Diário dos Açores

Dois mundos

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Desta terça-feira, 16 de maio, chegou-nos a notícia de uma importantíssima pedrada no charco duma trágica guerra que desgraça há 15 meses o povo ucraniano, mas também o povo russo, e que já assume foros de mundial sem fim à vista que não seja a destruição da humanidade. Uma guerra que, há poucos dias, parecia ninguém ter qualquer interesse real em conter…
É um outro mundo que, explorado, humilhado e escravizado ao longo de mais de quatro séculos pela chamada civilização ocidental, ergue agora a sua voz em uníssono, de pleno direito e em defesa do seu vital interesse, sem pedir consentimento prévio do patrão.
Na verdade, o Presidente da África do Sul, Ciryl Ramaphosa, anunciou esta semana que uma delegação de seis ou mais chefes de Estado africanos tenciona deslocar-se às capitais russa e ucraniana com vista a procurar uma outra saída para este grave conflito bélico que, a continuar, como parece ser intenção reiterada dos beligerantes e seus aliados, terá (já está a ter) repercussões especialmente severas e trágicas para o continente africano.
Até ao momento destas linhas, parece que as coisas estariam a correr bem, pois tanto o Presidente russo, Vladimir Putin, como o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já manifestaram disponibilidade para receber a delegação dos “parceiros africanos”, com o objetivo declarado de, segundo Ramaphosa, “não deixar tudo na mesma, mas sim encontrar uma saída para o conflito”.
Nesta mesma terça-feira, 16 de maio, o dirigente chinês Li Hui estava a fazer um périplo com início em Kiev e, após a passagem por várias outras capitais europeias, acabando em Moscovo, com o único objetivo de, segundo as suas próprias palavras, “encaminhar a guerra para a mesa das negociações”.
No mundo “oficial” dos portugueses e do ocidente, entretanto e nesses mesmos dias, tal como bastante publicitado, enquanto o chefe da NATO vinha a Portugal clamar por mais apoio bélico à Ucrânia, o Presidente da Ucrânia, solicitando pelo meio a bênção do Papa, deslocava-se a Roma, Berlim, Paris e Londres donde recebia profusas garantias do envio de mais, e mais sofisticado, material bélico para prosseguir com a guerra, a qual só teria fim, segundo a NATO e a União Europeia, com a derrota militar total do adversário…
E é isto! Num outro mundo tão humano como o ocidental, mas explorado e sofredor ao longo da história, aspira-se à solução negociada, rápida e pacífica do conflito, como condição, diga-se, do seu próprio direito à existência.
Naquele, a que chamamos nosso, a intoxicação da guerra, após dois conflitos mundiais, afasta-nos de novo, pela emoção, do senso e dos factos. Ameaça-se de novo com a prisão, tal como em 14/18 ou 39/45, quem toma o lado da paz, contra a guerra. A todo-poderosa indústria militar, em nome da segurança (inter)nacional e proclamando demagogicamente a defesa da democracia e da liberdade, não tem obviamente outra solução para apresentar senão a solução da guerra. Tem sido assim até à nossa história mais recente e, mesmo quando o conflito militar é suspenso numa parte do mundo ele vai desencadear-se noutro local ou é substituído pelo domínio de um dos beligerantes sobre o outro, pela força das armas…
Sob o império da indústria armamentista onde nos encontramos, junto com os chamados países mais desenvolvidos, a guerra é um modelo de negócio e daí que, para estarmos seguros e vivermos tal qual vivemos, é preciso que nunca faltem inimigos, povos raças nações ou seres hostis a abater.
Mas, felizmente para a humanidade, para sua segurança e para a Paz no planeta, há mais mundos para além deste império…


Mário Abrantes *

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