Diário dos Açores

Concessionário deve ser afastado e a Calheta devolvida à população

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Opinião

Não vou estar com rodeios nem meias palavras: não serviu para nada a reunião extraordinária da Assembleia de Freguesia de São Pedro de Ponta Delgada realizada no dia 20 deste mês de Julho, a que se associaram a Junta de Freguesia e o presidente da Câmara Municipal. O objectivo da reunião era
contestar o adiamento - mais um! - da chamada requalificação, por sinal muito triste, do espaço público conquistado ao mar na Calheta de Pêro de Teive.
Depois de anos de intenções e obrigações não cumpridas, é mais do que óbvio que a única solução que deve ser exigida não é que o concessionário avance com a obra, mas sim que seja afastado, extinta a concessão e devolvida a Calheta à população, para ser transformada numa grande zona de fruição pública, que pode ser, nomeadamente, uma praça ou um jardim, sem mais mamarrachos à mistura.
Lamentavelmente, ficou mais uma vez claro que o presidente da Assembleia de Freguesia, o presidente da Junta de Freguesia e o presidente da Câmara Municipal não combatem a construção de um monstruoso hotel naquele espaço público concessionado a um privado, construção que começou e foi interrompida. O que pedem, erradamente, é que a obra avance, quando esse projecto pode ser perfeitamente revertido na situação em que se encontra.
De resto, não é o presidente da Câmara Municipal que pode resolver este assunto, como ele próprio reconheceu e assumiu. É, sim, o presidente do Governo Regional, que tem que assumir as suas responsabilidades, porque trata-se de um espaço público propriedade da Região Autónoma dos Açores. O que o presidente da Assembleia de Freguesia e o presidente da Junta de Freguesia, em nome das duas instituições locais e em representação da população a que devem obediência, devem fazer é pedir com urgência uma audiência ao presidente do Governo Regional, para exigirem uma reversão sem demora no processo da Calheta de Pêro de Teive, no sentido de o concessionário ser afastado definitivamente e de aquele espaço passar para a gestão directa governamental, para lhe dar uma utilização que sirva os interesses gerais, que pode ser, nomeadamente, uma praça ou um jardim, como já referi. Se o inestético hotel for mesmo construído, restará um limitado espaço verde para usufruto da população, porque a maior parte do espaço verde previsto no projecto, que já de si não é grande, ficará adstrito à unidade hoteleira, que não faz falta alguma naquele local, muito pelo contrário.
Basta de avanços e recuos, inverdades e contradições, trapalhadas e ilegalidades, amiguismos e cumplicidades, encenações e falsidades, palavras mansas e protestos inconsequentes! A referida reunião não passou, precisamente, de palavras mansas e de um protesto inconsequente. Há quase vinte anos que a Calheta está transformada num caos urbanístico, sem fim à vista. Mas o que é isto? Não há nesta terra alguém com coragem e determinação para dar um “murro na mesa” e dizer que acabou a “brincadeira”? Onde está o respeito pelo povo açoriano?
A Junta de Freguesia e a Assembleia de Freguesia, ao insistirem no apoio à construção de um hotel no espaço público da Calheta, não estão a defender a população e os respectivos interesses, pelo que a referida reunião, objectivamente, não serviu para nada. Não foram eleitos para apoiar, de forma directa ou indirecta, promotores imobiliários e projectos absurdos! Tenham paciência, mas isto tem que ser dito. Tenho consideração pessoal e institucional pelo presidente da Assembleia de Freguesia e pelo presidente da Junta de Freguesia de São Pedro de Ponta Delgada, que são pessoas sérias e idóneas, não duvido disso, mas eu esperaria muito mais deles nesta matéria da Calheta de Pêro de Teive. A ideia com que eu fico, mais uma vez, é que têm receio de contrariar o concessionário do espaço público da Calheta e o poder político nas suas diversas vertentes. Porquê? 
O primeiro grande erro foi a destruição da enseada da Calheta, por decisão de um Governo Regional do PSD. O segundo grande erro foi a concessão a um privado do espaço conquistado ao mar, por decisão de um Governo Regional do PS. Depois tem sido um “calvário” vergonhoso para a Calheta, em que os interesses da população foram e continuam a ser ignorados e subvertidos. O dinheiro a mandar mais do que o poder político, por culpa do próprio poder político. Mais uma vez realço: onde está o respeito pelo povo açoriano?
A verdade é esta e não pode ser desmentida: nem as Juntas Gerais, nem os Governadores Civis e nem os Governos centralistas e anti-democráticos do Estado Novo fizeram tanto mal à Calheta como vários Governos Regionais. Sou um autonomista e um democrata convicto, mas não posso deixar de dizer que a Autonomia político-administrativa regional - uma das conquistas do regime democrático - tem sido nefasta em vários aspectos para os açorianos, como o problema da Calheta de Pêro de Teive bem demonstra. Basta de submissão a interesses financeiros, imobiliários e turísticos que só pretendem o lucro e que não respeitam a nossa amada terra e o seu bom povo.
Um dos responsáveis governamentais regionais pela destruição da enseada da Calheta e do respectivo portinho de pesca veio dizer recentemente, num artigo de jornal, que para a concretização do prolongamento da avenida litoral de Ponta Delgada foi “sacrificada com muita pena a Calheta de Pêro de Teive”. Como? “Com muita pena”? Qual “muita pena”? Foi, sim, com total insensibilidade! O Governo Regional de então foi completamente alheio aos apelos de várias personalidades muito categorizadas intelectualmente para que a Calheta fosse poupada, ignorou os pescadores que ainda laboravam a partir do portinho de pesca, não aceitou que o prolongamento da avenida litoral fosse feito naquele local com recurso a uma pequena ponte e desvalorizou o passado histórico da Calheta como berço ancestral da cidade. Isso de vir agora, passados muitos anos, tentar aligeirar responsabilidades políticas e históricas não “cola”, é mesmo de repudiar.
Os que agora apoiam, explicitamente ou implicitamente, a construção de um monstruoso hotel no espaço público da Calheta - um erro urbanístico, histórico e ambiental sem perdão - daqui a uns anos possivelmente também virão dizer, num exercício de pura hipocrisia, que foi “com muita pena” que defenderam ou não se opuseram a essa obra que muito prejudicará a cidade de Ponta Delgada.
Tenho a dizer, também, que uma deputada à Assembleia Legislativa Regional prometeu-me pessoalmente há uns dois anos que iria expor a grave questão da Calheta no parlamento e que iria pugnar pelos interesses da população. Até hoje! Ou esqueceu-se, ou mudou de opinião ou o respectivo partido não a deixou abordar o assunto. Possivelmente também virá um dia dizer que foi “com muita pena” que não defendeu a Calheta.    
“Muita pena” tenho eu e muitas mais pessoas, isso sim, pelos diversos crimes cometidos contra a Calheta de Pêro de Teive ao longo de muitos anos, numa situação que envergonha sobremaneira o regime autonómico regional. A enseada da Calheta, o portinho de pesca e a zona envolvente poderiam ter hoje um excelente aproveitamento turístico, nomeadamente com actividades náuticas, restaurantes e bares, como acontece, por exemplo, com o porto da Caloura e com o porto de Vila Franca do Campo. Mas não. Decisores políticos, irresponsavelmente, armados em “donos disto tudo”, numa lógica de quero, posso e mando, quiseram mesmo acabar com a Calheta, agora transformada em “pasto” para interesses que nos são alheios e não nos servem. Vergonha das vergonhas! Volto a questionar: onde está o respeito devido ao heróico povo açoriano?

Tomás Quental Mota Vieira

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