A Ryanair e o Turismo nos Açores
Diário dos Açores

A Ryanair e o Turismo nos Açores

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A iminente saída da Ryanair da sua base de Ponta Delgada é, muito provavelmente, motivada por umracionalcomercial, tal como muito recentemente afirmaram a secretária regional para o Turismo, Mobilidade e Infraestruturas e o presidente do Governo Regional.
Efectivamente, quando se compara o potencial de crescimento de passageiros nos Açores e aquele que se estima que venha a acontecer em Lisboa, no Porto ou em Faro, entende-se facilmente que, apesar da muito maior concorrência nos aeroportos do Continente, não é certamente nos Açores que se pode esperar um aumento apreciável do negócio.
Quadro 1: Passageiros embarcados e desembarcados nos aeroportos do Continente e nos Açores.

Enquanto que em todos os aeroportos do Continente os crescimentos foram muito consideráveis após a entrada das “Low-Cost” (vejam-se os números no Quadro 1), sempre com percentagens na ordem dos dois dígitos, os Açores duplicaram os passageiros de forma exponencial com a abertura do espaço aéreo, tendo estagnado logo após esse impulso inicial, chegando rapidamente a uma saturação, e sendo de esperar uma quase estagnação de agora em diante.
Esta quase estagnação deveu-se principalmente à decisão, em meu entender muito errada, de promover o afunilamento das entradas e saídas de passageiros por via aérea no aeroporto de Ponta Delgada, que representa cerca de 70% do total de passageiros; este modelo hipotecou o potencial de crescimento pois limitou-o ao número de camas disponíveis na Ilha de São Miguel, em vez de estendê-lo ao todo do arquipélago.
E não só hipotecou o crescimento do turismo como também desincentivou o dinamismo de investimento que poderia ter sido vivido em todas as restantes oito ilhas.
O valor residual dos encaminhamentos é clarificador do efeito da concentração em São Miguel dos fluxos de turistas e de quão tem sido difícil para as restantes ilhas conquistarem o seu espaço no mercado que foi trazido pelos voos em espaço liberalizado.
Por isso, sendo certo que a decisão da Ryanair de abandonar a base de Ponta Delgada é legítima e motivada por uma falta de perspectiva de crescimento, quando comparado com o potencial oferecido pelos aeroportos no Continente, nem os empresários micaelenses do turismo nem o Governo Regional têm legitimidade para descartar em responsabilidades pelo desfecho a que se chegou.
Os primeiros porque desde a liberalização têm feito pressão sobre o Governo para que tudo fique afunilado em Ponta Delgada, como se os benefícios da chegadadas “Low-Cost” aos Açores lhes fossem devidos em exclusivo, sem se importarem minimamente com o desenvolvimento harmónico que estas deveriam ter trazido a todas as ilhas.
O segundo, porque se deixou capturar pelos interesses dos primeiros, com medo de perder popularidade, e votos, na ilha mais populosa, e porque, por isso mesmo, não promoveu a repartição dos efeitos do crescimento do turismo por todos, e não se importou de hipotecar a coesão que tanto apregoa.
O cenário seria certamente diferente se a SATA Air Açor estivesse adaptados seus horários inter-ilhas para permitir a entrada e saída, no mesmo dia e sem grandes tempos de ligação, para qualquer ilha, dos passageiros que chegassem a um dos aeroportos de entrada na região.
Esta flexibilidade de entrada e saída para qualquer uma das ilhas do arquipélago teria trazido uma grande dinâmica ao turismo, bem como teria distribuído os turistas de forma mais equilibrada, dando a conhecer-lhes a beleza da diversidade natural, cultural e étcnica dos Açores.
No entanto, sendo impossível prever com exactidão em que ponto estaria o desenvolvimento turístico dos Açores caso se tivesse optado pela franca descentralização dos voos para o exterior, pode-se afirmar, com toda propriedade, que o cenário seria muito diferente e os crescimentos teriam sido maiores, o que talvez não tivesse motivado a presente reacção e decisão da Ryanair.
Agora, com o fecho da base de Ponta Delgada, São Miguel vai ficar na situação em que colocou as restantes ilhas, pois todos os fluxos se irão fazer através de Lisboa ou do Porto; e infelizmente, as restantes ilhas sofrerão o efeito da dupla insularidade, situação de onde nunca saíram, apesar de todos os esforços dos diversos governos para a promoção da coesão.
Este governo, como muitos outros que o antecederam, falhou na promoção da efectiva coesão e do merecido desenvolvimento harmónico dos Açores; por isso não se podem aceitar as reacções e declarações dos últimos dias, de diversos membros do Governo Regional, bem como do seu Presidente, em que querem fazer-nos crer que fizeram tudo certo e que a Ryanair é a única culpada por este desfecho por estar somente a pensar nos seus lucros.
Não é verdade; chegou-se aqui porque os decisores políticos não tiveram a menor visão estratégica para o desenvolvimento do sector do turismo e por se terem deixado capturar pelos grupos de interesse de São Miguel, esquecendo as restantes ilhas.
Mas a falta de visão e de estratégia não se fica por aqui; de consequências bem mais nefastas pode ter o desajustamento entre os preços praticados nos alojamentos, na restauração e nos rent-a-car e a efectiva qualidade proporcionada.
Em vez dos empresários se focarem na fidelização dos seus clientes, que os faria querer regressar nos anos seguintes, preocupam-se em sacar o mais que puderem daqueles que lhes entram pela porta.
Salvo raras excepções, como algumas que se têm no Pico e em São Jorge, a qualidade que se vende fica muito aquém do valor que se cobra, o que a médio e longo prazo retira competitividade ao destino quando comparado com outros a distâncias similiares dos mercados emissores do Centro da Europa.
Vejam-se no Quadro 2algunspreços de referência, recolhidos no dia 26 de Agosto num escaparate da Tuin um centro comercial de Zurique; para uma semana de Setembro ou Outubro em destinos no Mediterrâneo, com sol e praia garantidos, e para pacotes com tudo incluído, avião, estadia, refeições, bebidas, actividades desportivas e náuticas, em resortes de quatro e cinco estrelas, os preços são mesmo muito competitivos.
Quadro 2: Preços para diversos destinos turísticos em Setembro e Outubro, recolhidos no dia 26.08.2023 num escarate da Tui num centro comercial de Zurique.

O sector do turismo já representa mais de 10% do Produto Interno Bruto da Região e o alojamento, a restauração e os rent-a-car representam mais de 68% dessa percentagem (vejam-se os dados no Quadro 3), pelo que a prática de preços desajustados da qualidade efectiva dos serviços proporcionados trará, a médio prazo, consequências nefastas para todos.
Os transportes aéreos geram menos de 15% do valor do sector, deixando claro que, apesar de importantes, não são o factor decisivo na captação e fidelização dos turistas.


Quadro 3: Dados da Conta Satélite do Turismo da Região Autónoma dos Açores (de 2016 a 2020); Fonte Serviço de Estatística da Região Autónoma dos Açores (SREA).

Os sucessos e os insucessos serão consequência da estratégia que vier a ser implementada por todos os agentes dos sector, os empresários de todas as ilhas e o Governo Regional; todos terão o seu papel e, como consequência a sua quota de responsabilidade nos resultados que forem alcançados.
Ao Governo Regional cabe-lhe o papel central de implementar, de forma transparente, a estratégia que o garanta e sem que “assobie para o lado”, apressando-se a descartar responsabilidades, quando os problemas surgem.
Dos empresários exige-se que entendam que não podem colocar em perigo o desenvolvimento e a competitividade do sector, ao impedir o desenvolvimento do turismo em toda a Região, e ao cobrar uma espécie de “gato por lebre”.
Em vez disso, devem promover os Açores como um arquipélago, em que cada uma das suas ilhas tem para oferecer belezas e especificidades distintas, e devem trabalhar para fornecer uma melhor qualidade daquela que é proporcionada pelos destinos que lhes são concorrentes.
O verdadeiro potencial turístico dos Açores reside numa oferta de qualidade e na enorme diversidade de natureza, cultural e étnica das 9 ilhas do arquipélago. É aqui que reside o segredo do contínuo crescimento do turismo, da fidelização dos turistas que nos visitam e do desenvolvimento harmónico e inclusivo da Região.
O desenvolvimento económico trazido pelo turismo tem mesmo que ser para todos os açorianos.

Nuno Ferreira Domingues *

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