serviço público entre Santa Maria e Flores, decidisse extingui-lo.
A Tarifa Açores, segundo foi afirmado, facilitaria aos açorianos a mobilidade aérea inter-ilhas com maior rapidez e os elevados custos financeiros reverteriam para compensar a SATA da redução das tarifas.
Com o fim da pandemia, o destino Açores retomou e até ampliou o número de visitantes, contra todas as expetativas pelo que a procura pelos serviços de rent-a-car fez subir os preços.
Os açorianos, com menor poder de compra, foram os mais penalizados, sobretudo os residentes em São Miguel e Santa Maria, ilhas a quem foi negada a possibilidade de viajar em navios ferry.
Não se julgue, porém, que os açorianos do Grupo Central viram a sua mobilidade facilitada. Nada mais falso. Apesar de os responsáveis da Atlanticoline terem anunciado aumentos no número de passageiros (500 mil) e viaturas transportados (32 mil), nas viagens entre Faial-Pico-São Jorge-Graciosa e Terceira, importava saber qual o número de viagens recusadas para as viaturas, já que o Ferry Gilberto Mariano só transporta 12 e o Mestre Jaime Feijó 15.  
As duas embarcações foram construídas com vista ao tráfego diário entre o Canal Faial-Pico e não para as viagens das outras linhas até à Terceira. Esta ilha, devido à sua população, gera, naturalmente, um maior movimento de viaturas, mas as duas embarcações usadas para o transporte marítimo de passageiros e viaturas não dão resposta.
O encerramento, em agosto de 2021, da linha amarela do contrato de serviço público de transporte de passageiros e viaturas, entre Santa Maria e as Flores, constitui, pois, uma descriminação para os açorianos das outras ilhas residentes no grupo oriental, e um impedimento ao tão apregoado comércio interno de produtos regionais: seja para os produtores micaelenses de melancia e de outros hortícolas que transacionavam, facilmente e sem demoras, as suas mercadorias, seja para os próprios passageiros que visitavam as diversas ilhas em viatura própria, sem mais encargos.
A extinção deste serviço público marítimo constitui, por outro lado, um entrave à mobilidade dos açorianos e atenta contra o próprio artº 349 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Ainda recentemente, o Subsecretário da Presidência, Faria de Castro, defendeu em Bruxelas ser “essencial” que essa disposição criada para as Regiões Ultraperiféricas (RUP) seja “automaticamente aplicado em todas as iniciativas legislativas da Comissão Europeia”, através da criação de um POSEI- transportes.
O governante açoriano justificou a medida afirmando que “Nada acontece nos Açores sem transportes. Sempre foi assim. O mar e o ar são as nossas estradas” e constituem “o elemento determinante na caminhada da continuidade territorial e da coesão territorial” da UE.
Esta justa reivindicação não pode obrigar apenas a Comissão Europeia. Cabe, em primeira linha, à Região proceder em conformidade e exigir os apoios suficientes para a diminuir os constrangimentos dos residente na ultraperiferia, que impedem “o ritmo e a eficácia da aplicação das políticas da União” (artº349 TFUE).
Dessas iniciativas usufruirão não só os açorianos residentes, bem como todos os cidadãos europeus, quando em deslocação pelos 21 estados membros.
Conscientes destes direitos, entidades representativas da ilha de Santa Maria contestaram, em 2021, a extinção do transporte marítimo de passageiros e viaturas no Grupo Oriental, invocando prejuízos à mobilidade de pessoas e bens e à própria economia da ilha que, durante o Verão, conhece uma apreciável frequência de visitantes da ilha de São Miguel.
Na altura o Executivo, talvez para ganhar tempo, anunciou a elaboração de um estudo sobre Transportes Marítimos e a planificação de ligações em moldes diferentes, recorrendo a operadores privados.
Até agora, não há notícia desses estudos e promessas.
Estamos a três meses do Verão e quem pretende fazer férias fora, a partir do grupo oriental, viajando pelas ilhas em viatura própria, terá muita dificuldade em realizá-las, dados os elevados custos do serviço de rent-a-car.
Em 2019, o deputado do PSD pelo Pico, Marco Costa criticou, com razão, o executivo anterior porque “todas as decisões sobre a operação do verão de 2019 deveriam ter sido tomadas com a devida antecedência, por forma a lidar com eventuais imprevistos”. Acrescentou mesmo haver “falta de profissionalismo e o amadorismo” o que prejudicava os açorianos por colocar “em causa a mobilidade e o desenvolvimento do turismo em muitas ilhas, em especial as mais pequenas”.
Passados estes anos, esperava-se que o mesmo parlamentar regional viesse a terreiro pronunciar-se sobre a decisão do atual executivo e os prejuízos causados pela falta de mobilidade e desenvolvimento turístico das ilhas mais pequenas. Só desse modo demonstraria congruência de procedimentos.
Espero que esta minha repetida chamada de atenção sobre tão importante problema que afeta a mobilidade, a unidade insular e o próprio mercado interno volte à agenda do Parlamento e do Governo. Para que o “mar e o ar” sejam, de fato, as nossas estradas e elementos determinantes da continuidade e coesão territoriais.

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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