Diário dos Açores

Modas Imperiais

Previous Article Quatro funerais e um casamento

Cada vez me convenço mais que se pode aprender muito lendo jornais. Ainda na semana passada, trazia o Diário de Notícias, na secção correspondente, a transcrição de uma extensa reportagem, saída na edição de há um século, precisamente, sobre os festejos realizados em Lisboa, comemorativos da vitória militar portuguesa nos territórios do sul de Angola, contra o levantamento de uma tribo, impulsionado pelos nossos então vizinhos alemães do Sudoeste Africano, no decurso da Grande Guerra.
A narração tinha requintes de pormenor, sobre o enquadramento humano da cerimónia, realizada na Avenida da República, e referido como muito numeroso. Presentes na Tribuna de Honra, situada na Praça de Saldanha, o próprio Presidente do Ministério, como então se chamava o Chefe do Governo, e vários ministros e outras figuras públicas notáveis, algumas com nomes ainda inscritos na toponímia da capital, outras até já o tiveram em cidades angolanas, antes da independência.
Houve discursos laudatórios, atribuição de condecorações, continências à Bandeira Nacional e execução do Hino Nacional pelas bandas militares presentes na cerimónia, que eram várias, cada unidade se apresentando com a sua banda de música. Por fim decorreu o desfile das forças em parada, num total de 12 mil homens, no qual se incluíram, com destaque, um conjunto de “guerreiros landins”, infelizmente não apresentados na reportagem fotográfica do evento, ao contrário de vários outros triunfadores, incluindo alguns “dragões “a cavalo.
Tudo isso se passava em plena vigência da I República! O Estado Novo ainda nem assomava no horizonte... O que comprova que o imperialismo português não foi inventado por Salazar, que se limitou a acolher e a agarrar-se a aspirações antigas, longamente acalentadas como integrando a própria essência da Nação Portuguesa. Não pretendo com isso branquear as enormes responsabilidades históricas dos chefes políticos da fase final do Império Português, que manifestamente não perceberam, ou não quiseram ou não puderam já perceber, o que vem a dar no mesmo, que a hora do fim tinha soado.
O Império Africano só se consolidou ao longo dos séculos XIX e XX, antes disso apenas se mantendo alguns estabelecimentos na costa, onde se fazia o comércio com os povos lá estabelecidos, avultando o vergonhoso tráfico negreiro, destinado ao Brasil. Neste se tinham fortalecido os projectos imperiais portugueses ao longo de séculos anteriores, em permanente disputa com os espanhóis, que também procuravam explorar as riquezas do Continente Americano, desde o México para baixo, e até ao “Grito do Ipiranga”, protagonizado pelo filho mais velho do Rei de Portugal, cujo 201º. aniversário se celebrou por um destes dias. Já antes o Império Português do Oriente se fora esboroando com a chegada de novos concorrentes, ingleses, holandeses, franceses, cada povo com as suas pretensões expansionistas, comerciais e territoriais, limitando-se nos últimos tempos às possessões da Costa do Malabar, na Índia, a Macau, na China, e a metade da Ilha de Timor. E este último fora antecedido pelas incursões militares no Norte de África, iniciadas com a conquista de Ceuta, em 1415, antes ainda da descoberta das nossas Ilhas, visando um Império Marroquino como prolongamento do território nacional, confinado na Península Ibérica por Castela e seus domínios, e abandonado mais tarde em favor dos “fumos da Índia”.
A corrida para África foi detonada pela proximidade da competição das grandes potências europeias ou a isso aspirantes. A Conferência de Berlim acertou os critérios para a titularidade dos territórios africanos, acentuando a necessidade da ocupação efectiva e pondo para trás pretensões de presença histórica anterior. Imbuídos da ideologia do “Fardo do Homem Branco”, e pondo em segundo plano os direitos legítimos das populações africanas, os países europeus lançaram-se sobre o Continente Africano e repartiram-no entre si, no Congresso de Berlim, em 1885, como se dele fossem donos e senhores. A demarcação dos limites das colónias portuguesas ficou a dever muito aos grandes viajantes, dentro os quais se destaca o nosso conterrâneo Roberto Ivens. Seguindo o emaranhado dos grandes rios africanos, o Zaire e o Zambeze, foram de Angola à contra-costa, em Moçambique, dando origem à controvérsia sobre o Mapa Côr de Rosa, que culminou com o Ultimato Britânico. Aliás, os nossos mais antigos aliados, que tanto souberam fazer render, ao longo de séculos, em seu benefício a dita aliança, andaram sempre envolvidos em tentativas para se apoderarem de territórios portugueses, ou os negociarem, arrogando-se  titularidade sobre os mesmos, com terceiros...
Eça de Queiroz ironiza, em “Uma campanha alegre”, sobre a reacção ao Ultimato de 1891, sobretudo relativamente à subscrição pública para modernizar a nossa Marinha de Guerra. Mas o certo é que o apego popular ao sonho imperial africano tinha raízes profundas e a propaganda republicana contra o regime monárquico recorreu bastante a tal argumento. Daí que  a República tivesse impelido o país para a participação na Grande Guerra, que correu muito mal, mas nos assegurou um lugar entre os vencedores á mesa das negociações da Conferência de Paz de Versalhes.
O fim dos impérios coloniais fica marcado pelos compromissos assumidos no final da II Guerra Mundial. Alemanha, como país derrotado, é o primeiro a perder as colónias.  França, Inglaterra, Holanda e Bélgica ainda estrebucham, mas nada conseguem. Conta-se que Churchill terá dito que não tinha ganho a guerra para ver desaparecer o Império Britânico, mas o certo é que ele se foi, reconvertido numa Comunidade de contornos bastante esfumados. A França bem que lutou na Indochina e na Argélia, mas sem quaisquer vantagens. Outros nem sequer tentaram resistir aos ventos da História...
Em Portugal, a guerra desenrolou-se em três frentes e envolveu centenas de milhares de combatentes, brancos e negros, todos convencidos de terem alguma razão; mas nem todos a tinham certa, e depois do colapso do regime autoritário e da implantação da Democracia, novas relações se estabeleceram entre Portugal e as suas antigas colónias, com bases de entendimento sólidas e prometendo frutos para os interessados.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

Share

Print

Theme picker