Diário dos Açores

Revisão da Constituição Autonómica, o caso dos Açores

Pela iniciativa de deputados da Assembleia da República foi iniciada uma revisão da Constituição e que está a decorrer. Assim se cumpriu a Constituição: quem inicia e participa na revisão são os deputados, não os grupos parlamentares; e também não as regiões autónomas. Para a Constituição – estas duas regiões politicamente especiais (perante as restantes regiões do país que não têm autonomia política) não têm qualquer estatuto especial porque os assuntos são do todo e não de partes.
Mas regiões autónomas participam, naturalmente: através dos partidos políticos e de acordos políticos; e também através da emissão de resoluções parlamentares publicadas no Diário da República, as quais são tidas em conta nos trabalhos de discussão e textualização da revisão por via das relações políticas partidárias. Na alteração da Constituição exige-se silêncio constitucional e isso é garantido por via das aprovações das leis constitucionais por uma maioria muito qualificada e não existe nem fiscalização preventiva, o Presidente da República não pode recusar a promulgação de uma lei (de revisão) constitucional.
Os Açores, pela primeira vez, apresentaram as suas ideias de maneira organizada através da Resolução AL-RAA 36/2023/A, de 9agosto. A proposta não merece atenção: sobressai a repetição de independentismos e não há paciência para aturar ideais que nada têm que ver com os problemas das pessoas sujeitas à autonomia política.
Apenas um exemplo sobre a ideia de Estado unitário:

Norma constitucional em vigor:Artigo 6.º (Estado unitário)
1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública. 2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio.
 

Norma constitucional em vigor:Artigo 6.º (Estado unitário)
1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública. 2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio.


Quando a Constituição começa no seu artigo 1.º a declarar de modo exemplar e emotivo que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» é normal que refira República: porque em Ciência Política, desde Nicolau Maquiavel, que existem apenas duas formas de governo: o governo de todos que é a república e o governo de alguns que é a monarquia (não confundir, como se confunde nos Açores, forma de governo com sistema de governo); e porque é uma declaração da sua soberania perante os outros espaços em que o planeta está dividido politicamente. Mas quando a Constituição, no citado artigo 6.º, verbaliza que o Estado é unitário – é um pequeno e grande disparate, pois não é necessário classificar o Estado porque a Constituição não é um classificador de nomenclatura e taxonomia (mas tão só, e sobretudo, regras dos governos e direitos fundamentais), assim como é inteiramente desnecessário. A Constituição tem esse erro técnico que é verbalizar a designação técnica de o Estado ser unitário; mas esse erro não é grave por dois motivos: 1.º, porque corresponde à realidade; 2.º, porque se compreende tal inserção no momento problemático do verão quente de 1975 em que a Constituição de 1976 foi edificada. Não vem mal ao mundo que a Constituição, por excesso de palavras, diga Estado unitário – porque isso é assim na realidade e porque tecnicamente é essa a expressão correta; mas mesmo quando não disser, e não o deveria dizer, o Estado continua sendo unitário porque o é efetivamente. Algumas fantasias enredam-se em argumentos falsos no sentido de que a expressão ofende as regiões autónomas e que lhes limita a suas ações. Está para nascer a pessoa que prove isso e se nascer não vai ser neste planeta.

Norma proposta pelo Parlamento Açoriano:Artigo 6.º (Estado com Regiões Autónomas)
1 — O Estado é unitário e regional, através das suas regiões autónomas insulares, e respeitana sua organização e funcionamento os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquiaslocais e da descentralização democrática da Administração Pública.2 — (...)
 

Norma proposta pelo Parlamento Açoriano:Artigo 6.º (Estado com Regiões Autónomas)
1 — O Estado é unitário e regional, através das suas regiões autónomas insulares, e respeitana sua organização e funcionamento os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquiaslocais e da descentralização democrática da Administração Pública.2 — (...)

    Ora, perante o que acabamos de verificar – percebe-se claramente que a proposta açoriana é simplesmente estupidificante: porque em vez de limar o excesso, acrescenta ainda mais lixo constitucional. Já o proémio desta norma açoriana é ofensivo porque não é um “Estado”, mas “um Estado com regiões autónomas”. Qualquer português, detentor dum Estado exemplar na Europa com quase novecentos anos de contiguidade histórica, se sente ofendido com tal disparate. E dizemos disparate com todas as letras – porque a autonomia política tem muitos problemas no dia-a-dia e o seu parlamento digna-se entrar nesse universo paralelo de impor paulatinamente ideais independentistas. Não se compreende e assim o parlamento açoriano confirma as suas fraquezas políticas que já eram bem visíveis e que agora são estratosféricas. Se a Região Autónoma fosse politicamente inteligente teria proposto apenas e só retirar a expressão unitário; e assim já conseguiria muito – e, mesmo assim, isso não traria rigorosamente nada às necessidades dos insulares e à autonomia política.
A autonomia política açoriana não se respeita a si mesma, viola-se a si própria num registo de capricho independentista que nem a Constituição, nem o Estatuto permitem.
Arnaldo Ourique

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