“O governo devia ser exigente e inovador: obrigar a Ryanair a novas rotas e liberalizar outras ilhas”
Diário dos Açores

“O governo devia ser exigente e inovador: obrigar a Ryanair a novas rotas e liberalizar outras ilhas”

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Pedro Castro, especialista em aviação comercial

A Ryanair pretende abandonar a operação nos Açores. Qual a sua análise?
 Existem duas situações distintas: uma é a base e a outra é a operação.
Neste momento, a Ryanair tem um avião baseado em Ponta Delgada desde 2015 com o qual opera sobretudo 2 rotas: Ponta Delgada-Lisboa e Ponta Delgada-Porto.
Ter um avião baseado significa que o avião começa e acaba o dia em Ponta Delgada e significa também maior flexibilidade na sua utilização, o que permitiu a Ryanair ter voado para Londres ou Nuremberga, por exemplo.
 Significa, também, a criação de mais empregos directos.
Por outro lado, faz pender uma enorme responsabilidade financeira: o avião baseado em Ponta Delgada tem de provar todos os anos que é um investimento adequado e que aquele avião baseado noutro aeroporto não rende mais para a Ryanair – porque os aviões da Ryanair podem estar baseados em qualquer dos 500 aeroportos da União Europeia.
Esta concorrência a nível europeu é algo que em Portugal ainda não sabemos gerir muito bem.
O facto de a Ryanair fechar a base de Ponta Delgada não significa forçosamente abandonar a operação nos Açores.
Poderá fazê-lo com aviões baseados noutras cidades, como por exemplo no Porto.
Assim, nada impede que a rota Porto-Ponta Delgada não continue utilizando um dos aviões da Ryanair baseados no Porto.

Há quem diga que é uma ameaça para extorquir mais dinheiro público. Será?
A Ryanair opera as rotas Continente-Terceira e continente-Ponta Delgada em concorrência com duas outras companhias aéreas, a Azores Airlines e a TAP.
O mercado está liberalizado para essas duas ilhas, é verdade, mas os concorrentes têm tratamentos muito diferentes.
A TAP recebeu 3.2 mil milhões de euros e o Grupo SATA recebeu 500 milhões de euros.
O que a Ryanair vem dizer é: “queremos ser tratados de forma equitativa. Se os meus concorrentes directos recebem, no seu conjunto, quase 4 mil milhões de euros apenas por serem companhias do Estado, isto distorce totalmente a concorrência”.
 Na prática, essas companhias podem usar técnicas comerciais financeiramente suicidas e apenas possíveis pelo respaldo recebido do contribuinte.
 Ora, em países como a França e Espanha, onde também foi decidido apoiar o sector da aviação, assistiu-se a uma distribuição proporcional e equitativa dos fundos de apoio por todas as companhias e não apenas algumas com base na sua estrutura acionista.
Assim sendo, eu vejo que esta ameaça não é para extorquir dinheiro, mas sim um alerta e um pedido para maior equidade do poder político.

Seja como for, a eventual saída da Ryanair seria um retrocesso para o turismo dos Açores?
 Francamente, não. A Ryanair não trouxe nenhuma novidade determinante para o turismo dos Açores.
Os seus voos concentram-se na ilha que mais turismo e que mais rotas tem – a de São Miguel.
Opera destinos para os quais existem outros concorrentes – TAP e Grupo SATA.
Assim que a Ryanair sair dessas rotas, essas companhias terão facilidade em aumentar as frequências (no caso da SATA) ou aumentar o número de lugares com a utilização de aviões maiores (no caso da TAP).
Poderá haver um aumento das tarifas porque, no fundo, serão duas empresas detidas pelo mesmo Estado a competirem entre si, mas também já percebemos que existem turistas em número suficiente dispostos a pagarem o preço justo para umas férias nos Açores.
Assim sendo, e perante a actual rede da Ryanair nos Açores, não creio que haverá um retrocesso para o turismo dos Açores.

Este é o modus operandi da Ryanair nos países onde opera?
A Ryanair olha para todo o mapa da Europa com o seu espaço aéreo liberalizado e com vários acordos de céus abertos com países terceiros, como a Turquia, Marrococos, Israel, Islândia, etc e pensa: “em qual dos mais de 500 aeroportos da UE é que a minha frota rende mais?”.
Ao nível das companhias ditas tradicionais, apenas a Lufthansa conseguiu fazer algo semelhante ao ter ameaçado o aeroporto de Frankfurt com a transferência para o hub de Munique de todo o seu futuro crescimento.
De um modo geral, os poderes públicos e o público em geral não estão habituados a esta liberdade total porque ainda pensam de forma tradicional.
Por exemplo, pensamos que os aviões da Azores Airlines estarão sempre “condenados” à sua base nos Açores e que não podem fugir para lado nenhum, mesmo que queiram.
A Ryanair, de facto, não pensa assim, mas este modus operandi não é apenas possível para a Ryanair.
Qualquer companhia europeia pode pensar assim, mas são muito poucas as que praticam este modelo de negócio que tem vantagens quando se é um aeroporto integrado numa região proativa, dinâmica, inovadora e empreendedora... e tem inconvenientes quando está situado num regime protecionista, pouco transparente, desatualizado e injusto com certos operadores económicos.

Como espera que reagirá o governo dos Açores?
Em primeiro lugar, com justiça e equidade.
O governo não pode contribuir para manchar o bom nome de um agente económico com o qual trabalharam, trabalham e poderão vir a trabalhar.
Não se deve alimentar a ideia que a Ryanair está a “extorquir” ou a “aproveitar-se”.
Os poderes públicos decidiram que os contribuintes portugueses iriam doar quantidades exorbitantes de dinheiro a duas companhias aéreas e a mais nenhuma, justificando tal medida com base na estrutura acionista (serem do Estado).
Esta falta de equidade e de transparência é algo que deixa todas as outras companhias numa situação muito difícil.
O que quer que a Ryanair peça – sejam 2, 5 ou 10 milhões até – esse valor nada tem nada a ver com aqueles valores.
Em segundo lugar, o governo deveria ser exigente e inovador: não creio que as rotas de São Miguel para Lisboa e Porto precisem de subsídio algum.
 Este subsídio deveria ser dado em coordenação com a abertura obrigatória de novas rotas: entre São Miguel e o Algarve, por exemplo.
Considero uma vergonha nacional que seja mais fácil ir de São Miguel para as Canárias (voo directo) do que para Faro (voo com escala).
 Outra rota doméstica sazonal interessante seria Ponta Delgada-Porto Santo.
Em seguida fazer uma análise das rotas europeias anuais ainda não servidas e nas quais se pretende apostar, propondo à Ryanair um plano para as operar.
Em terceiro lugar, trabalhar afincadamente na liberalização das ligações para as outras ilhas dos Açores e apoiar qualquer companhia – porque não a Ryanair – que apresente um conceito para servir as rotas Continente-Horta, Continente-Pico e Continente-Santa Maria.

(Conclui na página seguinte)

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