Diário dos Açores

Como chegámos a esta situação?

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Fragmentos do Congresso (2)

Uma das perguntas que ecoou nos trabalhos do Congresso de Jornalistas foi esta: “Como chegámos a esta situação”. Foi feita por uma jovem jornalista – de quem não se suspeitaria, uma vez que já encontrou as coisas assim -- e referia-se ao fato da Comunicação Social dos Açores estar demasiado absorvida com uma agenda essencialmente governamental e partidária, sem tempo nem gente para se ocupar de outros assuntos importantes no debate regional e muito menos de algum trabalho de investigação.
Na verdade, não há uma resposta fácil. Foram várias as circunstâncias. No caso das empresas púbicas foi a falta de investimento por parte de Lisboa, argumentando que para um número tão reduzido de habitantes já tinham um orçamento bastante elevado enquanto o Governo Regional se escudava no princípio de que a comunicação pública é da responsabilidade da República e nunca se interessou num investimento que complementasse a importância social particular da imprensa regional. Assim, nunca teve uma palavra a dizer no conceito a seguir pela televisão e rádio públicas que operam na Região. Preferiu utilizar soluções menos ortodoxas, que não foram brilhantes nem tiveram os resultados esperados.
A determinada altura, alguém advertiu um responsável governamental para o facto de se estarem a implementar conceitos não favoráveis à Região em matéria de comunicação social pública. Na altura a resposta foi apenas que ficava registado, mas passado algum tempo veio a resposta, por outra via, que o que interessava era que estivesse bem para quem estava no poder, os outros não eram seu problema.
 
A imagem conta-se aos minutos
 
O conceito do governo e da maioria dos partidos em matéria de comunicação Social foi sempre pensada em termos dos minutos de antena, ou sejam em termos de quanto tempo cada um tinha para se ver na televisão – e nunca e termos de uma reflexão da causa pública, como antes acontecera. Em alguns momentos foram tão longe que o povo se apercebeu e acabou por lhes dar a resposta nas urnas. Responsáveis sem grande cultura cívica e sem a memória do papel da comunicação social -- até por não terem vivenciados os tempos difíceis do início da autonomia --, nunca tiveram uma ideia sólida e apropriada para uma comunicação social nos Açores.
Nunca é demais reafirmar que o regime deve muito à Comunicação Social e depressa se esqueceu.
A determinada altura deste percurso, os responsáveis pela comunicação Social pública foram pressionados pelos partidos e para facilitar a tranquilidade da sua permanência, prometeram mais tempo de antena aos eventos do governo e dos partidos. Das reuniões saíam todos satisfeitos e a solução foi levar  as redações a cumprirem o prometido.
Assim se chegou a este ponto, para tentar dar resposta à pergunta feita.
 
O perigo de se multiplicar este conceito
 
Noutro momento dos trabalhos, quando se falava da integração de novos jornalistas no mercado do trabalho, foi afirmado que hoje as redações não têm condições para fazer essa integração com a qualidade devida, exactamente porque estão ocupados na agenda oficial. Assim essa integração transformar-se-á no prolongar de uma prática incompleta do trabalho da informação.
Houve quem discordasse, mas houve quem se levantasse a corroborar essa preocupação. Uma preocupação que não tem nada a ver com a qualidade dos jornalistas, mas com a disponibilidade para o fazer com a devida qualidade.
Situação semelhante se coloca nos pequenos jornais e rádios privados, que, com menos recursos, recorrem de forma sistemática a toda a notícia que chegue já pronta, sem tempo para uma mínima reflexão crítica na sua divulgação.
Ou seja, a Comunicação Social tende a multiplicar a função menos digna de “pé de microfone”, ao serviço dos poderes públicos, na maior parte das vezes sem condições de os confrontar. O poder, pela sua parte, vive mais tranquilo com essa falta de capacidade, sem noção do que, no final, está ele próprio em causa.

Rafael Cota*

*Jornalista

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