Diário dos Açores

Caminhemos Juntos na Unidade

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A partir desta terça-feira, 8 de Maio – quando inicio a escrita deste artigo de opinião - entrámos na «Semana» do Senhor Santo Cristo, iniciando-se o tríduo preparatório que ajuda a preparar os fiéis e os irmãos para a celebração do próximo Domingo; e também, de outros actos que se desenrolam à volta do Convento, incluindo a «Roda», a azáfama da aquisição dos círios para as promessas, bem como os últimos e definitivos retoques no que concerne à decoração da Igreja, do Campo de S. Francisco e das ruas circundantes.
Quando era tudo feito com a «prata da casa», os jardins e até estufins de algumas casas «nobres» despiam-se das mais variadas flores, tantas vezes expressamente cultivadas para ornamentar a Igreja e o Coro Baixo do Convento, na amorosa tradição em glorificar o Senhor que, nos nossos dias e com verdade, até O chamaram de «Príncipe dos Açores»!
Quando passei à idade do conhecimento – que deve rondar 80 anos -aprendi com a minha Avó e a minha Mãe, o sentir do culto ao Senhor Santo Cristo, como um acto de petição e de esperança, pois vivia-se perante o pavor da II Grande Guerra e os Açores, como natural sentinela neste Atlântico, em sobressalto, mesmo que Portugal se mantivesse neutral, pois estas ilhas eram capazes de apoiar a Europa pelo ar e pelo mar…
Como aluno da Escola Central de S. José, vi construir as instalações de apoio à força aérea que aqui se fixou e os aviões passaram a ser «autênticos» e não aqueles que via nas revistas.
Vi a igreja de S. José pintada com casas e casinhas e também o muro do Convento da Esperança que meu pai explicou ser para «iludir» algum invasor, pois naquele tempo, a guerra fazia-se nas frentes de batalha, soldados contra soldados; ou lançando bombas para destruir estruturas militarizadas e não pessoas indefesas como hoje se assiste.
Mas o povo, esse dizia se si para si: «o Senhor Santo Cristo tem-nos à sua guarda, vamos confiar que a terra portuguesa não será atingida!».
E, de facto foi assim – a Fé e a Esperança de mãos dadas rumo à vitória…
O adro da Igreja da Esperança era uma romaria diária de muitas dezenas de devotos da cidade e das freguesias que, arrastando-se de joelhos sobre as pedras pouco polidas por ondulações de anos, repetiam uma, duas ou três vezes esse sacrifício, que terminava batendo três toques na porta do Santuário, como que a dizer: Senhor, aqui estou ajuda-nos!
A procissão de Domingo - tal como ainda hoje – continua a ser um acto de Fé, de Louvor e também de Penitência, bem patente no «mar» que as promessas simbolizavam através do tom escuro dos véus e mantilhas.
E, ainda hoje, com esta ou aquela alteração, tanto a festa religiosa como a profana, tudo continua a ser de reconhecido louvor ao Senhor, numa partilha que cada vez mais se alarga aos açorianos de todas as ilhas, a Portugal inteiro, ao Mundo - sobretudo a Diáspora - num abraço fraterno que só pôde complementar-se nos nossos dias, por via das acessibilidades possíveis pelo mar e, sobretudo, pelo ar.
Também cabe a cada um de nós criar um renovado espírito em solidariedade e paz, capaz de olharmos o rosto do Senhor tal como Ele nos mostra quando pela primeira vez o fixamos à saída do Convento, na procissão de sábado.
Como virá o Seu olhar: alegre ou triste?
Tive o privilégio, quer como peregrino, quer anos depois como Irmão, de gozar e meditar esse encontro maravilhoso, logo à saída da porta do «Regral»… e hoje, por via dos naturais achaques  aos meus 90 anos, só o posso viver à distância, através da RTP-Açores – uma oportunidade única, que muito agradeço.
E, talvez que outros tantos como eu, nos alegramos e bendizemos, por termos chegado a mais um ano em saúde e com a possibilidade de, em dias mais tranquilos, continuarmos a contemplar a Veneranda Imagem, através das grades do Coro Baixo, felizmente todos os dias e não, como era habitual no meu tempo, só após a missa das 9 às sextas-feiras…
Há oitenta anos, os meus passeios diários, pelo Campo de S. Francisco, eram para observar a azáfama dos mestres e também para descobrir se havia novos motivos na decoração da fachada da Igreja.
E, quando saíamos do Liceu, para almoço, nova ronda…
Dez anos depois, já a colaborar na Redacção do «Diário dos Açores», pude realizar as primeiras entrevistas a Humberto Moniz, o autodidacta electricista-chefe, que era responsável por tudo o que de melhor combinava com as cores das lâmpadas e os desenhos decorativos, bem como em maquinaria por ele inventada, tudo acendia e apagava em sincronismo.
…Quando fui dado por «pronto» em outras tarefas jornalísticas, comecei também a escrever artigos de opinião sobre assuntos ligados à história do culto ao Senhor Santo Cristo e também do itinerário religioso e sócio/cultural das suas festividades, incluindo a Rádio e a Televisão.
Como momento marcante desta festividade registo a acção do Bispo D. Manuel Afonso de Carvalho, com vista à construção e inauguração do Seminário-Colégio e até da «guerra» que a ilha Terceira lhe desferiu por julgar que tudo seria o primeiro passo para a transferência para S. Miguel do Seminário Diocesano. Igualmente, surgiu – a título experimental - a primeira missa campal a ser celebrada no coreto … e, depois para o adro do Santuário, transformando o Campo de S. Francisco num recinto onde cabem todos.
A entrada do meu saudoso Amigo, Eng.º António Costa Santos para Provedor da Irmandade, possibilitou que ficasse mais próximo do culto e das festividades, pois para o coadjuvar, distribuía pelouros pelos irmãos, enquanto o Reitor do Santuário, o também saudoso Monsenhor Agostinho Tavares promovia acções de formação…
Igualmente reformulou a ordem geral da procissão no que concerne ao cortejo religioso e cívico.
Outros pormenores também aconteceram, nomeadamente a publicação do Guia da Irmandade para a Comunicação Social
que, como refere na Ficha Técnica, passou a integrar textos de António Costa Santos, da Irmandade do Senhor Santo Cristo, de José Manuel Baião, comigo, Rubens de Almeida Pavão.
Por estes dias, quando o director-adjunto Osvaldo Cabral solicitou a minha colaboração para, por mais um ano, dar o meu testemunho (que não esquecia), a esta celebração festiva em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres – 2023, não deixo de relembrar o que era a azáfama que se vivia no «Diário dos Açores» para preparar a edição especial, a cores, num tempo em que a composição ainda era manual, juntando os «tipos» letra por letra, coluna por coluna… e, a gravura da primeira página era encomendada em Lisboa, se fosse policromada.
Por estes dias, ocorre também, o 32º aniversário da Visita Pastoral que o Santo Padre S. João Paulo II realizou aos Açores e, quando os olhos se cruzaram, teve exclamações que comoveram os micaelenses.
Por agora, mais um ano de glorificação ao Senhor do Céu, representado na Veneranda Imagem do Santo Cristo; mais um momento de reflexão sobre este tempo que o mundo atravessa e que a Europa é «beliscada» e de que maneira!…


Boas Festas para todos!

Rubens Pavão *

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