Diário dos Açores

Como a SATA era governada

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O filme de terror que foi a gestão da SATA entre 2013 e 2019 caracteriza-se por um padrão de imensa informalidade.
Era uma empresa quase gerida como uma mercearia de esquina, com o aval do Governo, que pouco se importava com as decisões estratégicas da importante companhia aérea regional.
A leitura do relatório da auditoria do Tribunal de Contas é um pesadelo, onde se constata que, no período em análise, as empresas do Grupo SATA “continuaram a não observar, na generalidade, o procedimento legal de elaboração e aprovação dos documentos necessários ao acompanhamento e controlo das mesmas por parte do titular do capital”.
De facto, confirma o Tribunal de Contas, nenhum dos documentos previsionais foi aprovado pela assembleia geral das sociedades, dando-se ainda o caso de, a partir de 2015, tais elementos não terem sequer sido remetidos aos competentes membros do Governo.
Nestas circunstâncias - alerta o Tribunal de Contas - não se vislumbra como possa ser possível ao titular do capital exercer um efetivo acompanhamento e controlo da situação económica e financeira das empresas do Grupo SATA e responsabilizar os gestores públicos pelos resultados obtidos, se previamente não tiver estabelecido parâmetros de referência de gestão que enquadrem a atuação destes.
Ora, se desconfiávamos do desleixo da governação da SATA, os auditores vêm confirmar o que se dizia à boca pequena nos corredores da empresa.
Só um exemplo: através da Resolução do Conselho do Governo n.º 117/2017, de 27 de outubro, o Governo Regional aprovou um conjunto de orientações estratégicas de gestão globais, aplicáveis à generalidade das empresas públicas regionais, elencou os pressupostos a observar pelas respetivas tutelas financeira e sectorial na definição das orientações estratégicas específicas para cada empresa – a concretizar mediante resolução – determinando, ainda, a celebração de contratos de gestão com os gestores públicos.
Só que, para a SATA, não havia orientações estratégicas nenhumas.
Era tudo ao Deus dará.
Segundo a auditoria, verificou-se que até ao final de 2019 não tinham sido definidas orientações estratégicas de gestão específicas para as empresas do Grupo SATA e, consequentemente, também não foram celebrados contratos de gestão com as respetivas equipas de gestores públicos, que assim atuaram sem que lhes tivessem sido fixadas orientações de gestão, metas quantificadas ou parâmetros de eficiência da gestão.
Como se vê, era tudo ao molhe e fé em Deus.
A verdade é que se os governantes que tutelavam a empresa não percebiam nada das secretarias que tutelavam, como poderiam dar orientações estratégicas?
“A dificuldade na obtenção de evidências formais de suporte a decisões estratégicas e operacionais tomadas no período abrangido pela ação é reveladora do elevado grau de informalidade que continuou a caraterizar o funcionamento dos órgãos sociais das empresas do Grupo SATA, circunstância inadmissível num contexto de gestão de dinheiros públicos”, sentencia o Tribunal de Contas.
Mais claro do que esta condenação óbvia é a percepção por parte dos cidadãos de que tudo era gerido às três pancadas, com muitos milhões esbanjados no orçamento público, porque as vacas gordas ainda reinavam naquela altura.
No meio de toda esta informalidade e incompetência o negócio escandaloso do A330 Cachalote era uma brincadeira de rapazes, entusiasmados com os milhões de euros ao dispor, aprovados pelo accionista, para gastar à tripa forra.
Como recorda o Tribunal de Contas, apesar da decisão de substituir o Airbus A330 Cachalote ter sido tomada em julho de 2016, a aeronave manteve-se em linha até 9 de Novembro de 2018, data em que foi retirada de operação, após acumular perdas na ordem dos 16,2 milhões de euros!
Só que o processo de ‘phase-out’ do aparelho apenas viria a ficar concluído em junho de 2020, na sequência do acordo estabelecido para a cessação antecipada do respetivo contrato de locação, mediante o pagamento de uma indemnização ao locador no montante de 20,4 milhões de euros!
Entre novembro de 2018 e junho de 2020, ou seja, durante 19 dos cerca de 52 meses em que integrou a frota da Sata Internacional, o famigerado Cachalote “permaneceu ocioso, situação que os responsáveis da empresa consideraram preferível à alternativa de manter a aeronave em operação, não obstante os encargos que continuaram a ser suportados com a sua locação, manutenção e posicionamento em diversos aeroportos, que naquele período totalizaram 5,6 milhões de euros”.
Ou seja, tudo somado: 16,2 milhões de perdas na operação, mais 20, 4 milhões de indemnização e mais 5,6 milhões por estar parado nos aeroportos, totaliza a bonita quantia de 42,2 milhões de euros!
Foi o que custou este lindo negócio, a que duas consultoras internacionais alertaram que ia dar barraca.
Ninguém se atemorizou.
Gastaram-se os milhões, os gestores estão por aí a fazer a sua vida e os governantes que aprovaram toda esta pouca vergonha ainda nos continuam a vender novos mundos...
Ninguém foi responsabilizado.
Os únicos chamados ao castigo fomos nós, cidadãos contribuintes, que vamos ter de pagar a factura, com juros projectados para os nossos filhos e netos, para além de perdermos a SATA Internacional.
Eis o resumo implacável de uma governação de oito anos, que as nossas algibeiras não vão esquecer por muito tempo.

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CONTAS A MARTELO - A saga da SATA é um filme sem fim. Agora são as contas de 2022, que escondem uns pequenos truques para piscar o olho aos futuros compradores da Azores Airlines.
Com efeito, a inscrição de impostos diferidos como receitas, no relatório e contas de 2022, é um truque nada recomendável para quem precisa de transparência nas contas.
A maquilhagem justifica-se só porque, para que algum potencial comprador tenha lucro, pode eventualmente beneficiar da reserva fiscal de lucros passados.
Não deixa de ser maquilhagem e sabemos o que está por detrás.
Não era expectável que os resultados sem este acerto fossem melhores do que os divulgados no 3º trimestre.
É uma nódoa para esta administração e para o Governo Regional que, ao que parece, parece manter os tiques dos anteriores, ao querer esconder aquilo que é evidente.
Fez bem o Bloco de Esquerda em denunciar a marosca.
Já se percebeu quem é que vai pagar por todos estes desmandos na SATA.
Nunca será o futuro comprador.
Este levará os anéis.
Nós ficaremos com o que resta dos dedos.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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