Diário dos Açores

Costa, o centralista

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Há um padrão comum na governação de António Costa quanto ao relacionamento com as Regiões Autónomas: promete muito, concretiza pouco.
Já era assim no tempo dos Governos de Vasco Cordeiro, mas piorou a olhos vistos com o actual governo de José Manuel Bolieiro.
Na coligação há quem pense que o primeiro-ministro quer asfixiar a governação regional - e é muito capaz de ser verdade -, mas o instinto de Costa é mais profundo e tem a ver com  a cultura centralista que se apoderou de uma certa escola política em Portugal, da geração de Costa.
Todos os presidentes de governo dos Açores experimentaram o preconceito do Terreiro do Paço e já em 2010 Carlos César alertava que “há mais espírito centralista nos intérpretes e decisores políticos do que na Constituição da República”.
A célebre ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, surpreendentemente, foi mais longe e, há pouco mais de um ano, não teve dúvidas em revelar que pertencia a “um dos governos mais centralistas que o país já teve”!
É claro que, depois de um óbvio puxão de orelhas por parte de António Costa, veio justificar-se de que tinha sido mal interpretada... mas já era tarde.
Nos últimos tempos temos assistido à forma mais hipócrita do centralismo, que é anunciar compromissos que são da responsabilidade do Estado na nossa região e, depois, não os cumprir.
Na minha lista já contabilizei uma dúzia de promessas nunca cumpridas ou algumas mal cumpridas, como é o caso recente dos radares meteorológicos, que já deviam estar todos a funcionar.
Ou as promessas do fraco ministro da Administração Interna, que veio, mais uma vez, anunciar um investimento de 20 milhões de euros, misturando projectos de interesse nacional, como as comunicações SIRESP e vigilâncias costeiras, com a ausência do reforço de agentes policiais nos Açores e a modernização das respectivas esquadras, que é o que verdadeiramente precisamos em matéria de forças de segurança.
Já tínhamos experimentado o tal ministro Manuel Heitor, que também veio aos Açores assinar um protocolo com a Universidade dos Açores, na presença de Vasco Cordeiro, para atribuição de 3 milhões de euros, que nunca cá chegaram.
Ainda mais recente, temos agora o pagamento de cerca de 10 milhões de euros à SATA, pelas Obrigações de Serviço Público no Pico, Faial, Santa Maria e Funchal, inscritos e aprovados no Orçamento de Estado, mas que o ministro Galamba não os transfere, provavelmente tão ocupado que anda com cenas de pancadaria no seu ministério e computadores supostamente roubados...
Os célebres milhões da “solidariedade nacional” destinados às reparações dos estragos provocados pelo furacão Lorenzo também estão em falta, à semelhança da prometida resolução, há mais de quatro anos, do famoso subsídio de mobilidade, que Costa chamou-o de “absurdo e ruinoso”, mas que nunca o resolveu.
Como também não consegue - ou não quer - resolver o misterioso caso da bagacina da nova cadeia de Ponta Delgada.
Costa tenta, agora, uma nova fórmula de ver as “ilhas encantadas” (como ele as chama), que é distribuir apoios nacionais a autarcas, empresários e agricultores, mas mantendo de lado os dos Açores.
Foi assim no programa APOIAR freguesias, foi na exclusão dos empresários açorianos no apoio à subida do salário mínimo e volta ser agora no apoio aos agricultores.
Os Açores só fazem parte da “coesão nacional”, no manual de Costa, quando lhe interessa vir explorar a nossa riqueza, como o mar e o espaço.
Lembram-se da Lei do Mar?
Aquela em que 11 deputados do PS votaram contra, com o argumento de que “a gestão do mar, alargada a toda a plataforma continental, não é matéria de interesse específico das regiões”.
A líder da “rebelião” contra os Açores e Madeira foi Ana Paula Vitorino, a mesma que tinha sido Ministra do Mar e que foi corrida do governo, com toda a justiça.
Também tivemos uma segunda versão com a Lei do Espaço.
O governo de António Costa elaborou um projecto de decreto-lei, sobre o regime jurídico das actividades espaciais, onde faz, em 10 páginas, o enquadramento da importância da actividade espacial no território nacional, nomeadamente o regime transitório do licenciamento de operações de centros de lançamento e o acesso ao exercício destas actividades, como está a acontecer, por exemplo, na ilha de Santa Maria.
No meio do arrazoado lá está, de novo, o pensamento centralista dos senhores de Lisboa, nestes termos: “O presente decreto-lei aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, ficando as atividades espaciais bem como aquelas que sejam desenvolvidas a partir das mesmas sujeitas ao regime definido no presente decreto-lei, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
E os “números seguintes” resumem-se, somente, a uma “consulta” aos governos regionais!
Assim, sem mais, como já tinha denunciado aqui há uns tempos.
Um membro do governo sentado em Lisboa, encarnando a Idade Média das relações feudais - em que o absolutismo defendia a centralização do poder político pelas mãos do rei-, passa a decidir em que ilhas poderemos fazer lançamentos espaciais e se é que poderemos fazer.
O centralismo tem muitas fases.
A que estamos a assistir, por estes dias, é ainda mais estranha, porquanto vai recolhendo apoios, mais ou menos descarados, de alguns amigos do partido de cá, que escrevem uns comunicados envergonhados para mostrarem fidelidade ao chefe, sem a qual certamente não iriam longe.
É a política no seu pior, pondo os interesses partidários à frente dos Açores e das suas gentes.
Vivemos tempos em que todo o cuidado é pouco.
Antigamente o centralismo manifestava-se de forma mais ou menos encapotada.
Agora, é à descarada.
De “ilhas encantadas” passamos a “ilhas en(costa)das”.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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