Diário dos Açores

Cumprir Abril!

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Opinião

Ignoro se foi por inspiração de um certo poema de Fernando Pessoa, na “Mensagem”, sobre faltar cumprir Portugal, que o termo que serve de título a esta crónica entrou na linguagem comum sobre a Revolução do 25 de Abril. O certo é que se tornou frequente ouvir dizer que falta cumprir alguma coisa do ideário da Revolução, simplificada pela alusão ao mês em que ocorreu, cada um dando à expressão em causa o seu próprio conteúdo, conforme os pontos de vista em que assenta afinal a sua posição ideológica.
Assim, para as correntes situadas mais à esquerda, para “cumprir Abril” seria necessário retomar as nacionalizações, a reforma agrária e o controle operário, conforme os modelos comunistas aplicados à força durante o período mais agudo da Revolução. Mas onde isso já vai... Com o movimento político-militar de 25 de Novembro, verificou-se um reequilíbrio de forças fundamental e retomou-se o rumo prometido aos Portugueses do dia 25 de Abril, de construção de uma sociedade democrática nos moldes correntes na então designada por Europa Ocidental. Recorde-se que tudo isso se passou em 1974, há 49 anos portanto, quando o Muro de Berlim ainda estava bem firme e o nosso Continente se encontrava dividido ao meio, com a Rússia, “sol da Terra” para alguns dirigentes comunistas, estendendo o seu império, conquistado na IIª Guerra Mundial ou no rescaldo dela, até bem longe das suas fronteiras históricas.
Além disso, a revisão constitucional de 1982 e mais amplamente ainda a de 1989, atiraram para fora da Constituição muitos dos resquícios do colectivismo que lá tinham sido impostos durante a sua feitura inicial, por convergência de posições entre o PCP e o PS. Por mais que algum extremismo de direita embirre com o Proémio do texto constitucional -cuja manutenção tenho aliás defendido por corresponder à verdade histórica da deliberação da Assembleia Constituinte, da qual fui membro, o que de resto considero muito honroso - a realidade é que não estamos a caminho de construir uma “sociedade socialista”, seja qual for o sentido que se der a tal expressão. Por força dos compromissos assumidos com a nossa inserção nas Comunidades Europeias, hoje já União Europeia, o que predomina é o funcionamento  das regras da economia social de mercado, às vezes infelizmente até com algum défice de “social”, rendendo-se os governantes europeus aos desvarios do neo-liberalismo. 
Temos portanto um quadro económico e social correspondente aos nossos compromissos europeus e a própria Constituição tem sido objecto de leituras actualistas, que se revelam compatíveis com o caminho amplamente sufragado pelo Povo Português. Não quer isto dizer que não reclamemos também que Abril se cumpra! É que as promessas feitas nesse dia pelos Capitães de Abril e tão entusiasticamente acolhidas pela generalidade das pessoas ainda têm - e julgo mesmo que terão sempre - algum caminho a percorrer...
Lembram-se os mais antigos, que viveram com emoção esses dias, da euforia reinante sobre  a recuperação da Liberdade, com a extinção da Censura aos meios de Comunicação Social e da Polícia Política, com a abertura das portas das cadeias onde jaziam os presos políticos, com a fraternal convivência de todas as pessoas. Hoje quase nem memória existe dos tempos sombrios da Ditadura, mas alguma insatisfação se verifica e há um mal-estar latente na sociedade portuguesa, cujos motivos devem ser investigados e resolvidos satisfatoriamente.
Para “cumprir Abril” convém muito acelerar o desenvolvimento do nosso País e corrigir as assimetrias sociais e regionais existentes, que tanto pesam designadamente sobre as Regiões Autónomas. É afinal o terceiro D do Programa do Movimento das Forças Armadas que nos está ainda desafiando como colectividade. Quanto aos outros dois, Descolonizar e Democratizar, o certo é que, bem ou mal, já se podem considerar cumpridos!
Abro aqui um parêntese para lembrar que uma tal síntese sobre as tarefas de reconstrução nacional foi primeiramente formulada na comunicação enviada por José Medeiros Ferreira ao Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro fez há pouco tempo 50 anos. Mesmo que então, como alguns afirmam, não se lhe tivesse prestada a devida atenção, não será arriscado especular que tais teses terão inspirado Ernesto Melo Antunes na redacção do Programa acima referido. Ambos se conheciam e mantinham boas relações desde os tempos passados nos Açores e, quando assumiu a pasta dos Negócios Estrangeiros, logo este chamou o primeiro para Secretário de Estado, o que o afastou do seu lugar de Deputado à Assembleia Constituinte, eleito por Lisboa, na lista do PS.
E quanto ao necessário esforço de desenvolvimento, ainda há dias a Comissária Europeia responsável pelos Fundos de Ajuda veio lembrar que o nosso País recebeu já mais de 150 mil milhões de euros da Europa e ainda assim se deve considerar atrasado... Com efeito, desde a entrada em vigor da moeda única, Portugal pouco ou nada tem convergido relativamente às médias comunitárias; entretanto, países empobrecidos pela dominação soviética durante perto de meio século e agora já livres e até membros da União Europeia, têm-nos ultrapassado quanto a tais critérios de comparação. 
Há alguma coisa errada na nossa governação e a responsabilidade recai sobre os partidos políticos que a têm assumido em tal período, PS, PSD e o agora quase desaparecido CDS. Daí que eu defenda, já há muito e continue a defender, um alto à bipolarização política e a convergência ao centro, por duas legislaturas, dos dois maiores partidos portugueses, para a formação de um Governo com pessoas capazes e com vida própria, mandatado para realizar as reformas imperiosamente necessárias ao progresso de Portugal e ao bem estar dos Portugueses. Manter as coisas tal como estão, manifestamente não resolve os problemas nacionais; e nos Açores, apesar da nossa Autonomia Constitucional, gloriosa Conquista de Abril, sofremos as consequências. 

João Bosco Mota Amaral*
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado 
Acordo Ortográfico)     

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