Diário dos Açores

Nem tudo o que é parece, mas tudo o que parece é

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O Decreto Legislativo Regional Nº. 11/2023/A de 28 de março, SIFROTA – Apoios à renovação da frota do Tráfego Local Regional, em cujo preambulo se pode ler:
- “Já está adjudicada a realização de um estudo sobre modelos de transporte marítimo de mercadorias entre o continente e os Açores e entre as ilhas do nosso arquipélago.”
- Relativamente às empresas regionais de tráfego local, refere “o envelhecimento e degradação das suas frotas.”, o que é rigorosamente verdade.
- Referindo-se ao modelo “de transporte marítimo de mercadorias entre o continente e a Região e a ligação interilhas, independentemente dos modelos que possam vir a ser indicados pelo estudo recentemente adjudicado a uma empresa nacional, deve assentar em algumas premissas essenciais:”, entre outras, “A manutenção de um sistema privado, concorrencial e não subsidiado pelo Estado; A receção e exportação das mercadorias de e para Lisboa e Leixões a partir dos dois portos açorianos onde são movimentados cerca de 80% do total de mercadorias (Ponta Delgada e Praia da Vitória); Viagens semanais a todas as ilhas dos Açores efetuadas pelo Tráfego Local”.
Porquê estes requisitos, neste diploma? Será porque a empresa à qual foi adjudicado o estudo não é idónea e, consequentemente, o estudo nunca será credível? Ou, será o Governo Regional a impor o que o mercado, em sentido lato, não quer e nunca fará, e que nenhuma legislação poderá obrigar?
Na primeira hipótese, é óbvio que a empresa não é idónea. Se o fosse, nunca teria aceitado fazer o estudo pelo valor de 69.980,00 €. Dada a complexidade do mesmo, este valor nem dá para começar. A dita empresa, constituída em 14 de março de 2018, com um capital social de 10,00 €, que nunca ganhou um concurso e tudo o que tem feito é por adjudicação direta, e cujos CAE indicam: 70220-Outras atividades de consultoria para os negócios e gestão; 62020-Atividades de consultoria em informática; 47770-Relójios, ourivesaria e joalharia e 74900-Outras atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares. E, vá lá que percebem de relojoaria! O que seria de nós se assim não fosse? Nos seus exercícios de 2020 e 2021, faturou, respetivamente, 71.144, 00 € e 141.750,00 €, por adjudicação direta, claro está. É o que é. “Em tempo de guerra, migalhas também são pão”. No seu histórico, em termos de transporte marítimo, apenas tem o estudo do ferry para a Madeira em cujo projeto foi enterrado, sem qualquer sucesso, mais de meio milhão de euros.
Na segunda hipótese, será o Governo Regional a assumir-se, passando o ónus à ALRA? Prefiro, para já não comentar. Aguardemos.
Há, contudo, uma questão que me parece absolutamente surrealista - “não subsidiado pelo Estado”. Imagino o incómodo do Senhor Deputado Paulo Moniz, dado o excelente trabalho feito na Assembleia da República, ver a Região a desresponsabilizar a República do cumprimento do princípio da continuidade territorial algo que é, indiscutivelmente, e à semelhança de outros estados da União Europeia com regiões ultraperiféricas, sua responsabilidade, prevista em regulamentação própria. Com amigos destes cá, podemos dispensar os centralistas do Terreiro do Paço.
Quanto a “Viagens semanais a todas as ilhas dos Açores efetuadas pelo Tráfego Local”, por imperativo legal, não é possível. O Regulamento Geral das Capitanias, Decreto-Lei Nº. 265/72 de 21 de julho, no seu artigo 26 define embarcações de tráfego local como sendo, “as que operam dentro dos portos e respetivos rios, rias, lagos, lagoas e esteiros e, em geral, dentro das águas interiores da área de jurisdição da capitania ou delegação marítima em que estão registadas”. Nas alíneas j, l e m do ponto 2 dispõe, respetivamente; “Entre as ilhas de S. Miguel e Santa Maria; Entre as ilhas do Faial, Pico, S. Jorge, Graciosa e Terceira; entre as ilhas das Flores e do Corvo”.
O abastecimento em tráfego local nunca será possível a partir dos dois portos indicados. Para não ser a Cabotagem Insular a efetuar esse serviço, apesar de nada nem ninguém o poder impedir, terá de ser criado um novo tráfego. Tal implica uma Anteproposta de Lei, aprovada na Assembleia Legislativa Regional, a remeter à Assembleia da República, propondo a criação desse novo tráfego numa alteração ao Regulamento Geral das Capitanias. Aguardo, sentado, que os doutos especialistas que deram à estampa este diploma, o consigam fazer.
Os apoios à, mais do que estafada, frota do tráfego local são bem-vindos, até porque, apesar das críticas constantes ao preço dos fretes, os navios da Cabotagem Insular e do Tráfego Local são velhos, porque o negócio não liberta meios financeiros para a sua renovação. Mas, afinal, estes apoios são o quê?
Bem sei que ainda não temos a regulamentação prevista no artigo 14º., contudo, o artigo 4º. refere “75% de apoios não reembolsáveis”.75% de quê?
O Regulamento (EU) Nº. 1407/2013 que define a regra dos auxílios de estado isentos de notificação à Comissão Europeia, dispõe que o montante global, por empresa beneficiária, para um período de três anos, não poderá ultrapassar os 200 mil euros. Pergunto; que frota será renovada com este montante? Não querendo ser pessimista, talvez as embarcações auxiliares dos navios do tráfego local regional. Já não é mau, não vá algum ir ao fundo, sempre será uma safa para a tripulação.
A partir deste montante, passa a ser obrigatório, através da REPER-Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, notificar/pedir autorização à Comissão Europeia, com documento fundamentado, para criar um sistema de incentivos, auxílios de estado. Vá-se lá saber porquê, eles são avessos a estas coisas. Os doutos especialistas, lá saberão.
Não estando este processo em marcha, se estivesse já teria sido notícia com grande destaque, o SIFROTA é uma mão cheia de nada e os nossos armadores bem podem procurar apoios por outros lados.
No que diz respeito ao resultado do Exercício 2022 da Portos dos Açores, SA., congratulo-me com a facto de ser positivo. Lamentavelmente, as justificações invocadas não correspondem aos factos:
- “Aumento da capacidade operacional, crescimento da carga, crescimento de escalas, alteração de paradigma”. Confirmo os dois últimos e, relativamente ao último, reservo pronúncia para momento que considere oportuno.
- Resultado de “uma trajetória de melhoria significativa do desempenho económico da empresa nos últimos anos”. Quais últimos anos?
Vejamos; O aumento da faturação tem a ver com três fatores:
 1 - Aumento do número de escalas de navios de cruzeiro que, como é sabido, sendo de grandes dimensões, têm muita TAB-Tonelagem de Arqueação Bruta, o que implicou um aumento da faturação na rúbrica TUP/navio. Este aumento de escalas deve-se à promoção do destino Açores, efetuada há mais de uma década atrás.
2 – Efeito indireto da pandemia. Nos anos de 2020 e 2021, três navios da cabotagem insular deveriam ter feito doca o que não aconteceu. Os três fizeram doca em 2022, não tendo sido substituídos, o que implicou a mesma carga com menos navios, logo, mais escalas e mais tempo em porto, em cada escala. Acresce que, com menos navios, torna-se impossível fazer o retorno de todo o equipamento vazio o que implica segundas escalas. Tudo isto se traduz em enorme acréscimo de faturação.
3 – Duas operações de salvamento, N/T São Jorge e Felicity Ace. As duas deverão ter ultrapassado os 750 mil euros de faturação.
Como se pode constatar, relativamente ao ponto 1 não há, nem podia haver, mão da atual administração.
Os pontos 2 e 3 correspondem a receitas extraordinárias e irrepetíveis, espero eu.
Importa ainda salientar que não sendo, obviamente, apenas culpa desta administração ou do atual Governo Regional. De acordo com o estudo da Ernst & Young, as marinas açorianas são, desde sempre, financeiramente, um rombo, porque um iate paga nos Açores 50% do que pagaria na segunda marina mais barata do continente português. Ainda que duplicássemos os preços, ficaríamos ao nível da segunda marina mais barata do continente. Aqui, como no serviço prestado aos navios de cruzeiro, limitamo-nos a oferecer, a troco de migalhas, o que tanto custou a todos nós; “livres para escolher, prisioneiros das consequências”. Paga, como habitualmente, o “zé povinho” e os empresários locais que importam e/ou exportam, por via marítima, os quais, muito provavelmente, ainda não perceberam o que estão a pagar para os veraneantes náuticos terem férias de borla nas nossas marinas.
Do protocolo com a Atlânticoline, é melhor nem falar. É urgente a sua alteração. Ou talvez não. Neste caso, pagam, isso mesmo: os mesmos de sempre.

Comandante Lizuarte Machado *

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