Diário dos Açores

O PSD em polvorosa

Previous Article Donos da verdade
Next Article Cem anos de Lourenço: a redescoberta de Antero

Bastou um discurso acutilante do antigo líder do Partido, Aníbal Cavaco Silva, que foi Primeiro Ministro durante 10 anos e Presidente da República durante outros 10, para sacudir o torpor em que vegetava o PSD e lançar um novo entusiasmo nas hostes social-democratas, como se o Poder de repente ficasse próximo e mesmo à mão de se alcançar...
Foi um bom contributo para animar a cena político-partidária e passar para um segundo plano o triste espectáculo em curso na Assembleia da República, com a actividade da Comissão de Inquérito à TAP, cada vez mais embrenhada num verdadeiro processo ao funcionamento das nossas instituições democráticas, concretamente do Governo, que aparenta não estar dando boa conta de si.
Passado o entusiasmo do primeiro momento, importa analisar o realismo das expectativas criadas. Mas antes temos de dizer que os antigos titulares de altos cargos da República não estão obrigados ao silêncio, como aliás tem sido evidenciado pelo comportamento de alguns deles. É mesmo natural que falem, quando sintam que estão em causa interesses fundamentais do Estado e tal parece ser o caso presente. Afinal, as posições críticas de Cavaco Silva sobre as políticas - ou a falta delas - do Governo em funções são bem conhecidas e o discurso agora em causa apenas as elencou de forma organizada e, no conjunto, deveras arrasadora.
Com esta sua intervenção, o antigo líder do PSD atravessa-se, como se costuma dizer, pelo líder em funções, Luís Montenegro. E com isso, remete para um futuro muito incerto o regresso à cena de Pedro Passos Coelho, por alguns desejado em termos algum tanto sebastianistas. Sabendo-se como é parco em elogiar outras pessoas, Cavaco Silva surpreendeu toda a gente,  a começar talvez pelo próprio, ao proclamar as capacidades de Luís Montenegro para liderar de imediato o Governo, dizendo que estaria mesmo mais preparado do que ele próprio ao ascender a Primeiro Ministro...
Ora, tal atitude só pode explicar-se num quadro de eleições legislativas imediatas ou pelo menos muito próximas. Mas não é seguro que tal venha a acontecer. O mandato da actual maioria parlamentar do PS vai até 2026 e, dentro da lógica que o próprio Cavaco Silva reconheceu ser característica deste Partido, nada indica que abandone o Poder, e muito menos por sua iniciativa, antes disso. E não estou vendo o Primeiro Ministro António Costa a ter rebates de consciência e a sair do cargo pelo seu pé.
É certo que as coisas não estão correndo bem para o Governo e é notória a incapacidade de atrair pessoas capazes e com vida feita para lugares no Executivo, ficando este reduzido, salvo raras excepções, até dificilmente compreensíveis, a profissionais da política partidária, com carreira feita na militância das “Jotas”. Mas o que se pode esperar do actual Primeiro Ministro, verdadeiro protótipo de sobrevivente político, é continuar sempre em frente, esperando que a vaga do descontentamento, bastante generalizado nos dias de hoje, esmoreça e passe. Entretanto, a “Central de Informação” será reforçada e talvez o Ministro das Infraestruturas aceite sair da cena discretamente. E, no final de tudo, ainda não julgo excluída uma candidatura de António Costa à presidência da República, por mais que ele proteste não querer tal cargo.
Poderia o quadro político modificar-se se o Presidente da República dissolvesse o Parlamento, mas não parece que ele esteja sequer a considerar seriamente tal hipótese. Cavaco Silva dá voz à impaciência de sectores dominantes da Direita, mas o Presidente Marcelo, que se afirma sempre com sendo oriundo de tal área, vive obcecado pela falta de vigor do PSD, até aqui evidenciado em estudos de opinião fiáveis, e pelo risco de crescimento do CHEGA, antecipado nos mesmos estudos.
Para Cavaco Silva não é difícil conquistar para o voto no PSD os cerca de 10% de eleitores em falta para este alcançar uma maioria sustentável e não dependente do radicalismo extremista; mas talvez haja aqui um certo optimismo exagerado! Não faltou mesmo a recomendação de ir o Partido sozinho às eleições, afastando coligações pré-eleitorais, vistas como um sinal de fraqueza e de falta de convicções. O fundamento de tal opção estaria na qualidade das soluções alternativas já apresentadas pelos dirigentes do PSD em funções, segundo afirmou também o orador.
No caso, mais provável, de não haver eleições legislativas antecipadas, um importante teste político será o das eleições para o Parlamento Europeu, já marcadas para Junho do próximo ano. Corre por aí que o Presidente da Câmara do Porto será o candidato desejado para encabeçar a lista do PSD, o que estará contristando muito o cabeça de lista anterior e ainda no cargo, por sinal alcandorado a Vice-Presidente do PSD, em posição logo a seguir a Luís Montenegro e que tanto se tem esforçado para mostrar serviço. Talvez o problema se resolvesse a contento de todos trazendo Pedro Passos Coelho para cabeça de lista do PSD ao Parlamento Europeu. Se a votação recebida fosse entusiástica ficaria aberta assim a porta para o seu regresso à política activa e até à liderança do Partido e depois ao Governo, caso viesse a ganhar as eleições de 2026. Em caso negativo, abrir-se-lhe ia uma janela de oportunidade para defender os interesses nacionais no âmbito europeu e fortalecer o próprio projecto europeu. É pena ver desaproveitada a valiosa experiência adquirida por ele no desempenho do cargo de Primeiro Ministro, em circunstâncias de especial dificuldade para o nosso País.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)   

Share

Print

Theme picker