Diário dos Açores

Alguém sente o IVA zero?

Previous Article Previous Article A ervilha verde
Next Article Região quer continuar a aprofundar “participação no processo de integração europeia” Região quer continuar a aprofundar “participação no processo de integração europeia”

Entrou em vigor, a nível nacional, o IVA zero, para um conjunto de 46 produtos alimentares.
No Continente foram anunciadas algumas medidas de informação complementar, o primeiro-ministro visitou hipermercados, a ASAE confirmou a admissão de mais agentes para fiscalizar e o governo contratou uma empresa privada para monitorizar os preços.
Por cá, silêncio absoluto.
Não se sabe se o IVA zero se aplica aos mesmos produtos ou se existem outros a acrescentar à lista nacional, ninguém conhece como está a ser feita a fiscalização da baixa dos preços, quem os monitoriza e se já houve infracções. Tudo à imagem e semelhança da lentidão da nossa governação regional.
Enquanto os consumidores açorianos não sabem se estão a comer gato por lebre, a inflação por cá, ao contrário do país, vai galopando e já ultrapassa os 21% nos bens alimentares, uma taxa acima da média nacional, da Madeira e da Europa, o que diz bem da enorme especulação comercial que está a ser feita nesta região, atendendo ao IVA mais baixo nas Regiões Autónomas.
O último boletim do Índice de Preços ao Consumidor publicado pelo SREA, referente ao mês de Março, traz duas más notícias e duas boas.
As más: os preços dos produtos alimentares não transformados continuam em escalada, sem se perceber porquê e a taxa de inflação média continua a subir, ao contrário do restante território nacional e madeirense.
As boas: o ritmo de crescimento dos produtos energéticos está a abrandar e a taxa de variação do vestuário e calçado está a descer.
O foco das famílias, neste momento, está nos preços do cabaz alimentar e é aí que o governo deveria estar a actuar com mais poder fiscalizador, porque a percepção de toda a gente que vai ao supermercado é que não se nota qualquer redução de preços nos bens essenciais, bem pelo contrário.
Razão tem Mário Centeno quando alerta que o IVA zero poderá não ser sentido pelos consumidores finais porque os preços variam todos os dias e “é difícil” avaliar o impacto da redução da taxa, sobretudo se não houver uma monitorização rigorosa na distribuição.
De qualquer modo, na semana em que entrou em vigor a isenção do IVA no conjunto dos 46 produtos alimentares, o preço do cabaz de bens essenciais encolheu mais de três euros, passando a custar 222,95 euros, segundo as contas realizadas pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco).
É a segunda semana consecutiva a recuar de preço, desconhecendo-se o que acontece por cá, mas tudo indica que a inflação de Abril deverá recuar. Seria escandaloso se assim não fosse.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) já antecipou “uma redução progressiva” da taxa de inflação nos próximos meses, uma trajectória que é explicada como “consequência aritmética do chamado efeito de base”.
A explicação é simples: uma vez que os preços aceleraram tanto na primeira metade do ano passado, a inflação começar a sentir o impacto do “efeito de base”, refletindo-se em subidas dos preços não tão intensas como tivemos até agora.
Esta desaceleração está mais lenta nos Açores e se persistir no final deste mês de Abril, então já é um caso de polícia, porque alguém nos anda a enganar.
O Banco de Portugal analisou este fenómeno da inflação na categoria dos bens alimentares não transformados, concluindo que foram os que mais contribuíram para o diferencial de inflação face à área do euro em fevereiro de 2023.
 Os efeitos do preço foram significativos neste grupo de bens, em particular, nas frutas, nos hortícolas e nas carnes.
O contributo dos bens transformados foi menor, com efeitos preço nalguns itens a serem parcialmente compensados por efeitos estrutura negativos noutros.
Como se sabe, a evolução dos preços dos bens alimentares tem particular importância para as famílias de menores rendimentos, dado representarem uma parcela significativa das suas despesas, com especial relevância para os Açores, onde temos o maior índice de pobreza do país.
Os rendimentos da maioria dos açorianos já eram os mais baixos do país e evoluíram menos do que a média nacional, pelo que o impacto do  aumento do custo de vida nas famílias açorianas está a ser muito maior, a que se junta a subida das taxas de juro, outra dor de cabeça que está a afligir as famílias.
A agravar o cenário, chega-nos a notícia de que a carga fiscal em Portugal voltou a renovar máximos históricos, ao atingir 36,4% do PIB em 2022.
Esta subida de 14,9% face a 2021 dá-se à boleia da inflação, mas também com o “crescimento do emprego remunerado, as atualizações salariais e a subida do salário mínimo”.
É o maior aumento da carga fiscal desde 2013 e só confirma o que os cidadãos contribuintes vão sentindo todos os meses, com os enormes impostos, taxas e taxinhas em que os seus salários são “rapados” pela implacável máquina do Estado, o único que esfrega as mãos com a inflação, arrecadando impostos extraordinários que não os devolve na totalidade.
Só o IVA representa mais de 40% da receita fiscal do Estado e quase 10% do PIB, não surpreendendo, por isso, a relutância dos governos em baixar o IVA.
Até a inflação voltar aos tão desejados 2%, vamos continuar a penar.
A boa notícia é que este é um fenómeno passageiro.
Já o problema estrutural dos Açores, que é a não criação de riqueza, é o nosso verdadeiro calcanhar de Aquiles.
Com o sério problema demográfico que estamos a enfrentar em quase todas as ilhas, a não retenção de talentos jovens e a cada vez maior utilização de mão de obra barata e precária, o bloqueio económico regional vai persistir e não se perspectiva nenhum milagre económico nos próximos tempos, até porque já estamos altamente endividados e a empurrar uma pesada herança para as gerações futuras.
A tão badalada bazuca europeia parece um sonho já sem força motivadora e os 360 milhões de euros, agora anunciados, no novo sistema de incentivos destinado às empresas, vão esfumar-se como o sistema anterior se continuar a ter como destinatários sempre os mesmos.
A intenção de majorar os concelhos é boa, mas é preciso vigilância redobrada para que os incentivos não se tornem num instrumento de contornos eleitorais e beneficiando quem não tem massa crítica suficiente para criar investimento reprodutivo.
Este ano económico vai ser crucial para se definir investimentos nos nossos recursos produtivos.
É preciso muito dinamismo, mais rigor e menos burocracia administrativa, que é outro problema que afecta o nosso desenvolvimento.
Para maus exemplos, já bastaram as famigeradas Agendas Mobilizadoras.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

Share

Print

Theme picker