Diário dos Açores

Os peregrinos da fé abrem o livro da memória que registou a fronteira da saudade e o começo da festa, em dia de sábado do Senhor Santo Cristo dos Milagres!

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O Sábado do Senhor é festa de fé e mensagem de encontro dos muitos fiéis devotos, para, em uníssono, louvar e agradecer com alegria a longa espera da tarde, onde o Senhor Santo Cristo, se manifesta em seu trono florido, sendo triunfalmente aplaudido como em Domingo de Ramos, ao som do canto de crianças hebreias, que estendiam seus mantos pelo caminho, entoando e aclamando hinos de Hossana ao Filho de David, Hossana nas alturas!

A fé, é a raiz e a seiva que alimenta a religiosidade cristã, é segurança e confiança na diversidade de atitudes do crente, onde circula o progresso e a fraternidade humana. A fé, é também sinal de uma decisão firme do crente para encarar e dominar o próprio medo, sendo uma declaração de resistência à fraqueza e preguiça, por ser um salto de um tempo à crença em Deus. A fé e a crença humana, reveste-se de um rigoroso exercício que produz a paz mental de crescimento lento e firme, onde a confiança absoluta está no testemunho que Deus dispôs na essência da salvação humana. A fé e a crença, em sua existência histórica, activa a verdade de suas doutrinas, produz(em) entre os cristãos, os meios humanos como elementos de cooperação com o espírito para produzir a fé, por ser um dom de Deus. (Efésiod,2.8) A fé no Cristo Redentor pelo qual o pecador confia nele só, é essencial à salvação (João 3,15-16.18;2,8ss).
As antífonas litúrgicas dos salmos, (slms23 e 46,47), Deus, Rei do Universo, está sentado no trono sagrado à direita de Deus Pai, e o seu reino não terá fim.
Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com brados de alegria, porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível, o Rei soberano de toda a terra.
A antífona, bendito o que vem em nome do Senhor, identifica a acção e o poder, porque do Senhor, é a terra e o que nela existe, o mundo, e quantos nele habitam.
Ele fundou-a sobre os mares, e a consolidou sobre as águas.
Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem entrará e habitará no seu santuário?!...
O que tem as mãos limpas e o coração puro, que não invocou o seu nome em vão, nem jurou falso.
A citação do (Salmo 23) é imperativa e exultante, porque Ele é o Rei glória, forte e poderoso nas batalhas, o Senhor dos exércitos. Levantai ó portas os vossos umbrais, alteai-vos pórticos antigos e o Rei da Glória entrará no círculo do seu povo que O aclama e canta os seus louvores.
O Sábado festivo do Senhor, é grande motivo de alegria, e por isso, todos na espera atenta dos olhares, são expectantes ao pórtico que se abre, e o manifesto popular é repentino ao bater palmas, aclamando e louvando a Luz esplendente, por ser o mais antigo hino da tradição cristã, (séc.II), por fazer parte do ofício do Lucernário Pascal, que abaixo se cita.
Hino: Luz esplendente da Santa Glória do Pai celeste, imortal, santo, glorioso Jesus Cristo!
Chegada a hora do sol poente, contemplamos a luz do entardecer, cantamos ao Pai, e ao Filho e ao Santo Espírito de Deus.
Tu és digno Senhor, de ser cantado em todos os momentos, por vozes inocentes, ó Filho de Deus, Tu que dás a vida! Eis que o mundo Te glorifica,  Na tradição de séculos passados e no presente tempo, o Sábado do Senhor, foi marca de fé e devoção espiritual não só do povo micaelense e açoriano, mas também das muitas gerações emigradas, que no longe e no perto, levaram em seu coração e em intimidade secreta, a imagem simbólica da fé que os fez conduzirem busca de novos horizontes, a esperança de novos tempos, fazendo surgir sinais de forças culturais diferentes, de crenças evoluídas de suas criações, de emoções abertas que envolvem e transformam as sensibilidades humanas e as suas proximidades de afectos longos e distantes. Na força da fé, a ferida aberta da saudade dos peregrinos caminheiros da diáspora migratória, abrem as portas de seus lares e fronteiras para a cura, porque o grande momento de encontro em abraço de festa e a alegria, é chegado. A fé, é um acto que transporta a comoção do querer viver as novas mudanças, e faz lembrar as memórias e recordações que o longo tempo não esqueceu, nem apagou as dificuldades humanas já passadas. A fé e a saudade, atravessam com coragem a Fronteira atlântica, que foi, e é, tempero da vida humana em rasgar e prosseguir destinos geográficos novos e desconhecidos, mas também, é e foi, um espaço novo de adaptação de mentalidades, tarefas que a coragem enfrentou, e na bruma, rasgou em busca de novos horizontes, onde nascesse uma nova luz solar, qual energia que alimenta e aquece os ritmos da vida no equilíbrio quotidiano e familiar.
Vê, Senhor, a fronteira do atlântico que se rasgou com fé, e a saudade desejada tornou-se um mar imenso de gente em Ti reencontrada. A vaga humana cresce a pé firme em frente do Teu santuário, e todos trazem a grande tarefa da fé de Te aclamarem, o Cristo, Filho de David e de Deus Pai.
O Sábado do Senhor, é a garantia do valioso tempo de espera, para o compromisso do abraço da alegria renovada na fé e na esperança, de quem no longo tempo registou na memória de infância e juventude, a saudade temporal da tua Festa, Senhor, que no tempo certo, é emotiva e lembrada.
A propósito, o poeta nortenho, José Oliveira São-Bento, no seu poema - “Asas de Luz”, reflete bem a mensagem da saudade emigrada, e com sensibilidade espiritual, pintou a belíssima ode na forma escrita, a tela da Carta do Canadá, que um emigrante escreveu para o Sábado do Senhor.

CARTA DO CANADÁ

Maria, o coração tem saudades tais
Que nem te sei dizer… Doi o peito de amor!
Ando triste, a pensar: - Sábado do Senhor
E tão longe de ti, do pequeno e dos pais!

Os dias do Senhor! O fogo! Os arraiais!
A procissão tão grande! Estou a ver o andor,
Tão lindo como o Céu, cheio de tanta flor,
E tu chorando, ao vê-lo, e eu rezando mais…

Leva o nosso José – tu não te esqueças disto –
Com a roupinha nova, ao Senhor Santo Cristo,
E que reze por ele, e por ti e por mim.

Por ser tão pequenino, há- de ouvi-lo o Senhor,
Para que dê saúde e me abrande esta dor,
Que as saudades só à vista terão fim…

José Oliveira San-Bento,
Poeta Nortenho, In Asas de Luz

A Imagem do Senhor Santo Cristo, é sem dúvida, a primeira peregrina sem fronteira, quando em seu trono percorre a cidade do seu povo, engalanada das mais belas cores e matizes florais e campestres, que a mão humana preparou em largo tempo e cuidado, para o seu Senhor pisar, ao passar, porque a cidade enche-se de cor e vida.
Senhor, as portas do seu Santuário estão “Heri-Hodie-Semper”, ontem, hoje e sempre, abertas ao acolhimento de quantos necessitam da tua proximidade, para que no silêncio do Teu rosto, o olhar individual de cada um, possa conduzir a petição ou agradecimento de graças recebidas. A fé, não esquece os momentos de felicidade, ou de tristeza, mas Senhor, és a fonte de confiante misericórdia, a todos perdoas, porque lavas e curas as nossas feridas, e por isso, ao entrecruzarmos o teu olhar Senhor com o nosso olhar, sentimos a forte emoção, e não escondemos nem sentimos o cair das nossas lágrimas sofridas no silêncio da vida, e sem vergonha e respeitos humanos, não limpamos com nossas mãos, aquilo que purifica o nosso olhar interior de todo o passado de vida positiva e negativa.
O Senhor, é promessa desejada de ser olhado e louvado em toda a sua dimensão, para lavar e purificar quaisquer que sejam ou foram as nossas emoções, por erros e omissões cometidas, por pecados corporais e sociais no assédio moral, desavenças impiedosas de maus-tratos humanos para com os mais indefesos, vinganças, rancores de ódios na vida social, assédio no trabalho, o não cumprimento nos cuidados patológicos de idosos residentes nas instituições. O Senhor, é o corredor da reconciliação que coloca em marcha o archote da fé positiva do nosso ser humano em querer viver na Paz e na alegria, sem prejuízo de outros.
A imagem peregrina do Senhor Santo Cristo, é fé que alimenta a chama da saudade que não apaga, nem termina no tempo, mas a memória, é inquietude inesquecível, fazendo regressar os que em sua lembrança levaram para terras distantes “diáspora migratória”,a semente da tua imagem como companhia de viagem, para no regresso, consolar as lágrimas acumuladas no coração despedaçado, e a alegria da saudade, se torne o archote vivo da fé de todos os que à tua festa, marcaram presença viva e testemunho, levando na lembrança além fronteira do atlântico, a Imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
No regresso a casa, que a continuada fé transponha a fronteira da saudade, e o atlântico norte se torne estrada, onde a diáspora migrante circule na alegria e com sentido de festa que não acaba.

José Gaipo *

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