Diário dos Açores

Valor estratégico permanente dos Açores

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A História ensina-nos que as nossas ilhas sempre foram vistas como uma base importante, no meio do Oceano Atlântico, para apoiar a navegação e as comunicações, entre os dois continentes vizinhos. Nos tempos mais remotos, por aqui faziam escala as naus da Índia e a “Flota de la Plata”, espanhola, bem como os corsários e piratas de vária origem em busca fácil das riquezas de tão longe transportadas. Com a navegação a vapor aqui se instalaram depósitos de carvão e mais tarde de óleo, além de oficinas de reparação naval, das quais ainda recordo as derradeiras, instaladas na Canada da Doca. Os cabos submarinos também por cá vieram amarrar, contribuindo para melhor nos ligar ao Mundo.
Mas foi nos períodos de guerra que a importância estratégica dos Açores mais se pôs em evidencia. Sem  falar já dos conflitos anglo-americanos, ocorridos durante e depois da proclamação da independência das antigas colónias britânicas da América do Norte, estiveram as nossa ilhas em especial destaque na I e na II Guerras Mundiais; mais recentemente, ao longo da Guerra Fria e dos vários conflitos no Médio Oriente, sempre alinhados com a liderança dos nossos aliados americanos.
Nos dois últimos volumes da valiosa obra de História Diplomática, da  autoria do Embaixador Bernardo Futscher Pereira, dedicada ao período  do Estado Novo, protagonizado por Salazar e Caetano, são feitas numerosas referencias aos Açores, reconhecendo o crucial papel desempenhado pelo domínio português das nossas ilhas na manutenção do império colonial e do próprio regime autoritário, que era afinal a grande preocupação dos chefes dele.
Acabei de ler os dois livros no período de férias agora terminado. Em “Crepúsculo do Colonialismo” aborda-se a década longa de 1949 a 1961, com destaque para a entrada na NATO, promovida pelos Estados Unidos por causa da Base das Lages. Da mesma época data a entrada de Portugal na ONU e os primeiros problemas com a Organização, que inscrevia na sua Carta o grande objectivo do fim das colónias e sua emancipação. No último volume da monumental obra, subordinado ao título “Orgulhosamente Sós”, é já a guerra colonial que fica em destaque, conduzida na frente diplomática e nos matos africanos, numa vertigem de isolamento cada vez maior e desmotivador, apesar dos lampejos de euforia das populações dos territórios em causa.
Volta a destacar-se a importância dos Açores. Numa primeira fase, é o próprio Pentágono a lembrar o papel decisivo das facilidades militares acertadas com o Governo Português nas nossas ilhas, procurando assim moderar os ímpetos anti-colonialistas da Administração Kennedy; depois é Lisboa a jogar o tudo por tudo para instabilizar a presença americana nos Açores, deixando no ar a renovação do acordo, com o intuito de assim obter vetos americanos no Conselho de Segurança da ONU e ainda a cedência de armas e créditos financeiros para manter as tropas portuguesas em África, diligências estas últimas aliás sem sucesso.
O bem documentado trabalho do Embaixador Bernardo Futscher Pereira - e repito o seu nome completo porque houve um outro Embaixador, Vasco Futscher Pereira, pai dele, que conheci quando se encontrava em posto em Washington e mais tarde foi mesmo Ministro dos Negócios Estrangeiros no segundo Governo do Primeiro Ministro Francisco Balsemão -inclui elementos muito interessantes sobre a crise de Goa e a invasão pelas tropas indianas, em finais do fatídico ano de 1961. A fúria de Salazar perante a nega de Londres em envolver-se na solução do problema levou o ditador a considerar caduca a  multi-secular Aliança Luso-Britânica, na qual pusera tanta confiança ao longo da primeira fase do seu mandato.
São também muito relevantes os elementos recolhidos sobre o falhado golpe do General Botelho Moniz, tentativa de afastar Salazar e encontrar uma solução política para o levantamento armado que já estava em curso em Angola e se esperava para breve na Guiné e em Moçambique. As pressões diplomáticas americanas para se tentar uma saída para a guerra por uma via negocial são também descritas em pormenor e na verdade mantiveram-se até ao fim do regime. Posso testemunhar sobre isso, pois fui eu próprio portador de mensagens desse teor para o Presidente do Conselho Marcelo Caetano, que nunca lhes deu ouvidos.
Julgo que o grande falhanço do regime ditatorial foi considerar que as operações militares iniciadas em 1961 se assemelhariam às chamadas “campanhas de pacificação” de tribos sublevadas, outrora terminadas em pouco tempo e com a submissão dos revoltosos. Por sinal, ainda há poucos dias o “Diário de Notícias” reproduzia um relato, publicado há cem anos, da celebração de uma vitória sobre populações negras e no qual se lembrava como a dominação portuguesa sobre o território angolano, longe de datar do século XV, se tinha verificado lentamente, ao fio da derrota das populações autóctones, sabe-se lá no meio de que violências e horrorosos massacres, ao longo dos séculos XIX e XX.  Lembro-me de ter lido no mesmo jornal as notícias da chegada a Lisboa do régulo Gungunhana, que me encheram de vergonha pelo tratamento deveras racista que lhe foi dispensado, até ao envio para a prisão e exílio na ilha Terceira, nos nossos Açores, onde veio a morrer, anos mais tarde, respeitado e em paz.
A trilogia do Embaixador Bernardo Futscher Pereira termina com a Revolução do 25 de Abril, promovida pelo Movimento das Forças Armadas, com os objectivos declarados de descolonizar, democratizar e desenvolver o País. Deixou-me surpreendido a afirmação de que com o fim do Império, Portugal saiu da História, com H grande. Para mim, parece que finalmente entrou nela e mais alto nela se posicionará, quando puser cobro aos últimos traços de dominação, que ainda cultiva, sobre as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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