Diário dos Açores

A História é dos vencedores. Nunca dos vencidos

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Ensaio

Numa versão indiana sobre “Factos Relevantes da História da India”, publicada na língua Hindi e ensinada nas escolas daquele imenso país, a chegada de Vasco da Gama a Calecut em 20 de maio de 1498 é considerada um autêntico desastre para a India. Os atos de pilhagem que se seguiram, com toda a espécie de crimes, muitos deles já condenáveis na Europa, vão desde raptos, escravatura, subversão e luta armada, com bombardeamentos de vilas e aldeias milenárias, milhares de mortes inocentes de mulheres e crianças, estupros e trabalhos forçados e todo um rol do pior que uma sociedade humana pode produzir em termos de criminalidade.
E no entanto, Vasco da Gama em Portugal é considerado um dos maiores heróis nacionais, com praças, avenidas e pontes ostentando o seu nome e Camões imolando a sua imortalidade. Nas escolas portuguesas por todo o império colonial, entregava-se às crianças em bandeja de ouro, o nome do grande herói que abriu os caminhos marítimos da Europa ao imperialismo ocidental que imperou quase até aos nossos dias.
Maximilien de Robespierre foi um dos principais personagens da Revolução Francesa nos finais do século XVIII. A sua formação em Direito dá-lhe o devido destaque, porquanto havia já defendido em tribunais os mais fracos e humildes. Os amigos chamavam-lhe “o incorruptível”. Chegou a escrever numa carta: “Existe profissão mais sublime que defender os pobres e oprimidos?”
Em janeiro de 1793 os deputados votam a morte do rei: 387 pela execução imediata e 334 pelo adiamento da pena. No dia 21 de janeiro o rei é executado. A fim de evitar uma guerra civil, Robespierre, que havia forçado a execução do rei, assume a 27 de julho de 1793 o Comité de Salvação Pública e começam as execuções em larga escala.
“Inspirada nos pensamentos dos iluministas, bem como na Revolução Americana (1776), a Assembleia Nacional Constituinte da França Revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789 e votou definitivamente a 2 de outubro a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizado em dezassete artigos e um preâmbulo dos ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa (1789-1799). Pela primeira vez são proclamadas as liberdades e os direitos fundamentais do homem de forma económica, visando abarcar toda a humanidade. Serviu de inspiração para as constituições francesas de 1848 (Segunda República Francesa) e para a atual e também foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pelas Nações Unidas e aceite pela maioria dos 195 países do mundo.
Robespierre foi de uma influência fundamental na construção dos alicerces das democracias modernas, embora tenha um lado negro. Enviou muita gente para a guilhotina e até ele próprio foi vítima da roda violenta que ajudou a criar. Achava que a complexidade revolucionária assim o exigia. A sua participação é registada na História por distintos capítulos. Foi herói eleito pelos revolucionários seus pares. A República Francesa e o mundo moderno muito lhe devem.
O ensejo de Liberdade continua a ser a fonte de inspiração para todos os povos da Terra. Ninguém está imune ao seu inebriante perfume. Ser, tanto quanto possível, livre de decidir o seu destino, como povo ou como país, é um direito fundamental de todos, que está cada vez mais enraizado no contexto atual, com a presente conjuntura bélica e a permanente comunicação entre os povos de todo o planeta, através dos diversos avanços tecnológicos e digitais. Cada vez mais, todos falam com todos. Cada vez mais, a troca de opiniões livres é planetária. Esta mudança global de paradigma trás grandes inovações e progressos a que ninguém pode quedar-se indiferente.
As recentes eleições na Ibéria espanhola, trouxe uma vez mais à ribalta internacional, os centralismos excessivos e neocoloniais que ainda persistem em muita escuridão intelectual. Castela ainda se julga dona e senhora das suas conquistas bélicas medievais dos reinos em seu redor e persiste em manter pela força das maiorias que votam constituições e outras manipulações, os povos da Catalunha, da Galiza, do País Basco, etc.
A Espanha, tal como a conhecemos hoje, é uma autêntica manta de retalhos, remendados à força das armas, incluindo uma feroz e altamente criminosa guerra civil (1936-1939).
Mas como a História não se move em retrocesso, o seu andamento é cada vez mais progressista. Os povos que desejam a sua Liberdade na Ibéria espanhola, estão em vias de ajudar a formar o governo centralista de Madrid, o que não deixa de ser uma oportunidade para o arreigado centralismo compreender melhor que um entendimento entre as partes será mais frutuoso do que a constante guerrilha constitucional.
Portugal só deve tirar lições de Liberdade destas eleições e começar a conversar com os governos dos dois arquipélagos (Açores e Madeira) sobre as alterações constitucionais, bem como os direitos insulares destes territórios, numa partilha igualitária. A SOBERANIA, palavra que deriva de soberano, todo-poderoso, poder absoluto sobre a vida, tem de ser coisa do passado e retirada das convenções modernas de todos os povos.

José Soares *

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