Diário dos Açores

O declínio do Centro

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“A política já não interessa, já nada traz de novo”

Um em cada dois regimes democráticos em todo o mundo está em declínio, fragilizado por problemas de legitimidade, limitações de liberdades essenciais ou por ausência de transparência, revela um relatório sobre o Estado Global das Democracias, relativo ao ano de 2021, do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA).
O número de países democráticos em regressão é o mais elevado da última década. O “número de países a nível mundial que avançam na direção do autoritarismo excede o dobro do número de países que avançam numa direção democrática”, acrescenta o relatório, que mostra que mesmo democracias estabelecidas, como a norte-americana, estão hoje a braços com problemas que minam a sua credibilidade junto dos eleitores.
O números, e a realidade também, falam por si. O alheamento do cidadão comum da “política” nasce, fundamentalmente, do descredito dos partidos, incapazes de se reformarem e dar resposta ao grandes problemas que nos afectam. Antes, tornando a conquista do poder e o acesso às respectivas benesses,no seu grande objectivo.
Tudo isto, no caldinho das sucessivas crises económicas que nos tem afectado e no crescimento exponencial da desigualdades sociais e na falência dos serviços públicos, desde a saúde e a educação até à justiça. Os impostos crescem e a qualidade dos serviços decresce, enquanto os partido clássicos (sobretudo os do centro) se digladiam por ambição e puro eleitoralismo.
Os conteúdos ideológicos e os programas são sacrificados no altar do poder pelo poder. Sendo os partidos do centro – que tem governado durante décadas no mundo ocidental – os principais responsáveis pelas profundas fissuras que estão abertas na sociedades democráticas. Factos que a própria presente conjectura política nacional ilustra à saciedade.
Abrindo a porta às derivas totalitárias que tem vindo a esfacelar a vida democrática, dividindo países em dois blocos incompatíveis. Os exemplos abundam: Estado Unidos, Brasil, Turquia, Israel, França e mesmo Portugal, se não nos pusermos a pau. Promovendo um diálogo de surdos e incitando à violência que, inexoravelmente, conduz ao sacrifício do bem maior: a liberdade.
O declínio do centro político já é uma evidência indesmentível que está a ser canibalizado pela extrema-direita que tem transformado as conversas de café e as das redes sociais numa “bíblia” política. Sendo o caso de Trump, um indivíduo completamente desqualificado, mas que conseguiu sequestrar o partido republicano, um exemplo paradigmático de tudo isso: a conquista do poder absoluto e a implementação de um capitalismo em roda livre, sem regras.
O cidadãos, entretanto, enveredam, uns pelo utilitarismo individual e pela simples sobrevivência, outros seguindo os arautos da extrema-direita que mais não são que as brigadas do autoritarismo fascista que vivem dos déficits das democracias, nomeadamente no combate às desigualdades e à corrupção.
A descaracterização galopante dos partidos do centro é, efectivamente, o grande calcanhar de Aquiles das democracias liberais que não conseguem suster a onda de descrença que atinge, ironicamente, as classes mais desprotegidas e se espalha de forma avassaladora. Cabendo-lhes, por conseguinte, a missão superior de suster o circo de interesses e mediocridades em que a política se vem tornando.

Antonio Simas Santos *

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