Diário dos Açores

Uma narrativa confusa e ambígua

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Com a habitual cobertura mediática que sempre acompanha as suas declarações, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada (CCIPD) veio à praça na passada semana queixar-se (e bem, na minha opinião) da espera dos navios mercantes para poderem aceder ao cais, por falta ou avaria de equipamentos (gruas, rebocadores, etc.) no porto da maior cidade açoriana.
Por não haver qualquer alternativa, fora do transporte marítimo, para o abastecimento essencial e também para as exportações da ilha de S. Miguel, é de facto inadmissível que a causa de dificuldades assim levantadas à sua população, seja a falta, a velhice ou a avaria de equipamentos portuários. Isto significa simplesmente cortes ou mau uso no investimento público e o erro da orientação atual do endividamento 0, tudo políticas curiosamente preconizadas pelo próprio presidente da CCIPD há uns tempos atrás…
Mas Mário Fortuna foi mais longe. À boleia destas graves falhas do atual governo das direitas, que segundo ele têm ocorrido demasiadas vezes (não tantas nem de perto nem de longe, como acontece nas Flores, no Corvo, em S. Jorge ou no Faial), aproveitou para reivindicar mais uma vez a necessidade da construção de um segundo molhe portuário, para proteção do atual e para aumentar o espaço disponível de atracagem no porto de Ponta Delgada.
Ora bem, sem querer falar nos avantajados custos de uma obra pública que pouco se compatibilizam com as habituais reivindicações neoliberais, compartilhadas pelo presidente da CCIPD, dos sucessivos benefícios ou isenções fiscais sobre as empresas, ou da canalização reforçada dos dinheiros públicos diretamente para as empresas, pode até ser legítimo que, mesmo se supridas as atuais insuficiências de equipamentos portuários e apesar da relativamente recente construção do cais de cruzeiros (57 milhões de euros),ou do mais recente alargamento do espaço de atracagem na doca (40 milhões de euros), alguém entenda ainda assim como necessária e possível a curto ou mesmo a médio prazo, a construção de um segundo novo braço de porto.
O que já não me parece tão legítimo, para suprir as insuficiências de equipamentos, bem como a dita falta de espaço de atracagem, é justificar a construção de outro molhe pela inopinada necessidade de proteger o atual...
Quanto à motivação invocada de que os navios cruzeiros retiram espaço aos navios cargueiros, é claro que o cais de cruzeiros não comporta três grandes barcos de uma vez só, mas isso acontece apenas três ou quatro dias num ano. E se o interesse no turismo de cruzeiros é relevante, não pode nem deve ser ilimitado, porque a ilha também não é ilimitada e necessita, antes de tudo o resto, de ser abastecida e de exportar produtos.
Quanto à possível localização do pretenso novo molhe, o presidente da CCIPD, ao contrário de outras vezes em que falou do assunto, desta vez não foi tão claro, mas, na sua narrativa, citou como exemplo útil a existência de um pré-projecto da empresa Consulmar. Tudo indica que se trata de um “boneco” antigo, localizado em Santa Clara, anterior à construção do cais de cruzeiros, que não tinha qualquer intenção de proteger o molhe atual e se destinava a um parque de contentores e a uma área de descarga de clinkers e granéis mesmo junto às habitações da freguesia.
Escusado seria dizer que as funções e a localização deste “boneco” colidiriam abertamente com os interesses desta freguesia e a sua hipotética viabilização enfrentaria certamente a frontal oposição da sua população…

Mário Abrantes 
 

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