Diário dos Açores

Um novo recomeço

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Estamos novamente em pleno começo do ano lectivo, nos vários graus de ensino entre nós existentes, que vão desde o pré-primário até ao superior, sem esquecer a importância das creches, que este ano se apresentam na nossa Região Autónoma como gratuitas. Entre nós as coisas estão correndo com bastante normalidade e, apesar de uma ou outra falta de professores ou de auxiliares de acção educativa, embora mereçam destaque as vagas de nomeações para preenchimento de quadros, verificadas nos últimos anos, em geral o início dos trabalhos não tem tido surpresas. O contrário se passa no território continental da República, onde as falhas são muitas e já se anunciam greves por objectivos vários, denotando a existência de problemas antigos que não se tem podido ou querido solucionar. Aqui se encontra uma das vantagens óbvias da Autonomia Constitucional dos Açores!
As famílias acompanham com entusiasmo e emoção a abertura das aulas e os problemas  assim postos às gerações jovens. Os preparativos começaram já há tempos e as despesas correspondentes também. Pôr os pequenos na escola representa sempre um esforço económico, em livros e outro material escolar, roupa, mochilas, obrigando a fazer opções, especialmente sensíveis para os menos abonados.
O Estado, nas nossas ilhas a Região Autónoma dos Açores, personificada pelo Governo Regional, com a ajuda das Autarquias Locais, mormente das Câmaras Municipais, avança com várias ajudas às famílias, oferecendo bolsas de estudo e fornecendo gratuitamente diversos bens, concretamente os manuais, agora tendencialmente na modalidade digital. Mas surgem argumentos vários contra esta mesma forma de substituir os antigos livros, que hão-de certamente merecer séria ponderação da parte dos responsáveis da área governamental da Educação.
À custa de querer ser modernos têm vindo a sacrificar-se valores que sempre foram tidos por fundamentais, nomeadamente o gosto pela leitura e o amor aos livros. É um facto incontroverso que a geração mais nova lê pouco e não está familiarizada com o manuseamento dos livros. Noto isso nos alunos que agora chegam à Universidade, mas o fenómeno é geral e está espalhado pela Europa fora e até talvez por todo o Mundo.
Ainda há poucos dias, viajando de Lisboa para Ponta Delgada, pude comprovar, em conversa com o meu jovem vizinho de lugar no avião, que ele desconhecia dois autores da sua nacionalidade por mim mencionados, ignorando também naturalmente o conteúdo dos livros referidos. Ambos os escritores são de muito mérito e um deles é mesmo tido como um dos melhores da sua língua. Temo que não seja caso único... E no entanto é uso dizer-se que esta é a geração mais preparada de sempre!
Julgo que convém fazer uma grande campanha em favor da leitura de livros e de jornais. Por mim insisto muito com os meus alunos quanto a estes aspectos. Considero de resto indispensável, para quem se abalança a fazer um curso universitário de Ciência Política e Relações Internacionais, familiarizar-se com os veículos tradicionais de transmissão do saber, seja o mais complexo, sejam as notícias do dia. Mas o combate tem de ser generalizado, sem o que vamos deixar toda uma geração perdida na superficialidade, sem ossatura intelectual para enfrentar e vencer os desafios que a vida lhes vai apresentar.
E esses desafios são muitos e de difícil resolução. Veja-se o caso da mudança climática, que está intimamente ligada ao delírio consumista e extractivista, que é a marca de água das sociedades contemporâneas. Não é fácil aceitar uma redução dos patamares de bem estar alcançados no nosso comum estilo de vida, virado para a satisfação imediata de necessidades, verdadeiras ou induzidas. E o mesmo se passa com a tão falada “transição digital”, que ameaça concentrar mais ainda a riqueza, lançando milhões de pessoas no desemprego e um número muito alto de empresas na falência. Ou ainda as questões ardentes da guerra e da paz, encaradas com duvidoso sentido de responsabilidade pelos mais altos dirigentes dos países, um pouco por toda a parte.  
A dependência dos mais novos do poder devastador dos écrans dos telemóveis e dos televisores começa a ser tema de estudo e preocupação dos responsáveis. Fala-se já em medidas limitativas a impor coactivamente. Mas será que tal vai mesmo ser possível? E iremos ainda a tempo de evitar o pior?
Na altura em que decorre um novo recomeço, é oportuno dar alguma consideração a estes temas. Mesmo o que se encontra já em risco, ainda não está completamente perdido. E pode até ser recuperado, se nisso nos empenharmos todos de alma e coração.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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